O CÉU DAQUELA TERÇA-FEIRA PARECIA MAIS AZUL DO QUE DE COSTUME. DONA NAIR, A VIZINHA DO 32, DISSE QUE ERA POR CAUSA DA BAIXA UMIDADE DO AR. MAS EU TINHA QUASE CERTEZA DE QUE ERA OUTRA COISA. TALVEZ FOSSE POR CAUSA DELE. O MARCIANO.

TUDO COMEÇOU ÀS 14H17, HORÁRIO EM QUE MEU RELÓGIO DIGITAL, PRESENTE DO MEU PAI NO NATAL PASSADO, PISCOU TRÊS VEZES ANTES DE CONGELAR. EU ESTAVA NA CALÇADA, TENTANDO FAZER O SPINNER VOAR COMO NO VÍDEO DO YOUTUBE, QUANDO OUVI UM BARULHO SECO, COMO DE PIPOCA ESTOURANDO. VIREI PARA O TERRENO BALDIO AO LADO DO MERCADINHO DO SR. PEDRO E VI UMA LUZ VERDE SAINDO DE DENTRO DO MATAGAL.

FUI O PRIMEIRO A CHEGAR. CLARO QUE FUI. NÃO TINHA MAIS NINGUÉM NA RUA A ESSA HORA, EXCETO O JOAQUIM, O CACHORRO DE TRÊS PATAS DA DONA SÍLVIA, QUE DORMIA ENROSCADO PERTO DO PORTÃO DELA. ENTREI NO TERRENO SEM PENSAR, O CORAÇÃO BATENDO FEITO TAMBOR DE ESCOLA DE SAMBA. NO MEIO DO CAPIM ALTO E DAS LATAS VELHAS, VI UMA COISA QUE NÃO COMBINAVA COM O RESTO. PARECIA UMA CÁPSULA, MEIO OVAL, COM LUZES PISCANDO, E CHEIRAVA A FERRUGEM E LIMÃO.

E ENTÃO ELE SAIU.

TINHA OLHOS GRANDES, SEM PÁLPEBRAS, E A PELE ERA AZUL-CLARA, COMO A DAQUELAS PASTILHAS DE MENTA. TINHA TRÊS DEDOS EM CADA MÃO E USAVA UMA ROUPA QUE PARECIA FEITA DE PAPEL ALUMÍNIO. ELE OLHOU PARA MIM E FEZ UM SOM ESTRANHO, ALGO ENTRE UM ESPIRRO E UM APITO. NÃO CORRI. FIQUEI PARADO, PORQUE ALGUMA COISA ME DIZIA QUE ELE NÃO ERA PERIGOSO.

— OI — EU DISSE. — VOCÊ É DE MARTE?

ELE INCLINOU A CABEÇA E ESTICOU A MÃO DE TRÊS DEDOS. TOQUEI NELA. ERA FRIA E MACIA, COMO GELATINA ESQUECIDA NA GELADEIRA. SORRI. ELE TAMBÉM SORRIU, ACHO. SUA BOCA SE CURVOU PARA OS LADOS, O QUE ME PARECEU UM BOM SINAL.

LEVEI-O PARA MINHA CASA, ESCONDIDO SOB MEU COBERTOR DE DINOSSAUROS. MINHA MÃE ESTAVA NA COZINHA, DISCUTINDO COM O TÉCNICO DA GELADEIRA AO TELEFONE, ENTÃO PASSEI DIRETO PARA O MEU QUARTO. LÁ, SENTEI O MARCIANO NA CAMA E COMECEI A FAZER PERGUNTAS. ELE NÃO FALAVA, MAS ENTENDIA TUDO. PEGAVA OS BRINQUEDOS E APONTAVA, COMO SE QUISESSE SABER O NOME. EU DIZIA:

— ISSO É UM CARRINHO. ISSO É UM ROBÔ. ISSO É UM BONECO DO ULTRAMAN.

ELE APRENDIA RÁPIDO. EM POUCOS MINUTOS, COMEÇOU A REPETIR AS PALAVRAS, COM UMA VOZ QUE PARECIA UM RÁDIO MAL SINTONIZADO.

— RÔ-BÔ. CAR-RIN-HO. UL-TRA-MÃN.

NO FIM DA TARDE, DEI UM MIOJO PARA ELE, E ELE COMEU COMO SE FOSSE O PRATO MAIS INCRÍVEL DO UNIVERSO. DEPOIS, QUIS VER TELEVISÃO. COLOQUEI EM UM CANAL DE DESENHOS E ELE RIU ALTO COM AS CARETAS DO PICA-PAU. EU RIA TAMBÉM, MAS RIA DELE, DA MANEIRA COMO ELE RIA.

À NOITE, ESCONDI-O NO ARMÁRIO QUANDO MEU PAI CHEGOU. ELE FICOU QUIETINHO, SÓ COM OS OLHOS BRILHANDO NO ESCURO. EU DISSE QUE IA PROTEGÊ-LO, QUE ELE PODIA FICAR ALI ATÉ CONSERTAR A NAVE.

NOS DIAS SEGUINTES, A VIDA FICOU DIFERENTE. O MARCIANO, QUE EU CHAMEI DE BLU, SAÍA COMIGO PELAS RUAS ESCONDIDO SOB UM PONCHO ANTIGO DA MINHA AVÓ. DISSE A TODOS QUE ERA MEU PRIMO DO INTERIOR QUE NÃO GOSTAVA DE FALAR. AS PESSOAS ACHAVAM ESTRANHO, MAS ACEITAVAM. ATÉ DONA NAIR, QUE SABIA DA VIDA DE TODO MUNDO, NÃO FEZ MUITAS PERGUNTAS.

BLU ME ENSINOU UM JOGO QUE FAZIA COM PEDRAS. ERA COMO DAMA, MAS OS MOVIMENTOS DEPENDIAM DO ÂNGULO DO SOL. ME ENSINOU TAMBÉM A OUVIR AS PLANTAS. SEGUNDO ELE, TODAS ELAS FALAVAM, SÓ QUE EM UM IDIOMA MUITO LENTO. PASSAMOS TARDES INTEIRAS NO QUINTAL OUVINDO O FEIJÃO RASTEIRO CONTAR HISTÓRIAS DA ÉPOCA DA SECA.

COMECEI A REPARAR QUE BLU TAMBÉM FAZIA COISAS... DIFERENTES. UM DIA, CAIU DA BICICLETA E RALOU O JOELHO. FECHOU OS OLHOS, PÔS A MÃO SOBRE O FERIMENTO E, SEGUNDOS DEPOIS, A PELE ESTAVA LISA DE NOVO. OUTRA VEZ, FEZ A TELEVISÃO FUNCIONAR MESMO DURANTE O APAGÃO. BASTAVA ELE ENCOSTAR NO APARELHO.

AS COISAS COMEÇARAM A SAIR DO CONTROLE QUANDO O JOAQUIM, O CACHORRO DA DONA SÍLVIA, DESAPARECEU. BLU TINHA IDO ATÉ O TERRENO BALDIO SOZINHO NAQUELA MANHÃ. VOLTOU ASSUSTADO E ME DISSE, COM SUA VOZ DE ESTÁTICA:

— CÃO TRÊS PATAS... SUMIU.

FOMOS PROCURÁ-LO, MAS NÃO HAVIA RASTROS. SÓ UMA MARCA OVAL NO CHÃO, COMO A DA CÁPSULA. ALGO TINHA CHEGADO, OU SAÍDO DALI. BLU FICOU QUIETO O RESTO DO DIA.

NAQUELA NOITE, TEVE TEMPESTADE. DA JANELA, VI RELÂMPAGOS VERDES CORTANDO O CÉU. BLU FICOU INQUIETO, ANDANDO DE UM LADO PRO OUTRO. DISSE QUE ELES ESTAVAM CHEGANDO. OS OUTROS. AQUELES QUE NÃO ENTENDIAM OS HUMANOS COMO ELE ENTENDIA. DISSE QUE ERA MELHOR SE ESCONDERMOS.

MAS JÁ ERA TARDE. O CÉU FICOU LILÁS E UMA LUZ ENORME DESCEU SOBRE O BAIRRO. NINGUÉM VIU. OU SE VIRAM, ESQUECERAM DEPOIS. SÓ EU E BLU LEMBRAMOS. UMA NAVE DESCEU, SEM FAZER BARULHO, E TRÊS FIGURAS SAÍRAM DELA. TINHAM FORMAS PARECIDAS COM A DE BLU, MAS SEUS OLHOS ERAM NEGROS COMO CARVÃO.

ELES NÃO FALARAM. APENAS OLHARAM PARA ELE, DEPOIS PARA MIM. UM DELES APONTOU UM TUBO PRATEADO, E BLU FOI ENVOLVIDO POR UMA BOLHA DE LUZ. ANTES DE SUMIR, GRITOU COM A VOZ QUE EU AGORA ENTENDIA COMPLETAMENTE:

— EU VOLTO. VOCÊ É MEU AMIGO.

DEPOIS DISSO, A LUZ SUMIU. O CÉU VOLTOU AO NORMAL. A TEMPESTADE ACABOU. NO DIA SEGUINTE, O JOAQUIM ESTAVA DE VOLTA, DORMINDO NO MESMO LUGAR. MEU RELÓGIO DIGITAL VOLTOU A FUNCIONAR, AGORA COM UMA NOVA FUNÇÃO QUE MOSTRAVA AS FASES DA LUA. E NINGUÉM MAIS SE LEMBRAVA DO QUE TINHA ACONTECIDO.

NINGUÉM, EXCETO EU.

ÀS VEZES, À NOITE, ESCUTO UM APITO FINO VINDO DO TERRENO BALDIO. SAIO DE FININHO, COM MEU COBERTOR DE DINOSSAUROS NOS OMBROS, E FICO ESPERANDO. SEI QUE ELE VAI VOLTAR. AFINAL, ELE DISSE.

E MARCIANOS, EU APRENDI, NÃO MENTEM.