PASSAVA OS DIAS À FRENTE DO ESPELHO, ARRANJANDO E LIMPANDO AS BARBAS, SEM LIGAR AOS CONVITES E GALANTEIOS DOS SEUS ADMIRADORES. NÃO QUE FOSSE VAIDOSO — ERA QUE GOSTAVA MESMO DE EXPERIMENTAR PENTEADOS LONGOS E CURTOS, TORCIDAS ELEGANTES, BIGODES ESVOAÇANTES; MUDAVA A BARBA CONFORME O HUMOR, SEM PRESSA, SEM DESTINO. E LÁ FICAVA, OBSERVANDO O REFLEXO, PUXANDO CADA FIO, ALISANDO, PUXANDO DE NOVO, BORRIFANDO UM LÍQUIDO PERFUMADO, COMO SE FOSSE UM ALQUIMISTA À BEIRA DE SUA CRIAÇÃO. O QUARTO ERA FORRADO DE ESPELHOS DE DIFERENTES TAMANHOS E FORMATOS. TINHA LÁ O ESPELHO REDONDO COM MOLDURA DOURADA QUE ENFATIZAVA AS CURVAS DO ROSTO; O ESPELHO OVAL, MAIS DISCRETO, E ATÉ O RETÂNGULO GRANDE ENCOSTADO NA PAREDE, QUE MOSTRAVA O CORPO INTEIRO. AQUELE EM QUE PASSAVA HORAS A FIO.

ELE ERA DE UM VILAREJO ESCONDIDO NUM VALE VERDEJANTE, COM RIACHOS, COLINAS ARREDONDADAS E FLORESTAS DENSAS MARGEADAS POR ESTRADINHAS DE TERRA. NAQUELE LUGAR, TODO MUNDO SE CONHECIA, E ASSIM QUE ALGUÉM SUMIA POR UM INSTANTE, LOGO DESCOBRIAM POR ONDE ANDAVA. MAS NINGUÉM SE IMPORTAVA MUITO COM O RAPAZ DA BARBA MUTÁVEL, PORQUE, AFINAL, ELE VIVIA À TOA, PASSEANDO, OBSERVANDO O CÉU, RECOLHENDO PEDRINHAS DIFERENTES E VOLTANDO PARA CASA AO CAIR DA TARDE.

O NOME DELE ERA TOBIAS BARTHOLOMEU ROCHA – TOBIAS, PARA OS ÍNTIMOS. E O QUE MAIS CHAMAVA A ATENÇÃO NA FIGURA DE TOBIAS ERA, SEM DÚVIDA, AQUELA MANIA DE TROCAR A BARBA COMO QUEM TROCA DE LUVAS. NUMA MANHÃ ESTAVA COM CAVANHAQUE FINO, NO FIM DA TARDE EXPERIMENTAVA UMA BARBA CHEIA, AO ENTARDECER EXIBIA UM BIGODINHO APARADINHO, E À NOITE PODIA SER VISTO COM COSTELETAS EXAGERADAS.

— VOCÊ VAI A ALGUM BAILE? — PERGUNTAVA MARIA CECÍLIA, QUE PASSAVA POR ELE QUANDO IAM BUSCAR ÁGUA NO POÇO. — ESTÁ TROCANDO DE BARBA HOJE?

— SÓ ME ABRINDO PRA LUZ — RESPONDIA TOBIAS COM UM SORRISO, SEM PARAR DE ESCOVAR OS TUFOS DE PELO.

— MAS VAI SAIR DE CASA, NÃO VAI? — INSISTIA ELA, NOVA DA ALDEIA QUE QUERIA AMIZADE.

— TALVEZ.

ELA PISCAVA, CONFUSA COM AQUELA RESPOSTA. MAS O QUE IMPORTAVA ERA QUE ELE SE MANTINHA FIRME DIANTE DA OBJETIVA, COMO SE ACREDITASSE QUE HAVIA ALI UM SENTIDO MAIOR, UMA REGRA INVISÍVEL QUE DIZIA “FAÇA E REFAÇA, FAÇA E REFAÇA, ATÉ ENCONTRAR A FORMA PERFEITA”. E TODOS, NO VILAREJO, CONTAVAM A LENDA DA BARBA DE TOBIAS. ALGUNS DIZIAM QUE ALI ESTAVA ESCONDIDO UM FEITIÇO, QUE, SE ELE ESCOLHESSE A BARBA CERTA, ACONTECERIA ALGO EXTRAORDINÁRIO. MAS TOBIAS NÃO DAVA ATENÇÃO A ESSAS BOBAGENS. CONTINUAVA EM FRENTE AO ESPELHO, COMPONDO.

AS CRIANÇAS DA VILA FAZIAM FILA PARA VÊ-LO TRABALHAR. PRIMEIRO ASSISTIAM DE LONGE, DEPOIS SE REUNIAM POR PERTO, ANSIOSAS. ELE ACEITAVA PERGUNTAS, DEIXAVA QUE TOCASSEM OS PÊLOS MACIOS. DIZIA QUE TUDO AQUILO PASSAVA DE TREINO: TREINAR A PACIÊNCIA, O OLHAR, O AFETO COM A PRÓPRIA IMAGEM. OS ADULTOS, POR SUA VEZ, VIAM AQUILO COM DESCONFIANÇA. DIZIAM QUE ELE ERA ESTRANHO, QUE NÃO TINHA RUMO, QUE A BARBA ERA PRETEXTO PARA VAGAR PELO TEMPO.

TOBIAS, NO ENTANTO, PARECIA FELIZ. ELE SE SENTAVA DE FRENTE AO ESPELHO, E NO REFLEXO — PODIA VER O HORIZONTE INTEIRO. O ESPELHO ERA QUASE MÁGICO: QUANDO SE DESVIAVA, CONSEGUIA IMAGINAR O QUE VERÔNICA, A MENINA LOIRA QUE TAMBÉM ADMIRAVA PEDRINHAS, FARIA AO VÊ-LO; OU O QUE DIRIA O PADEIRO MALUQUIAS AO CONFERIR AQUELA BARBA LONGUÍSSIMA.

UM DIA, APARECEU O CONVITE. DISFARÇADO EM ENVELOPE DE PAPEL RECICLADO, CHEGOU PELAS MÃOS DO CARTEIRO. TOBIAS ABRIU COM CUIDADO — LÁ DENTRO VINHA UM CONVITE SIMPLES, TRAÇADO COM LETRAS DELICADAS: “VOCÊ ESTÁ CONVIDADO PARA O GRANDE FESTIVAL DAS LUZES, NA CIDADE VIZINHA. VENHA COM SUA MELHOR BARBA.” BEM POSITIVAMENTE, O CONVITE DIZIA. ERA UM CONVITE FORMAL, E TOBIAS O LEU DUAS VEZES, PISCANDO, PENSANDO SE TUDO AQUILO NÃO ERA BRINCADEIRA.

AS PESSOAS DO VILAREJO REUNIRAM-SE EM VOLTA, COMENTANDO ALTO:

— GRANDE FESTIVAL DAS LUZES? É DAQUI A UMA SEMANA!

— DIZEM QUE VEM GENTE DE TUDO QUANTO É CANTO.

— MUITA MÚSICA, COMIDAS DIFERENTES, MEDALHÕES DE OURO… QUEREM PRENDER A GENTE, MAS DIZEM QUE É FESTA MESMO.

— TANTOS ESPETÁCULOS, E ATÉ UMA ESPÉCIE DE BAILE DE MÁSCARAS, UMA COISA LINDA.

TOBIAS OLHAVA O CONVITE, ENTREGANDO-O AO ESPELHO, QUE REFLETIA O BRILHO DO PAPEL. ALISOU A BARBA, CUSPIU DE LEVE PARA TIRAR UM FIOZINHO QUE FICOU PRESO. NINGUÉM CONSEGUIA ADIVINHAR SE ELE PRETENDIA IR OU NÃO. ELE FICOU EM SILÊNCIO, COM O CONVITE NA MÃO, COÇANDO O QUEIXO VEZES E VEZES AO FIM.

NAQUELA NOITE, TOBIAS DORMIU PENSANDO COM QUE BARBA IRIA ÀQUELA FESTA. ACORDOU NO DIA SEGUINTE DECIDIDO A ESCOLHER. MAS, COMO SEMPRE, MUDOU DE IDEIA NO MEIO DA ESCOVAÇÃO. SE ANTES GOSTAVA DA BARBA CHEIA, AGORA PREFERIA O BIGODE FINO. E SE O BIGODE COMBINAVA COM O TAPETE DA SALA, LOGO ELE O APARAVA, DEIXANDO APENAS UM CAVANHAQUE DELICADO. E NOVAS HORAS SE PASSARAM. QUANDO O SOL JÁ ESTAVA ALTO, DECIDIU QUE TINHA DECIDIDO — E FEZ DE CONTA QUE ERA DEFINITIVO. FEZ UMA VINHETA NA CABEÇA, LIMPOU O QUEIXO, MEDITOU DIANTE DO ESPELHO.

NAQUELA SEMANA, TODOS OS DIAS PASSARAM PELO ESPELHO, E TODAS AS MANHÃS, TOBIAS SE OLHAVA E MUDAVA. ÀS VEZES PARECIA BARBUDO DEMAIS, E ELE EXIBIA O QUEIXO LISO COMO SE FOSSE UMA CRIANÇA. NOUTROS MOMENTOS, APARECIA BARBUDO DEMAIS, COMO SE FOSSE UM EREMITA. A MAIS ABSURDA VARIEDADE DE PENTEADOS FACIAIS TOMAVA CONTA DE SEU ROSTO, E ISSO OCUPAVA QUASE TODO O TEMPO QUE TINHA. E O VILAREJO? FICOU CURIOSO. QUEM ERA AQUELE SUJEITO QUE BRINCAVA COM ESPELHOS E PELOS, E AO MESMO TEMPO NÃO FAZIA NADA DE ÚTIL?

— ELE VAI, OU NÃO VAI? — REPETIAM AS DONAS DE CASA.

— VAI ESTAR BONITO? — PERGUNTAVAM OS MENINOS.

— VAI APARECER COM UMA MÁSCARA? — PERGUNTAVAM OS MAIS CAUTELOSOS.

ENFIM CHEGOU O DIA. ELE ACORDOU CEDO, PEGOU O CONVITE, PERCORREU O QUARTO E ESCOLHEU UM DOS ESPELHOS: AQUELE RETANGULAR GRANDE. SENTOU-SE, RESPIROU FUNDO, E COMEÇOU. LIMPOU, DESENHOU, APAROU, ALINHOU. NO MEIO DA MANHÃ, AS VISITAS COMEÇARAM A DISTRIBUIR FLORES, FRUTAS, FITAS COLORIDAS. FOI FAZENDO COMBINAÇÕES: BARBA VERDE? NÃO. BARBA COM FLORES? FRUTAS? FITAS? INCLUIU UMA FLOR SILVESTRE ATRÁS DA ORELHA E AJUSTOU O COMPRIMENTO: MÉDIO. ENCHEU AS COSTELETAS DE FRUTINHAS VERMELHAS, PRENDEU UM FEIXE DE FITAS AZUL CLARO NA BARBA E CAIU A LIMPO O SORRISO NO ROSTO. SAIU DO QUARTO ARRASTANDO OS ÚLTIMOS FIOS QUE REPOUSAVAM DA FRENTE DO ESPELHO.

VESTIU UMA TÚNICA BRANCA CORRIDA E COBRIU OS PÉS COM BOTAS CONFORTÁVEIS. SENTIU O PESO DO ENVELOPE DE PAPEL NA LAPELA DA TÚNICA, RASGANDO O AR. E ENTÃO FOI EMBORA.

NO CAMINHO ATÉ A CIDADE VIZINHA — APROXIMADAMENTE DUAS HORAS A PÉ PELO CAMPO —, ELE MAL RESPIRAVA. O REFLEXO DO ESPELHO AINDA O PERSEGUIA: ELE SE VIA EM CADA POÇA DE ÁGUA, EM CADA SUPERFÍCIE LISA, EM CADA BRILHO ESPORÁDICO, COMO SE A BARBA AINDA ESTIVESSE ALI, A ARRUMAR-SE. APALPOU O QUEIXO, MEDIU, ALISOU, LEVANTOU O QUEIXO, FOI PERCEBENDO A LEVEZA DE SUA PRÓPRIA IMAGEM.

CHEGANDO À FESTA, VINDO DA ESTRADA, ELE AVISTOU LANTERNAS FLUTUANTES, MULTIDÕES, BANDEIROLAS COLORIDAS, BARRACAS TENTADORAS. O AR TINHA CHEIRO DE ISCAS QUENTES, MELADO, FLORES TROPICAIS. HAVIA MÚSICA — TAMBORES, TROMPAS, FLAUTAS —, E RISOS, E UM BARULHO GRANDE DE GENTE QUE SE DIVERTIA. PAROU POR ALGUNS INSTANTES, CONTEMPLANDO O ESPETÁCULO. TEVE VONTADE DE CORRER LÁ PRA DENTRO, COM O CORPO LIVRE E A BARBA BALANÇANDO AO VENTO.

UM HOMEM COM OLHOS ARREGALADOS O NOTOU, COM O CONVITE EM PUNHO.

— VOCÊ É TOBIAS? — PERGUNTOU.

— SOU.

— QUE BARBA EXTRAORDINÁRIA VOCÊ TEM!

TOBIAS PISCOU.

— OBRIGADO — RESPONDEU, CONTIDO, QUASE SUSSURRANDO.

— ANDE COMIGO, VENHA — CONVIDOU O HOMEM.

— COM LICENÇA — DISSE TOBIAS, PASSANDO PELOS OMBROS, RECONHECENDO A FUNÇÃO DOS OUTROS — O QUE VOU VER?

— O BAILE COM MÁSCARAS OCORRE ÀS OITO HORAS. ANTES DISSO, HÁ COMPETIÇÃO DE BARBA E INÚMEROS DESFILES.

— BARBA?

O HOMEM ACENOU, COM PRAZER.

— BARREIRAS DE BARBA, DESFILE DE BIGODES TRIANGULARES, TRILHA DA BARBA... — OS OLHOS DELE BRILHAVAM. — TODO MUNDO VAI.

TOBIAS SORRIU E SEGUIU-O.

O HALL ESTAVA CHEIO DE GENTE COM BARBAS E BARBAS, CADA UMA MAIS ESTRANHA QUE A OUTRA. ALGUNS ENCARNAVAM CRIATURAS FANTÁSTICAS, OUTROS EXIBIAM SÍMBOLOS, ORNAMENTOS, CORES VIBRANTES. HAVIA BARBAS EM FORMA DE ESPIRAL, BARBAS DIFÍCEIS DE TRIMAR, BARBAS TÃO LONGAS QUE ESCORRIAM ATÉ O PEITO, BARBAS IMPECÁVEIS QUE BRILHAVAM COMO METAL POLIDO. HAVIA TOUROS, DRAGÕES, CONCHAS, ESTRELAS, MAPAS E PAISAGENS: TUDO DISPOSTO NO ROSTO DAS PESSOAS.

TOBIAS COLOCOU A MÃO SOBRE O QUEIXO, ENTROU ENTRE NÓS E SENTIU UMA PONTADA DE CURIOSIDADE. NUNCA ESTIVERA ENTRE TANTOS BARBUDOS: ERA INUSITADO. DE REPENTE LEMBRAVA QUE TINHA VINDO ALI NÃO PARA COMPETIR (AFINAL, NINGUÉM CONVIDARIA UM EX-INCLASSIFICÁVEL), MAS PARA CONTEMPLAR — E TALVEZ PARA SE DIVERTIR TAMBÉM.

O VELHO HOMEM APRESENTOU-O A MESTRES BARBEIROS, MESTRES ARTESÃOS QUE PASSAVAM QUANTAS HORAS FOSSEM PRECISAS, ENGRAXANDO E TORCENDO, ENTORTANDO E APLANANDO. PARECIA UM SANTUÁRIO DA BARBA, UMA CELEBRAÇÃO DA TEXTURA, DA COR, DA FORMA E DA PACIÊNCIA. E EM MEIO A TUDO ISSO, TOBIAS ESTAVA SERENO, SUSPENSO. UM POUCO DESLOCADO, É VERDADE, MAS FELIZ.

ELE CIRCULOU, OBSERVOU DETALHES NOS OUTROS. TEVE VONTADE DE TROCAR A FRUTINHA VERMELHA DA COSTELETA POR UMA PENA LARANJA, DAQUELES PAVÕES EXÓTICOS. SENTIU QUE ALI HAVIA MAIS DO QUE VAIDADE: HAVIA ARTE, DESAFIO, CORAGEM. E O CHEIRO DE ÓLEO DE BARBA MISTURADO A INCENSO ERA QUASE HIPNÓTICO. PASSOU POR UMA BARRACA QUE DAVA DICAS SOBRE CUIDADOS, ÓLEOS NOVOS, E PERGUNTOU:

— QUAL SALVARIA ESSA BARBA, POR ACASO?

— DEPENDE DO RESULTADO QUE VOCÊ QUER — RESPONDIA O ATENDENTE, SORRINDO. — SUAVIDADE, FIRMEZA, DURABILIDADE? POSSO APLICAR ALGUNS.

ACENOU COM A CABEÇA. ELE SE AFASTOU E ENCONTROU UMA MOÇA USANDO UM COQUE DE BARBA ENROLADO COMO ANTENAS DE GAFANHOTO.

— LINDO — DISSE TOBIAS, E ELA COROU.

— VOCÊ TAMBÉM TEM — RESPONDEU ELA, APONTANDO.

TOBIAS FEZ DUPLO SENTIDO, MAS SORRIU.

A TARDE PASSOU FEITO NUVEM VELOZ. HAVIA DISPUTA DE PENTE? RELÓGIO PARAVA. HAVIA CONCURSO DE BARBA MAIS COMPRIDA? DISPUTADO PONTO A PONTO. NINGUÉM SE IMPORTAVA COM NADA ALÉM DISSO: BARBA, BARBA, BARBA. ERA UM UNIVERSO ALTERNATIVO EM QUE CADA FIO IMPORTAVA, E AS ENGENHOCAS QUE APARECIAM NÃO CABIAM EM OUTRO LUGAR. E LÁ ESTAVA TOBIAS, OBSERVANDO, APRENDENDO, SENTINDO.

CHEGOU A HORA DO BAILE DE MÁSCARAS. TODAS AQUELAS BARBAS FORAM COBERTAS POR MÁSCARAS DE RENDA: DOURADAS, PRATEADAS, COLORIDAS. UM BRILHO OFUSCANTE. ELE NÃO QUIS MASCARAR A BARBA — ACHOU QUE ESTRAGARIA O EFEITO. ENTROU NO SALÃO CERCADO DE CURIOSOS. O BRILHO DAS LANTERNAS REFLETIA EM CADA CURVA DAS MÁSCARAS E O SALÃO INTEIRO PARECIA UM CÉU ESTRELADO QUE HAVIA DESCIDO À TERRA.

A MÚSICA COMEÇOU LENTA. ELE OUVIU OS TAMBORES E OS SUSPIROS DOS QUE DANÇAVAM. E SENTIU O PESO DA BARBA — AGORA MAIS LEVE — BALANÇANDO JUNTO À MÚSICA. ALGUÉM APROXIMOU A MÃO PARA ADMIRAR: “AQUI, POR FAVOR,” DISSE TOBIAS, APONTANDO A BARBA COM ORGULHO. ABAIXARAM OS OLHOS, TOCARAM COM RESPEITO E UM SILÊNCIO TOMOU O CORREDOR.

DE UM CANTO, SURGIU ALGUÉM. BARBA BRANCA COMO NUVEM, MEDIANA. ERA UM VELHO BARDO. TOCOU FLAUTA AO LADO DELE. TOBIAS SE VIROU E, SEM PREPARO, SENTIU SEU CORPO ACOMPANHAR A MELODIA. CABEÇA ERGUIDA, BARBA BALANÇANDO. AQUILO FOI MARCA DE LIBERDADE: ALI, CONEXÕES OCULTAS BROTAVAM. A MULTIDÃO DANÇAVA, O VELHO TOCAVA, O SALSO SEGUIA. TOBIAS ENTROU, QUIETO, MOVENDO-SE DEVAGAR, COMO SE FOSSE SOMBRA DE UM ESPELHO.

AS LANTERNAS TREMULAVAM. AS PESSOAS SE APROXIMAVAM PARA CUMPRIMENTAR. ELE RESPONDIA COM PALAVRAS SIMPLES, RODEAVA AS RODAS, GIRAVA A BARBA POR ENTRE AS MÃOS DOS OUTROS. “ELA VIVE”, PENSAVAM. AO FIM DA NOITE, ALGUÉM VEIO ATÉ ELE: MESTRE HORNAS, AQUELE QUE ORGANIZAVA TUDO.

— TOBIAS, VOCÊ JÁ ESCOLHEU SUA BARBA?

— JÁ — RESPONDEU, LEVANTANDO A BARBICHA TRABALHADA.

— DESEJA COMPETIR?

— QUERO MEDIR SUA FORÇA.

— ESCOLHA SUA MELHOR FORMA — ACONSELHOU HORNAS COM FIRMEZA. — PENTEIE, USE O ESPELHO. FAÇA AGORA.

TOBIAS FECHOU OS OLHOS, SENTIU A BARBA E DISSE:

— VOU COMPETIR.

TODOS AGUARDARAM. ELE SENTOU-SE NO TRONO IMPROVISADO PARA REMOVER LASCAS E ARRUMAR DETALHES. LENTAMENTE FOI AJEITANDO O FORMATO: CAVANHAQUE CURTO, COSTELETAS TRABALHADAS, BIGODE HORIZONTAL COMO UMA ASA. PULEI AQUI, ESCOVEI ALI, MISTUREI UMA RISCA INCLINADA. O SALÃO SILENCIOU.

E ELE ERGUEU O ROSTO.

PASSARAM PELAS BARBAS MAIS CHAMATIVAS DAQUELE FESTIVAL. ALGUMAS TINHAM FIOS ROXOS, OUTRAS TRAZIAM PEDRINHAS, OUTRAS TINHAS FORMATOS DE CONSTELAÇÕES. OS COMPETIDORES DESFILARAM, DEMONSTRARAM, MODELARAM, POSTARAM-SE. MAS TOBIAS, NAQUELE INSTANTE, PARECIA TRAJAR A MELHOR BARBA QUE JÁ VIRA: NATURAL, HARMONIOSA, LEVE, MARCANTE. O TIPO DE BARBA CAPAZ DE FAZER A PESSOA RESPIRAR FUNDO E DISSER: “É ALI.”

O JÚRI SE LEVANTOU. HOUVE DELIBERAÇÃO, CONVERSA, MURMÚRIOS. RETRATOS? FOTOGRAFIAS? TALVEZ UM ESPELHO PORTÁTIL PARA DECIDIR. O SILÊNCIO SE ESTENDEU. FINALMENTE, HORNAS ERGUEU A MÃO:

— VENCEDOR DO FESTIVAL DAS BARBAS É... TOBIAS BARTHOLOMEU ROCHA!

O POVO APLAUDIU, O QUARTO SE ENCHEU. TOBIAS FOI LEVADO ATÉ O CENTRO, ONDE ESTAVA COROADO DE LOUROS — SIMBOLICAMENTE, NO FORMATO DE FIOS TRANÇADOS DE CABELO — E SENTOU-SE NO TRONO ILUMINADO POR LANTERNAS. O ESPELHO FOI TRAZIDO PARA PERTO. ELE SE VIU DE NOVO. VIU-SE VITORIOSO.

E ALI PERMANECEU POR UM INSTANTE. SEM MORAL NO FIM, PORQUE A VIDA NÃO É UM VERSO ÚNICO, E NEM A BARBA OU O ESPELHO OU O CONCURSO DEFINEM O DESTINO. FICOU ALI PORQUE ERA A SUA VEZ DE BRILHAR. DEPOIS, DEVOLVEU A BARBICHA, AS FITAS, O LOURO. CAMINHOU, OLHOU DE LONGE E VOLTOU A CAMINHAR. NÃO DISSE NADA.

NINGUÉM COBROU EXPLICAÇÕES. O POVO FOI EMBORA, O FESTIVAL TERMINOU, E TOBIAS DESAPARECEU NA ESTRADA DE VOLTA AO VILAREJO. ALGUNS DIZEM QUE ELE CHEGOU EM CASA E SE PÔS NOVAMENTE DIANTE DOS ESPELHOS, LIMPANDO AS BARBAS, SEM LIGAR AOS CONVITES E GALANTEIOS DOS ADMIRADORES QUE LHE OFERECIAM LOUROS, MEDALHAS E PEDIDOS DE SELFIES. FOSSEM PEDIDAS, FOSSEM ENVIADAS. ELE DEU DE ORELHA A BARBEARIA E CONTINUOU NO MISTÉRIO.

E DIZEM QUE AINDA HOJE PODE SER VISTO — ORA COM BARBA ROSA, ORA SEM BARBA — PLANTANDO SEMENTES NO QUINTAL, RECOLHENDO PEDRINHAS EMBAIXO DA LUA, TROCANDO FITAS E FLORES PELO CAMINHO, COMPONDO O ROSTO E O OLHAR DIANTE DOS ESPELHOS. EM CADA REFLEXO. SEM BUSCAR MORAL NO FIM, PORQUE ALI, BEM ALI NA ENCRUZILHADA ENTRE O ESPELHO E O ROSTO, ELE ENCONTROU UM ESPAÇO EM QUE SER ERA SUFICIENTE.