NO REINO DAS CONFUSÕES, TUDO ERA EXATAMENTE O OPOSTO DO QUE SE ESPERA. O SOL NASCIA AO CONTRÁRIO, PRIMEIRO SE PUNHA PARA DEPOIS APARECER TIMIDAMENTE NO HORIZONTE. AS PESSOAS ANDAVAM PARA TRÁS QUANDO QUERIAM IR PARA FRENTE, E AS CRIANÇAS CRESCIAM COMEÇANDO PELOS PÉS ATÉ QUE A CABEÇA APARECESSE POR ÚLTIMO, CHEIA DE IDEIAS CONFUSAS E ENGRAÇADAS.

NESTE REINO, CHAMADO CONFUSÓPOLIS, OS ADULTOS APRENDIAM COM AS CRIANÇAS E AS ESCOLAS ERAM CONSTRUÍDAS DE PONTA-CABEÇA. OS PROFESSORES TINHAM QUE DAR AULA DE CABEÇA PARA BAIXO, PENDURADOS EM TRAPÉZIOS, ENQUANTO OS ALUNOS FAZIAM SUAS TAREFAS COM OS PÉS. AS NOTAS IAM DE Z ATÉ A, SENDO Z A MELHOR POSSÍVEL.

OS ANIMAIS FALAVAM E OS HUMANOS LATIAM, MIAVAM OU MUGIAM QUANDO QUERIAM DIZER ALGUMA COISA. AS PLANTAS ANDAVAM PELAS RUAS E ESCOLHIAM ONDE GOSTARIAM DE FICAR SEMPRE DISCUTINDO COM AS PLACAS DE TRÂNSITO QUE, POR SUA VEZ, NÃO APONTAVAM PARA LUGAR NENHUM. AS PLACAS ERAM COMO POETAS DESORIENTADOS: "VIRE-SE PARA DENTRO" OU "A ESTRADA MAIS CURTA É A MAIS LONGA" ERAM ALGUMAS DAS MENSAGENS COMUNS.

TUDO ERA TÃO CONFUSO QUE, UM DIA, UMA MENINA CHAMADA LÚLIA RESOLVEU FAZER ALGO IMPENSÁVEL: PROCURAR POR SENTIDO. LÚLIA TINHA OS OLHOS COLORIDOS DE ARCO-ÍRIS (NO REINO DAS CONFUSÕES, OLHOS CASTANHOS ERAM RAROS DEMAIS PARA SEREM CONSIDERADOS NORMAIS) E CABELO AZUL QUE CRESCIA PARA DENTRO. SEU BICHO DE ESTIMAÇÃO ERA UM BRÓCOLIS FALANTE CHAMADO SR. RAMOS, QUE ERA MUITO CRÍTICO E ADORAVA FILOSOFAR SOBRE A VIDA.

— LÚLIA, VOCÊ É TÃO ESTRANHA QUANTO UMA SEGUNDA-FEIRA DE SORVETE QUENTE! — DISSE CERTA VEZ O SR. RAMOS.

— POR ISSO MESMO QUERO ENTENDER POR QUE TUDO É TÃO CONFUSO, SR. RAMOS. E SE HOUVESSE UMA RAZÃO POR TRÁS DE TODA ESSA CONFUSÃO?

— ORA, MINHA QUERIDA, A CONFUSÃO São A RAZÃO! — RESPONDEU O BRÓCOLIS COM AR DRAMÁTICO.

MAS LÚLIA NÃO SE DEU POR SATISFEITA. PEGOU SUA MOCHILA, ENCHEU-A COM COISAS ÚLTIS (COMO UM CHAPÉU QUE CANTAVA QUANDO CHOVIA, UM MAPA QUE NUNCA LEVAVA A LUGAR NENHUM E UM ESPELHO QUE REFLETIA O QUE VOCÊ NÃO QUERIA VER) E PARTIU RUMO AO CASTELO DA RAINHA IMPREVISTA.

A RAINHA IMPREVISTA ERA FAMOSA POR MUDAR DE HUMOR A CADA TRÊS MINUTOS E POR REINAR SENTADA EM UMA NUVEM. SEU CASTELO FLUTUAVA, ORA SUBIA, ORA DESCIA, E DE VEZ EM QUANDO DESAPARECIA POR COMPLETO. PARA CHEGAR ATÉ ELE, ERA PRECISO SEGUIR AS PEGADAS DE UM POMBO DESMEMORIADO CHAMADO GERVÁSIO.

GERVÁSIO APARECIA TODA VEZ QUE ESQUECIA ONDE ESTAVA, O QUE SIGNIFICAVA QUE ELE ESTAVA SEMPRE POR PERTO.

— GERVÁSIO! PRECISO ENCONTRAR A RAINHA IMPREVISTA!

— QUEM? AH, SIM! ELA ESTAVA NA DIREÇÃO OPOSTA DA DIREÇÃO CERTA! — DISSE O POMBO COM AR PROFESSORAL.

— PERFEITO! É SÓ SEGUIR O CAMINHO QUE NÃO LEVA ATÉ LÁ!

LÚLIA CAMINHOU, OU MELHOR, ROLOU (PORQUE NAQUELE DIA, AS PERNAS ERAM USADAS COMO BRAÇOS E OS BRACOS COMO PERNAS), ATÉ ENCONTRAR A NUVEM-CASTELO DA RAINHA. TOCOU A CAMPAINHA QUE TOCAVA PARA DENTRO DOS SEUS PRÓPRIOS OUVIDOS E ESPEROU.

A RAINHA APARECEU VESTINDO UM VESTIDO FEITO DE SORRISOS E UM CHAPÉU QUE TROCAVA DE FORMA CONFORME O HUMOR DO DIA. — QUEM OUSA INCOMODAR MINHA INSTABILIDADE?

— EU SOU LÚLIA. VIM PROCURAR SENTIDO.

A RAINHA GARGALHOU TÃO ALTO QUE CHOVEU PARA CIMA.

— SENTIDO? AQUI? QUE IDEIA... DELICIOSA! ENTÃO VOCÊ É UMA BUSCADORA!

— SOU. E QUERO SABER: POR QUE TUDO É TÃO... TROCADO?

A RAINHA A OLHOU COM OLHOS QUE VIRAVAM CALEIDOSCÓPIOS.

— PORQUE UM DIA, HÁ MUITO TEMPO, TUDO ERA NORMAL. TÃO NORMAL QUE AS PESSOAS ESQUECERAM COMO ERA IMAGINAR. NÓS, OS PRIMEIROS CONFUSOS, MUDAMOS TUDO PARA LEMBRAR ÀS PESSOAS QUE A LÓGICA SEM POESIA É COMO UM SAPATO SEM SOLA: NÃO LEVA A LUGAR NENHUM.

LÚLIA PENSOU POR UM INSTANTE. E CHOROU. MAS COMO TUDO ALI ERA INVERTIDO, O CHORO ERA UMA FORMA DE ALEGRIA PROFUNDA.

— ENTÃO A CONFUSÃO É UMA ESCOLHA?

— É UM LEMBRETE. DE QUE A ORDEM ÀS VEZES ENGESSA A BELEZA. MAS CUIDADO: ATÉ A CONFUSÃO, QUANDO OBRIGATÓRIA, PODE SE TORNAR TIRANA.

LÚLIA VOLTOU PARA CASA COM UM NOVO OLHAR. DECIDIU CRIAR UMA ESCOLA ONDE AS COISAS FOSSEM MEIO LÓGICAS, MEIO MALUCAS. ONDE SE APRENDIA A TABUADA CANTANDO RAP E A HISTÓRIA ERA CONTADA DE TRÁS PARA FRENTE PARA ENTENDER O FUTURO.

LOGO, A ESCOLA DA LÚLIA SE TORNOU FAMOSA EM TODO O REINO. CRIANÇAS E ADULTOS QUERIAM ESTUDAR ALI. AS AULAS ERAM CHEIAS DE JOGOS, DANÇAS, PERGUNTAS SEM RESPOSTAS E RESPOSTAS QUE GERAVAM NOVAS PERGUNTAS. UM DIA, A PRÓPRIA RAINHA IMPREVISTA RESOLVEU VISITAR.

ELA CHEGOU VOANDO EM UM GUARDA-CHUVA QUE FUNGAVA DE EMOÇÃO. QUANDO ENTROU NA SALA DE AULA, VIU UMA CRIANÇA ENSINANDO FILOSOFIA A UM GRUPO DE POLVOS. EM OUTRA SALA, UM DRAGÃO APRENDIA A ESCREVER POESIA COM UMA BORBOLETA CHAMADA PENÉLOPE.

— LÚLIA, VOCÊ CRIOU UM LUGAR ONDE A CONFUSÃO E O SENTIDO CONVIVEM COMO IRMÃOS TRAVESSOS. ESTOU IMPRESSIONADA!

LÚLIA SORRIU E RESPONDEU:

— ACHO QUE FINALMENTE ENCONTREI O QUE PROCURAVA. NÃO ERA UM SENTIDO ÚNICO, MAS A LIBERDADE DE DESCOBRIR MUITOS SENTIDOS.

DESDE ENTÃO, O REINO DAS CONFUSÕES PASSOU A SER CONHECIDO COMO O REINO DAS POSSIBILIDADES. PORQUE LÁ, TUDO AINDA ERA DO AVESSO, MAS AGORA, CADA UM PODIA ESCOLHER COMO QUERIA VIRAR SEU MUNDO.