ERA UMA SEGUNDA-FEIRA COMUM. O SOL NASCEU ATRASADO, IGUAL AO MEU DESPERTADOR. ESCOVEI OS DENTES COM OS OLHOS FECHADOS E FUI ATÉ A COZINHA COMO UMA ZUMBI EM BUSCA DE CAFÉ DA MANHÃ. MAS O QUE ENCONTREI FOI O INÍCIO DA MAIOR AVENTURA DA MINHA VIDA.

MINHA MÃE, REGINA APARECIDA DAS GRAÇAS MONTEIRO, ESTAVA SENTADA NO SOFÁ COM UM ROUPÃO ROSA CHOQUE, CHINELOS DE COELHO E UMA XÍCARA DE CAFÉ. SORRIA COMO QUEM GANHOU NA LOTERIA.

— BOM DIA, MINHA PEQUENA TEMPESTADE! — ELA DISSE, COM UM BRILHO NOS OLHOS QUE NORMALMENTE SÓ APARECIA DEPOIS DE UM BOLO DE CHOCOLATE PRONTO.

— BOM DIA... VOCÊ ESTÁ DOENTE? — PERGUNTEI, PREOCUPADA. MINHA MÃE NUNCA SE SENTAVA ANTES DAS SETE DA NOITE, NEM SORRIA ANTES DO SEGUNDO CAFÉ.

— NADA DISSO! EU TIREI FOLGA!

A PALAVRA ECOOU PELA CASA COMO UM TROVÃO EM DIA DE SOL. FOLGA. REGINA. FOLGA? ALGUMA COISA ESTAVA MUITO ERRADA OU MUITO CERTA.

— FOLGA DO QUÊ? DO EMPREGO?

— NÃO, MINHA FILHA. FOLGA DA MATERNIDADE. HOJE EU NÃO SOU SUA MÃE.

FIQUEI ENCARANDO-A COMO QUEM OUVE UM GATO FALANDO FRANCÊS. ELA SORRIU AINDA MAIS E PEGOU UM CONTROLE REMOTO.

— HOJE VOCÊ SE VIRA. É SÓ UM DIA. VAI SER DIVERTIDO. COMO VOCÊ MESMA DIZ, "SOU QUASE ADULTA". APROVEITA PARA MOSTRAR ESSE QUASE.

E FOI ASSIM QUE TUDO COMEÇOU. MINHA MÃE VIROU TURISTA NA PRÓPRIA CASA. ASSINOU O "CONTRATO DE FOLGA" COM BATOM VERMELHO, PEGOU UMA BOLSA CHEIA DE LIVROS, ESMALTES, LIXAS DE UNHA, CHOCOLATE E UM APITO (SIM, UM APITO!) E SUBIU PARA O QUARTO. NA PORTA, PENDUROU UMA PLAQUINHA: "NÃO INCOMODE. MÃE DE FOLGA."

EU FIQUEI ALI, DE PIJAMA, COM UMA FATIA DE PÃO VOANDO DA TORRADEIRA, TENTANDO ENTENDER COMO SE VIVE SEM MÃE POR 24 HORAS.

PRIMEIRA LIÇÃO: TORRADA QUEIMA MAIS RÁPIDO QUANDO NÃO TEM NINGUÉM VIGIANDO.

SEGUNDA LIÇÃO: O CACHORRO, BOLOTA, ACHA QUE VOCÊ AGORA É O NOVO CHEFE DA MATILHA. ENTÃO ELE DECIDE QUE É UMA BOA IDEIA CORRER COM O MEU CHINELO PELA CASA, FAZENDO UM CARNAVAL DE BABA E PÊLO.

TERCEIRA LIÇÃO: NUNCA CONFIE EM UM MICRO-ONDAS COM RAIVA.

EU TENTEI ORGANIZAR MEU DIA COMO UMA ADULTA. FIZ UMA LISTA. LISTAS SEMPRE FUNCIONAM. A MINHA DIZIA:

1. ALIMENTAR BOLOTA
2. LAVAR LOUÇA
3. TOMAR BANHO
4. IR PARA A ESCOLA
5. SOBREVIVER

NÃO FIZ NADA NA ORDEM. BOLOTA COMEU MINHA MEIA ANTES DA RÁFIA DELE, A LOUÇA VIROU ESCULTURA MODERNA, O BANHO DUROU TRÊS MINUTOS PORQUE O CHUVEIRO RESOLVEU CUSPIR GELO, E CHEGUEI NA ESCOLA ATRASADA, COM PÃO QUEIMADO GRUDADO NA MOCHILA.

NA ESCOLA, CONTEI PRAS MINHAS AMIGAS. A ISA DISSE QUE MINHA MÃE ERA GÊNIA. A BIA FALOU QUE IA PEDIR PARA A MÃE DELA FAZER O MESMO, E A LILA TENTOU ME VENDER UM PLANO DE SOBREVIVÊNCIA: "POR TRÊS REAIS, EU TE DOU MEU IRMÃO EMPRESTADO POR UMA HORA. ELE COZINHA."

PASSEI O DIA TENTANDO IMAGINAR O QUE MINHA MÃE ESTAVA FAZENDO. IMAGINAVA ELA DE FONE DE OUVIDO, DANÇANDO SOZINHA NO QUARTO. OU TALVEZ TESTANDO TODAS AS COMBINAÇÕES DE ESMALTE DA CASA. OU DORMINDO NO MEIO DO DIA COMO UM GATO PREGUIÇOSO. O QUE EU NÃO IMAGINAVA ERA QUE ELA ESTAVA ME OBSERVANDO.

SIM. CÂMERAS. MINHA MÃE INSTALOU CÂMERAS FALSAS EM LUGARES ESTRATÉGICOS COM PLAQUINHAS ESCRITAS “VOCÊ ESTÁ SENDO JULGADA PELO DEUS DA FOLGA”. PSICOLOGIA REVERSA. E FUNCIONOU.

CHEGUEI EM CASA COM A SENSAÇÃO DE QUE CADA PASSO MEU ERA UMA AUDIÇÃO PARA O PAPEL DE "FILHA CAPAZ". FIZ O LANCHE DA TARDE (CEREAL COM LEITE, UM CLÁSSICO), FIZ A LIÇÃO DE CASA COM BOLOTA DEITADO NA CABEÇA (LONGA HISTÓRIA) E COMECEI A PREPARAR O JANTAR.

— HOJE VAMOS COMER... MACARRÃO! — GRITEI, COMO SE FOSSE UM PRATO INÉDITO.

A COZINHA VIROU UM CAMPO DE BATALHA. O MACARRÃO SE REBELOU, A PANELA TENTOU FUGIR DO FOGÃO E O QUEIJO RALADO CAIU DENTRO DA TORRADEIRA. MAS, NO FIM, HAVIA COMIDA. OU ALGO PARECIDO. BOLOTA COMEU FELIZ.

DE REPENTE, A PORTA DO QUARTO DA MINHA MÃE SE ABRIU. ELA SURGIU COM O AR DE UMA RAINHA DESCANSADA. AS UNHAS ESTAVAM COLORIDAS, O CABELO CHEIRAVA A MANGA E ELA SORRIA COMO SE TIVESSE ACABADO DE VOLTAR DAS MALDIVAS.

— E ENTÃO? SOBREVIVEU? — ELA PERGUNTOU.

— SOBREVIVI. MAS A TORRADEIRA, NÃO.

ELA RIU E ME PUXOU PARA UM ABRAÇO. E EU PERCEBI QUE, MESMO COM APITOS E ROUPÕES E CHOCOLATE ESCONDIDO, ELA AINDA ERA MINHA MÃE. MESMO DE FOLGA.

NO DIA SEGUINTE, TUDO VOLTOU AO NORMAL. QUASE. PORQUE AGORA ELA DIZIA COISAS COMO:

— LEMBRA DAQUELE DIA QUE EU TIREI FOLGA? POIS É... ACHO QUE VOU MARCAR OUTRO!

E EU RESPONDIA:

— TUDO BEM, MAS DESSA VEZ, DEIXA UM TUTORIAL.

DESDE ENTÃO, "FOLGA DA MATERNIDADE" VIROU UMA TRADIÇÃO ANUAL LÁ EM CASA. E CADA VEZ MAIS MALUCA. TEVE O ANO DO SPA DE PAPEL ALUMÍNIO, O ANO DO ACAMPAMENTO NA SALA, O ANO DO SILÊNCIO ABSOLUTO (NÃO DUROU MEIA HORA). MAS NENHUMA FOI TÃO SURPREENDENTE QUANTO A PRIMEIRA.

AFINAL, NINGUÉM NUNCA ESQUECE O DIA EM QUE SUA MÃE TIROU FOLGA.