NA BEIRA DA CIDADE DE PEDRA CLARA, ONDE AS CASAS ERAM FEITAS DE MADEIRA ANTIGA E O VENTO CANTAVA NAS ÁRVORES, HAVIA UMA FLORESTA ESPESSA E PROFUNDA QUE TODOS TEMIAM ATRAVESSAR À NOITE. OS MAIS VELHOS DIZIAM QUE ALI MORAVA UMA FIGURA ENCANTADORA E TERRÍVEL: A DAMA DO PÉ DE VACA.

ELA ERA UMA MULHER DE BELEZA INCOMPARÁVEL, COM CABELOS NEGROS COMO A NOITE E OLHOS BRILHANTES COMO ESTRELAS. SEMPRE VESTIA UM LONGO VESTIDO AZUL QUE ARRASTAVA PELO CHÃO E USAVA UM CHAPÉU ELEGANTE, ENFEITADO COM PENAS. ELA APARECIA NAS TRILHAS DA FLORESTA, NA BEIRA DO RIO, OU MESMO PERTO DAS ESTRADAS POEIRENTAS, ESPECIALMENTE QUANDO O CÉU ESTAVA NUBLADO E A LUA SE ESCONDIA.

MAS HAVIA UM DETALHE QUE POUCOS CONHECIAM, E QUE FAZIA COM QUE ATÉ OS MAIS DESTEMIDOS PREFERISSEM NEM FALAR DELA: A DAMA ESCONDIA UM SEGREDO TERRÍVEL.

UM DOS SEUS PÉS… ERA DE VACA!

SIM, UM CASCO GRANDE E FENDIDO, ESCONDIDO PELO VESTIDO. QUEM TIVESSE OLHOS ATENTOS E CORAGEM O BASTANTE PODERIA NOTAR QUE, AO ANDAR, ELA DEIXAVA PEGADAS ESQUISITAS NA TERRA MACIA DA FLORESTA: DE UM LADO, A MARCA DELICADA DE UM SAPATO DE SALTO; DO OUTRO, A IMPRESSÃO INCONFUNDÍVEL DE UM CASCO BOVINO.

NAQUELA CIDADE VIVIA UM MENINO CHAMADO JOÃO PEDRO, DE DOZE ANOS. JOÃO ERA CONHECIDO POR SER DESOBEDIENTE, CURIOSO DEMAIS E… UM POUCO TEIMOSO. NÃO RESPEITAVA AS ORDENS DA MÃE, MUITO MENOS OS CONSELHOS DO AVÔ, UM HOMEM DE VOZ GROSSA E OLHAR SÁBIO QUE SEMPRE LHE DIZIA:

— JOÃO, NÃO SAIA SOZINHO À NOITE. E, PELO AMOR DE DEUS, RESPEITE OS MAIS VELHOS, PRINCIPALMENTE OS MAIS ANTIGOS DESTA TERRA. EXISTEM COISAS NESTE MUNDO QUE NÃO SÃO PARA BRINCAR.

MAS JOÃO, COMO MUITOS MENINOS CURIOSOS, NÃO ACREDITAVA EM LENDAS E MUITO MENOS EM HISTÓRIAS DE FANTASMAS.

— ISSO É SÓ COISA DE VELHO QUERENDO ASSUSTAR CRIANÇA! — DIZIA, RINDO, ENQUANTO CORRIA PELA RUA, EMPINANDO PIPA OU ROUBANDO GOIABAS DO QUINTAL DO VIZINHO.

O TEMPO PASSOU E A DESOBEDIÊNCIA DE JOÃO SÓ AUMENTAVA.

NUMA NOITE ESCURA, QUANDO AS CIGARRAS JÁ TINHAM SE CALADO E A LUA PARECIA TER DESAPARECIDO DO CÉU, JOÃO RESOLVEU SAIR SOZINHO. A MÃE HAVIA AVISADO:

— NÃO VÁ! É PERIGOSO!

MAS ELE IGNOROU.

SAIU PELA PORTA DOS FUNDOS, LEVANDO UMA LANTERNA VELHA, E SEGUIU PELA ESTRADA QUE LEVAVA À FLORESTA. QUERIA PROVAR A SI MESMO — E A TODOS — QUE ERA CORAJOSO, E QUE AQUELA HISTÓRIA DA DAMA DO PÉ DE VACA NÃO PASSAVA DE UMA BOBAGEM.

— APOSTO QUE NEM EXISTE! — MURMURAVA, CHUTANDO AS PEDRAS DO CAMINHO.

O VENTO ASSOBIAVA ENTRE AS FOLHAS, FAZENDO COM QUE AS SOMBRAS DANÇASSEM NA TRILHA. JOÃO SEGUIA EM FRENTE, FIRME, EMBORA SEU CORAÇÃO COMEÇASSE A BATER MAIS RÁPIDO.

E ENTÃO… ELE A VIU.

NO MEIO DA TRILHA, SOB UM ARCO FORMADO PELOS GALHOS DAS ÁRVORES, ESTAVA ELA: UMA MULHER BELÍSSIMA, COM UM VESTIDO AZUL QUE RELUZIA MESMO NA POUCA LUZ, E UM CHAPÉU ENFEITADO QUE BALANÇAVA SUAVEMENTE COM A BRISA.

JOÃO FICOU PARALISADO.

A MULHER O OLHOU, SORRIU COM DOÇURA, E FEZ UM GESTO COM A MÃO, COMO QUEM O CONVIDA A SE APROXIMAR.

— VENHA… — DISSE, COM UMA VOZ MELODIOSA, QUASE HIPNÓTICA.

JOÃO, COMO QUE ENFEITIÇADO, DEU UM PASSO À FRENTE. DEPOIS OUTRO. E MAIS OUTRO…

QUANDO PERCEBEU, JÁ ESTAVA SEGUINDO A MULHER FLORESTA ADENTRO, CADA VEZ MAIS LONGE DA TRILHA, CADA VEZ MAIS LONGE DAS LUZES DA CIDADE.

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A MULHER ANDAVA GRACIOSAMENTE, O VESTIDO ESVOAÇANDO ENTRE AS FOLHAS E FLORES DO MATO. JOÃO TENTAVA ACOMPANHÁ-LA, MAS A CADA PASSO SENTIA-SE MAIS PERDIDO.

E ENTÃO, NOTOU ALGO ESTRANHO.

NA TERRA ÚMIDA DO CHÃO, AO LADO DAS PEGADAS DELICADAS DE SAPATO, HAVIA MARCAS PROFUNDAS, COMO… CASCOS!

O CORAÇÃO DE JOÃO GELOU.

LEMBROU-SE, ENTÃO, DAS PALAVRAS DO AVÔ: “ELA ENCANTA COM SUA BELEZA… MAS QUEM A SEGUE, SE PERDE PARA SEMPRE NA FLORESTA!”

— NÃO… NÃO PODE SER! — DISSE, RECUANDO UM PASSO.

MAS ERA TARDE DEMAIS.

A MULHER VIROU-SE LENTAMENTE PARA ELE, E PELA PRIMEIRA VEZ JOÃO VIU SEU ROSTO DE PERTO. ERA MESMO LINDA, COM PELE CLARA E OLHOS BRILHANTES… MAS HAVIA ALGO DE ERRADO. O SORRISO ERA LARGO DEMAIS, E OS OLHOS PARECIAM NÃO PISCAR NUNCA.

ENTÃO, NUM MOVIMENTO RÁPIDO, A DAMA ERGUEU UM POUCO O VESTIDO, REVELANDO O TERRÍVEL SEGREDO: O PÉ DE VACA!

JOÃO GRITOU E CORREU, SEM SABER PARA ONDE.

A FLORESTA PARECIA FECHÁ-LO POR TODOS OS LADOS. AS ÁRVORES ERAM TODAS IGUAIS, AS TRILHAS DESAPARECIAM, E A RISADA SUAVE DA DAMA ECOAVA POR ENTRE OS GALHOS:

— NÃO ADIANTA CORRER… QUEM ME SEGUE, NUNCA MAIS ENCONTRA O CAMINHO DE VOLTA…

JOÃO CORREU ATÉ FICAR SEM FÔLEGO, TROPEÇANDO EM RAÍZES E GALHOS. A LANTERNA CAIU DA SUA MÃO E QUEBROU-SE, APAGANDO A ÚNICA LUZ QUE AINDA TINHA.

AGORA, TUDO ERA ESCURIDÃO.

ELE SE ENCOLHEU ATRÁS DE UMA ÁRVORE, RESPIRANDO OFEGANTE, OS OLHOS ARREGALADOS, OUVINDO APENAS O SOM DO PRÓPRIO CORAÇÃO. MAS ENTÃO… SILÊNCIO.

A DAMA SUMIRA.

POR UM INSTANTE, JOÃO ACHOU QUE ESTAVA SALVO. LEVANTOU-SE DEVAGAR, TENTANDO SE ORIENTAR.

MAS… QUAL CAMINHO SEGUIR?

AS TRILHAS HAVIAM DESAPARECIDO E ELE NÃO FAZIA IDEIA DE ONDE ESTAVA. SENTIU O MEDO TOMAR CONTA DE SEU PEITO E, PELA PRIMEIRA VEZ, ARREPENDEU-SE PROFUNDAMENTE DE NÃO TER OBEDECIDO À MÃE E AO AVÔ.

— POR FAVOR… QUERO IR PRA CASA… — SUSSURROU, COM OS OLHOS MAREJADOS.

DE REPENTE, UMA MÃO TOCOU SEU OMBRO.

JOÃO GELOU, MAS AO VIRAR-SE VIU… O AVÔ!

SIM, ALI ESTAVA O VELHO ANTÔNIO, COM SUA LANTERNA FORTE E SEU CHAPÉU SURRADO.

— VOVÔ?! COMO… COMO O SENHOR ME ACHOU?!

O AVÔ SORRIU, MAS COM UM OLHAR SÉRIO.

— NUNCA SUBESTIME A FLORESTA, MEU NETO… NEM AS HISTÓRIAS ANTIGAS. EU CONHEÇO ESSES CAMINHOS COMO A PALMA DA MINHA MÃO. E QUANDO VI QUE VOCÊ NÃO ESTAVA EM CASA, SOUBE QUE PODERIA ESTAR AQUI… ATRÁS DA DAMA DO PÉ DE VACA.

JOÃO ABRAÇOU O AVÔ COM FORÇA, ALIVIADO.

— EU… EU JURO QUE NUNCA MAIS VOU DESOBEDECER! EU VI ELA, VOVÔ… EU VI!

O AVÔ FEZ UM GESTO, PEDINDO SILÊNCIO.

— EU SEI, MEU FILHO. ELA SÓ APARECE PARA QUEM NÃO RESPEITA OS MAIS VELHOS… OU ANDA SOZINHO À NOITE. AGORA VENHA, VAMOS SAIR DAQUI ANTES QUE ELA VOLTE.

E ASSIM, GUIADO PELO AVÔ, JOÃO CONSEGUIU VOLTAR PARA CASA SÃO E SALVO.

NA MANHÃ SEGUINTE, AO CONTAR TUDO À MÃE, ELA O ABRAÇOU E DISSE:

— EU SEMPRE TE AVISEI… A FLORESTA É CHEIA DE MISTÉRIOS. E A DAMA DO PÉ DE VACA É UM DELES.

JOÃO APRENDEU A LIÇÃO.

NUNCA MAIS SAIU SOZINHO À NOITE, E PASSOU A RESPEITAR OS MAIS VELHOS, ESPECIALMENTE O AVÔ, QUE SABIA MAIS DO MUNDO DO QUE ELE JAMAIS IMAGINARA.

MAS A LENDA DA DAMA DO PÉ DE VACA CONTINUOU VIVA, SENDO CONTADA EM VOLTA DAS FOGUEIRAS, NAS ESCOLAS, NAS PRAÇAS, SEMPRE COM UM AVISO IMPORTANTE:

— CUIDADO COM QUEM NÃO RESPEITA OS MAIS VELHOS… E NUNCA ANDE SOZINHO PELA FLORESTA À NOITE. ELA PODE APARECER… LINDA E SORRIDENTE… MAS LEMBRE-SE: UM DE SEUS PÉS É DE VACA… E QUEM A SEGUE… SE PERDE PARA SEMPRE!

ALGUNS DIZEM QUE ELA AINDA ANDA PELAS TRILHAS DE PEDRA CLARA, COM SEU VESTIDO LONGO E CHAPÉU ELEGANTE, ESPERANDO O PRÓXIMO DESOBEDIENTE PARA ENFEITIÇAR.