ASDRÚBAL ERA CONHECIDO POR TODOS OS CANTOS DO REINO DAS SETE COLINAS COMO UM HERÓI. NÃO DAQUELES HERÓIS SÉRIOS E SISUDOS, COM ARMADURAS BRILHANTES E VOZ GRAVE. NÃO, ASDRÚBAL ERA DIFERENTE. ELE TINHA UMA BARBA AVERMELHADA SEMPRE UM POUCO BAGUNÇADA, UM SORRISO FÁCIL E UMA RISADA QUE FAZIA OS CORVOS BATEREM ASAS ASSUSTADOS. ERA FORTE COMO DEZ BOIS JUNTOS, E CORAJOSO COMO UMA MATILHA INTEIRA DE LOBOS FAMINTOS. MAS O QUE MAIS IMPRESSIONAVA NÃO ERA A SUA FORÇA, E SIM O SEU CORAÇÃO — GRANDE, GENTIL E SEMPRE PRONTO PARA AJUDAR QUEM PRECISASSE.

SEU COMPANHEIRO INSEPARÁVEL ERA MELQUIOR, UM CAVALO PRETO DE CRINA LONGA E BRILHANTE, COM OLHOS TÃO ESPERTOS QUE ÀS VEZES PARECIAM HUMANOS. MELQUIOR NÃO FALAVA — PELO MENOS NÃO COM PALAVRAS —, MAS BASTAVA UM RELINCHO OU UM BATER DE CASCOS NO CHÃO PARA QUE ASDRÚBAL SOUBESSE EXATAMENTE O QUE ELE QUERIA DIZER. OS DOIS VIAJAVAM JUNTOS POR VILAREJOS DISTANTES, AJUDANDO PESSOAS, RESOLVENDO MISTÉRIOS E, ÀS VEZES, COMENDO TORTAS DE FRUTAS QUE OS CAMPONESES OFERECIAM EM AGRADECIMENTO.

CERTA MANHÃ, APÓS RESGATAR UM GRUPO DE OVELHAS QUE HAVIA SE PERDIDO NAS MONTANHAS DO VENTO, ASDRÚBAL E MELQUIOR DECIDIRAM SEGUIR VIAGEM ATÉ O VALE DO MANTO AZUL. A REGIÃO ERA CONHECIDA POR SUAS PAISAGENS TRANQUILAS E SUAS COLINAS COBERTAS POR FLORES QUE PARECIAM SUSSURRAR AO VENTO. ERA UM LUGAR PERFEITO PARA DESCANSAR OS MÚSCULOS CANSADOS E DAR UMA PAUSA NAS AVENTURAS. AFINAL, ATÉ OS HERÓIS PRECISAM DE COCHILOS DE VEZ EM QUANDO.

AO ENTARDECER, O CÉU SE PINTAVA DE LARANJA E ROSA, COMO SE ALGUÉM TIVESSE DERRAMADO SUCO DE FRUTAS SOBRE AS NUVENS. ASDRÚBAL ENCONTROU UMA CLAREIRA ENTRE ÁRVORES ALTAS E RESOLVEU QUE ALI SERIA O LOCAL PERFEITO PARA MONTAR ACAMPAMENTO.

“MELQUIOR, QUE TAL DESCANSARMOS POR AQUI ESTA NOITE?” DISSE ELE, DESCENDO DO CAVALO COM UM PULO ÁGIL.

O CAVALO RELINCHOU EM APROVAÇÃO, BALANÇANDO A CABEÇA.

ASDRÚBAL ACENDEU UMA FOGUEIRA, PREPAROU UM MINGAU DE AVEIA COM FRUTAS SECAS E DIVIDIU COM MELQUIOR UMA MAÇÃ VERMELHA QUE HAVIA GUARDADO. DEPOIS, ESTICOU UM COBERTOR NO CHÃO E SE SE DEITOU OLHANDO PARA AS ESTRELAS QUE COMEÇAVAM A PISCAR NO CÉU.

“QUE NOITE TRANQUILA…”, MURMUROU, FECHANDO OS OLHOS. “FINALMENTE, UMA PAUSA SEM MONSTROS, SEM GRITOS, SEM CORRERIA.”

MAS ELE ESTAVA ENGANADO.

NO SILÊNCIO DA MADRUGADA, ENQUANTO ASDRÚBAL DORMIA PROFUNDAMENTE, ALGO SE MOVEU ENTRE AS ÁRVORES. PRIMEIRO FOI UM RUÍDO BAIXO, COMO O SOM DE FOLHAS SENDO ARRASTADAS. DEPOIS, UMA VIBRAÇÃO NO CHÃO, TÃO LEVE QUE SÓ MELQUIOR PERCEBEU. O CAVALO ERGUEU A CABEÇA, ATENTO. SEUS OUVIDOS GIRARAM, E SEUS OLHOS BRILHARAM COM A LUZ FRACA DA LUA. ALGO ESTAVA ERRADO.

DO ALTO DO CÉU, SURGINDO COMO UMA SOMBRA ENORME, DESCEU UMA CRIATURA TERRÍVEL: UM DRAGÃO.

SEUS OLHOS VERMELHOS BRILHAVAM COMO BRASAS, AS ESCAMAS TINHAM A COR DA FUMAÇA, E SUAS ASAS ERAM TÃO LARGAS QUE, AO BATEREM, ABAFAVAM O SOM DA FLORESTA INTEIRA. ERA O DRAGÃO DA NOITE SILENCIOSA, UMA LENDA QUE OS MAIS VELHOS CONTAVAM SUSSURRANDO, COM MEDO DE QUE APENAS PRONUNCIAR O NOME FOSSE SUFICIENTE PARA ATRAÍ-LO.

MELQUIOR RELINCHOU ALTO, TENTANDO ACORDAR ASDRÚBAL. O HERÓI VIROU-SE PARA O LADO E MURMUROU:

“SHHH, MELQUIOR... DEVE SER SÓ UM ESQUILO. DEIXA-ME DORMIR MAIS UM POUCO...”

MAS MELQUIOR SABIA QUE AQUILO NÃO ERA UM ESQUILO.

O DRAGÃO POUSOU COM UM BAQUE SURDO, FAREJANDO O AR. ESTAVA FAMINTO. SENTIA CHEIRO DE HOMEM... E DE CAVALO. DEU UM PASSO À FRENTE, ARRASTANDO AS GARRAS NO CHÃO.

MELQUIOR ENTÃO MORDEU A CAPA DE ASDRÚBAL E PUXOU COM FORÇA.

“AI, MELQUIOR! QUAL É O PROBLEMA AGORA?!” ASDRÚBAL RESMUNGOU, AINDA COM OS OLHOS MEIO FECHADOS. “SE FOR UM COELHO ROUBANDO COMIDA DE NOVO, EU JURO QUE VOU—”

NESSE INSTANTE, ELE OUVIU. UM RONCO PROFUNDO, UM SOPRO QUENTE E ÚMIDO EM SUA DIREÇÃO. O CHEIRO DE ENXOFRE E FUMAÇA.

ASDRÚBAL ABRIU OS OLHOS.

E VIU OS OLHOS VERMELHOS DO DRAGÃO, BRILHANDO A POUCOS METROS DELE.

“POR TODAS AS CUECAS DOS ANÕES DAS CAVERNAS! UM DRAGÃO!” GRITOU, ROLANDO PARA O LADO ENQUANTO UMA LABAREDA ATINGIA O LOCAL ONDE ELE ESTIVERA DEITADO.

NUM SEGUNDO, PEGOU SUA ESPADA — QUE ESTAVA ENCOSTADA EM UMA PEDRA — E SE PÔS DE PÉ. MELQUIOR RECUOU, RELINCHANDO COM FORÇA. O DRAGÃO RUGIU, FAZENDO OS GALHOS DAS ÁRVORES BALANÇAREM.

“ENTÃO ESTÁ, GRANDALHÃO! VOCÊ QUER BRIGA? VAI TER BRIGA!” DISSE ASDRÚBAL, GIRANDO A ESPADA E ASSUMINDO UMA POSTURA DE COMBATE.

O DRAGÃO AVANÇOU COM FÚRIA. SUAS GARRAS CORTARAM O AR, SUAS ASAS AGITAVAM O CHÃO COMO UM FURACÃO. MAS ASDRÚBAL ERA ÁGIL. DESVIAVA COM SALTOS, DESFERIA GOLPES COM PRECISÃO, E USAVA AS PEDRAS E ÁRVORES A SEU FAVOR. MELQUIOR CORRIA AO REDOR, TENTANDO DISTRAIR A CRIATURA COM RELINCHOS E COICES.

A LUTA DUROU HORAS.

ASDRÚBAL SE ESCONDIA, ATACAVA, RECUAVA. O DRAGÃO CUSPIA FOGO, TENTAVA ESMAGÁ-LO COM A CAUDA, GRITAVA COM RAIVA CADA VEZ QUE ERA ATINGIDO. A FLORESTA ACORDOU — CORUJAS VOARAM, CERVOS CORRERAM, E ATÉ OS GRILOS SILENCIARAM.

MAS O HERÓI NÃO DESISTIU.

COM O BRAÇO JÁ MACHUCADO E A CAMISA CHAMUSCADA, ASDRÚBAL OLHOU PARA MELQUIOR E GRITOU:

“AGORA, MELQUIOR! PLANO GIRASSOL!”

MELQUIOR SABIA EXATAMENTE O QUE FAZER.

CORREU EM CÍRCULOS AO REDOR DO DRAGÃO, FAZENDO COM QUE A CRIATURA GIRASSE SOBRE SI MESMA PARA ACOMPANHÁ-LO. O DRAGÃO COMEÇOU A SE DESEQUILIBRAR. FOI NESSE MOMENTO QUE ASDRÚBAL ESCALOU UMA ÁRVORE, SALTOU SOBRE AS COSTAS DA FERA E CRAVOU SUA ESPADA ENTRE AS ESCAMAS DO PESCOÇO.

UM RUGIDO TERRÍVEL ECOOU PELA FLORESTA.

O DRAGÃO CAMBALEOU, BATEU AS ASAS, TENTOU VOAR..., MAS CAIU PESADAMENTE NO CHÃO, DERROTADO.

O SILÊNCIO VOLTOU.

ASDRÚBAL ESCORREGOU PARA O CHÃO, OFEGANTE, SUANDO, MAS SORRINDO.

“VOCÊ... DEVIA... TER ME ACORDADO... ANTES, MELQUIOR,” DISSE ELE, CAINDO SENTADO AO LADO DO CAVALO, QUE RESFOLEGAVA SATISFEITO.

O SOL JÁ COMEÇAVA A NASCER NO HORIZONTE. OS PRIMEIROS RAIOS DOURADOS PINTAVAM O CÉU ENQUANTO OS PÁSSAROS VOLTAVAM A CANTAR.

ASDRÚBAL OLHOU PARA O DRAGÃO — AGORA ADORMECIDO PARA SEMPRE — E SUSPIROU.

“MAIS UMA NOITE TRANQUILA, HEIN?” BRINCOU.

MELQUIOR BALANÇOU A CABEÇA E BUFOU, COMO QUEM DIZ: “DA PRÓXIMA VEZ, ESCUTA O CAVALO.”

ELES DESCANSARAM MAIS UM POUCO ALI, ANTES DE SEGUIR VIAGEM. ASDRÚBAL FEZ UMA MARCA EM SUA ESPADA, COMO FAZIA SEMPRE QUE VENCIA UM GRANDE DESAFIO. AGORA, ELA TINHA TRINTA E SETE RISCOS.

PELO CAMINHO, OS ANIMAIS DA FLORESTA ESPIAVAM ENTRE OS GALHOS. ALGUNS ACENAVAM COM AS PATAS. ASDRÚBAL SORRIU E ACENOU DE VOLTA. MELQUIOR TROTAVA COM ORGULHO, SABENDO QUE, MAIS UMA VEZ, HAVIAM SALVADO NÃO SÓ A FLORESTA, MAS TALVEZ O MUNDO INTEIRO DE UMA CRIATURA TEMÍVEL.

MAS O QUE MAIS FICOU NA MEMÓRIA DAQUELA NOITE NÃO FOI A BATALHA, NEM O RUGIDO, NEM O FOGO. FOI A LIÇÃO QUE ASDRÚBAL REPETIRIA MUITAS VEZES EM SUAS AVENTURAS FUTURAS:

“NUNCA SUBESTIME UM CAVALO ESPERTO.”

E ASSIM, ENTRE RISADAS, TORTAS DE FRUTAS E NOVAS HISTÓRIAS PARA CONTAR, O HERÓI E SEU CAVALO SEGUIRAM POR TRILHAS DESCONHECIDAS, PRONTOS PARA A PRÓXIMA AVENTURA.