HÁ MUITO, MUITO TEMPO, QUANDO O MUNDO AINDA ERA JOVEM E AS MONTANHAS PARECIAM ADORMECIDAS, TODOS OS ANIMAIS VIVIAM EM PERFEITA HARMONIA. AS FLORESTAS ERAM DENSAS E CHEIAS DE FOLHAS VERDES, OS RIOS CORRIAM CANTANDO MELODIAS CRISTALINAS, E O CÉU SE ESTENDIA, AZUL E PROFUNDO, SOBRETUDO.

MAS, DE VEZ EM QUANDO, A TERRA FICAVA TRISTE.

NINGUÉM SABIA BEM O MOTIVO, MAS ERA FÁCIL PERCEBER. AS ÁRVORES DEIXAVAM CAIR SUAS FOLHAS ANTES DO TEMPO, O CANTO DOS PÁSSAROS FICAVA SILENCIOSO, E ATÉ AS BORBOLETAS VOAVAM MAIS DEVAGAR, COMO SE CARREGASSEM O PESO DA TRISTEZA DA TERRA EM SUAS ASAS DELICADAS.

OS ANIMAIS COMEÇARAM A SE PERGUNTAR: “POR QUE A TERRA FICA ASSIM? O QUE PODEMOS FAZER PARA ALEGRÁ-LA?”

E ESSA PERGUNTA CORREU DE BOCA EM BOCA, DE TOCA EM TOCA, ATÉ CHEGAR AO CRIADOR.

O CRIADOR, UM SER INVISÍVEL QUE HABITAVA EM CADA PEDRA, EM CADA GOTA DE ÁGUA, E EM CADA SOPRO DE VENTO, OUVIU A PREOCUPAÇÃO DOS ANIMAIS. ENTÃO, NUMA MANHÃ DE NEBLINA DOURADA, ELE REUNIU TODOS NO GRANDE CAMPO SOB A MONTANHA MAIS ALTA.

OS ELEFANTES VIERAM PESADAMENTE, OS CERVOS GALOPARAM LEVES COMO O VENTO, OS PÁSSAROS SE EMPOLEIRARAM NAS ÁRVORES AO REDOR, E ATÉ OS PEIXES SALTARAM À SUPERFÍCIE DOS LAGOS PRÓXIMOS PARA OUVIR.

O CRIADOR FALOU, COM UMA VOZ TÃO SUAVE QUE PARECIA O SUSSURRO DAS FOLHAS AO VENTO:

— A TERRA TEM UM CORAÇÃO, E É ESSE CORAÇÃO QUE A FAZ VIBRAR DE ALEGRIA OU CHORAR EM SILÊNCIO. ÀS VEZES, O CORAÇÃO SE ENTRISTECE E A TERRA TAMBÉM. POR ISSO, ESCONDI O CORAÇÃO DA TERRA EM UM LUGAR SECRETO. SOMENTE QUEM FOR SÁBIO E CALMO PODERÁ ENCONTRÁ-LO E ENTENDER COMO CUIDAR DELE.

UM MURMÚRIO SE ESPALHOU ENTRE OS ANIMAIS. UM CORAÇÃO ESCONDIDO! UM SEGREDO A SER DESVENDADO! TODOS QUERIAM SER OS PRIMEIROS A ENCONTRÁ-LO.

O CRIADOR CONTINUOU:

— NÃO SERÁ PELA FORÇA, NEM PELA VELOCIDADE. SERÁ PELA PACIÊNCIA E PELA ATENÇÃO AO QUE A TERRA QUER DIZER. SOMENTE QUEM OUVIR COM O CORAÇÃO PODERÁ ENCONTRAR O DELA.

E, DIZENDO ISSO, O CRIADOR DESAPARECEU COMO A NÉVOA AO SOL DA MANHÃ.

ASSIM QUE O CRIADOR TERMINOU DE FALAR, TODOS OS ANIMAIS SE APRESSARAM EM BUSCA DO CORAÇÃO DA TERRA.

O LEÃO, COM SUA JUBA DOURADA, RUGIU:

— EU SOU O REI DA FLORESTA! SE ALGUÉM PODE ENCONTRAR ESSE CORAÇÃO, SOU EU!

E SAIU CORRENDO, ABRINDO CAMINHO ENTRE AS ÁRVORES.

A ÁGUIA, COM SUAS ASAS IMENSAS, VOOU TÃO ALTO QUE TOCOU AS NUVENS:

— DO CÉU, VEREI TUDO! ENCONTRAREI O CORAÇÃO ANTES QUE QUALQUER OUTRO!

O COELHO CORREU PELAS TRILHAS, O MACACO PULOU DE GALHO EM GALHO, O TIGRE SALTOU PELOS PENHASCOS, E ATÉ OS PEQUENOS FORMIGUEIROS SE MEXERAM, COM AS FORMIGAS SAINDO EM FILA APRESSADA, COMO SE O SEGREDO ESTIVESSE LOGO ALI, AO LADO DE SUAS CASAS SUBTERRÂNEAS.

TODOS PROCURAVAM COM PRESSA, REVIRANDO FOLHAS, ESCAVANDO BURACOS, SOBREVOANDO FLORESTAS. MAS NINGUÉM PARAVA PARA OUVIR, PARA OBSERVAR OU PARA SENTIR.

ENQUANTO ISSO, NO MEIO DE TODA AQUELA CONFUSÃO, UM PEQUENO CAMALEÃO FICOU PARADO EM UMA PEDRA, OLHANDO A MOVIMENTAÇÃO.

ELE TINHA A PELE QUE MUDAVA DE COR CONFORME O LUGAR ONDE ESTAVA, OLHOS QUE SE MEXIAM CADA UM PARA UM LADO, E UMA LÍNGUA COMPRIDA E PEGAJOSA, MAS O QUE ELE TINHA DE MAIS ESPECIAL NÃO ERA ISSO.

O CAMALEÃO ERA CALMO.

MUITO CALMO.

ENQUANTO OS OUTROS CORRIAM, ELE RESPIRAVA FUNDO, OLHANDO AS FOLHAS BALANÇAREM COM O VENTO E OUVINDO O CANTO DOS GRILOS ESCONDIDOS NA RELVA.

— NÃO ADIANTA CORRER — MURMUROU PARA SI MESMO, ENQUANTO UMA BORBOLETA AZUL POUSAVA SUAVEMENTE EM SEU FOCINHO. — O CRIADOR DISSE QUE É PRECISO PACIÊNCIA.

E ASSIM, SEM PRESSA, O CAMALEÃO DECIDIU QUE PROCURARIA O CORAÇÃO DA TERRA DO SEU JEITO: OBSERVANDO E ESCUTANDO.

O CAMALEÃO COMEÇOU A CAMINHAR DEVAGAR, BEM DEVAGAR. CADA PASSO ERA COMO UM COMPASSO DE MÚSICA, LEVE E RITMADO. ELE SE APROXIMAVA DAS ÁRVORES E TOCAVA SUAS CASCAS ENRUGADAS, CHEIRAVA AS FLORES, OUVIA O SOM DAS ÁGUAS CORRENDO PELOS RIACHOS.

POR ONDE PASSAVA, AS CRIATURAS MENORES O SAUDAVAM:

— AONDE VAI, CAMALEÃO? — PERGUNTAVA O SAPO, EMPOLEIRADO EM UMA FOLHA DE VITÓRIA-RÉGIA.

— PROCURAR O CORAÇÃO DA TERRA — RESPONDIA ELE, COM UM SORRISO TRANQUILO.

— BOA SORTE! — COAXAVA O SAPO, VOLTANDO PARA SEU CANTO.

E ASSIM FOI, DIA APÓS DIA.

O CAMALEÃO ATRAVESSOU FLORESTAS TÃO DENSAS QUE A LUZ DO SOL MAL TOCAVA O CHÃO. SUBIU MONTANHAS ONDE O AR ERA FRIO E RAREFEITO, E DESCEU AOS VALES ONDE AS FLORES SILVESTRES PINTAVAM O MUNDO COM CORES VIBRANTES.

ENQUANTO CAMINHAVA, ELE OUVIA:

— O VENTO QUE SOPRAVA SEGREDOS NAS FOLHAS.
— AS RAÍZES QUE SE ENROSCAVAM SOB O SOLO, PUXANDO ÁGUA COMO QUEM BEBE.
— AS PEDRAS QUE, EM SILÊNCIO, GUARDAVAM HISTÓRIAS DE MILÊNIOS.

CADA SOM, CADA CHEIRO, CADA COR ERA UM PEDAÇO DO GRANDE MISTÉRIO.

MAS NÃO HAVIA SINAL DO CORAÇÃO DA TERRA.

MESMO ASSIM, O CAMALEÃO NÃO DESISTIU. SABIA QUE APRESSAR-SE SÓ TRARIA CANSAÇO. ELE PRECISAVA CONFIAR E CONTINUAR OUVINDO.

DEPOIS DE MUITOS DIAS, O CAMALEÃO CHEGOU A UM LUGAR QUE NINGUÉM MAIS OUSARA VISITAR: O VALE DO SILÊNCIO.

ALI, NENHUM PÁSSARO CANTAVA, NENHUMA FOLHA SE MEXIA, NENHUM RIO CORRIA. ERA UM VALE PROFUNDO, CERCADO DE PEDRAS ANTIGAS E COBERTO POR UMA NÉVOA FINA.

O CAMALEÃO FICOU PARADO À ENTRADA DO VALE, OBSERVANDO.

“POR QUE ESTE LUGAR É TÃO SILENCIOSO?”, PERGUNTOU-SE.

ENTÃO, ELE DEU UM PASSO PARA DENTRO.

A CADA PASSO, O SILÊNCIO PARECIA CRESCER, ENCHENDO TUDO AO REDOR. ERA TÃO ESPESSO QUE QUASE SE PODIA TOCÁ-LO.

MAS, JUSTAMENTE POR CAUSA DO SILÊNCIO, O CAMALEÃO CONSEGUIU OUVIR ALGO.

BEM AO FUNDO, QUASE IMPERCEPTÍVEL, UM SOM...

TUM-TUM... TUM-TUM...

ERA UM BATER SUAVE, COMO O DE UM TAMBOR DISTANTE, MAS COM UM RITMO CONSTANTE E CALMO.

O CAMALEÃO FECHOU OS OLHOS PARA OUVIR MELHOR.

TUM-TUM... TUM-TUM...

SEU CORAÇÃO ACELEROU, MAS ELE RESPIROU FUNDO E CONTINUOU CAMINHANDO, SEGUINDO AQUELE SOM MISTERIOSO.

NO FINAL DO VALE, O CAMALEÃO ENCONTROU UMA TRILHA ESCONDIDA ENTRE DUAS GRANDES PEDRAS COBERTAS DE MUSGO.

ELE ENTROU, MOVENDO-SE LENTAMENTE, COMO FAZIA SEMPRE.

O SOM DO "TUM-TUM" FICOU MAIS FORTE, MAS AINDA SUAVE, COMO SE ESTIVESSE ESCONDIDO SOB CAMADAS E CAMADAS DE TEMPO E PEDRA.

LOGO, ELE VIU UMA PEQUENA GRUTA, ILUMINADA APENAS POR UMA FENDA NO TOPO, POR ONDE UM RAIO DE LUZ DESCIA, DOURADO E QUENTE.

NO CENTRO DA GRUTA, HAVIA ALGO SURPREENDENTE.

UMA PEDRA, LISA E BRILHANTE, PULSAVA. SIM, PULSAVA! COMO SE FOSSE FEITA DE CARNE E SANGUE, E NÃO DE PEDRA.

TUM-TUM... TUM-TUM...

O CAMALEÃO FICOU PARADO, SEM RESPIRAR, ADMIRANDO A BELEZA DAQUELE CORAÇÃO.

NÃO ERA APENAS UMA PEDRA. ERA O CORAÇÃO DA TERRA, ESCONDIDO ALI DESDE O COMEÇO DOS TEMPOS, BATENDO SILENCIOSAMENTE, MANTENDO VIVA TODA A NATUREZA.

ELE SE APROXIMOU, TOCOU LEVEMENTE A SUPERFÍCIE LISA, E SENTIU UM CALOR ACOLHEDOR SUBIR POR SUA PELE.

NESSE MOMENTO, O CORAÇÃO FALOU, NÃO COM PALAVRAS, MAS COM UMA SENSAÇÃO QUE ENCHEU O CORAÇÃO DO CAMALEÃO DE COMPREENSÃO:

“EU SOU A VIDA DE TUDO. FICO TRISTE QUANDO NINGUÉM ME ESCUTA, QUANDO ME FEREM, QUANDO NÃO RESPEITAM O TEMPO DA NATUREZA.”

O CAMALEÃO ENTENDEU, COM A CLAREZA QUE SÓ QUEM OUVE COM A ALMA PODE TER.

ELE FICOU ALI, EM SILÊNCIO, POR UM LONGO TEMPO, APENAS SENTINDO O PULSAR DO CORAÇÃO.

ENTÃO, O CORAÇÃO ENVIOU MAIS UM PENSAMENTO:

“LEVE ESTA MENSAGEM AO MUNDO: A TERRA PRECISA SER OUVIDA E CUIDADA. NÃO COM PRESSA, NEM COM FORÇA, MAS COM PACIÊNCIA, ATENÇÃO E AMOR.”

O CAMALEÃO ASSENTIU E, COM UM ÚLTIMO OLHAR, SAIU DA GRUTA.

NA VOLTA, O CAMALEÃO ANDOU COM PASSOS AINDA MAIS CALMOS.

ELE PAROU PARA FALAR COM O SAPO, COM O PASSARINHO, COM O CERVO, COM TODOS QUE ENCONTRAVA:

— ENCONTREI O CORAÇÃO DA TERRA.

OS ANIMAIS FICARAM ESPANTADOS.

— ONDE? COMO? — PERGUNTAVAM, EM CORO.

O CAMALEÃO SORRIA E DIZIA:

— NO LUGAR ONDE NINGUÉM MAIS FOI: ONDE É PRECISO PARAR, OUVIR E SENTIR. A TERRA NOS FALA O TEMPO TODO, MAS PRECISAMOS TER PACIÊNCIA PARA ESCUTAR.

E ASSIM ELE FOI ESPALHANDO A MENSAGEM, ATÉ QUE TODOS OS ANIMAIS COMEÇARAM A MUDAR.

O LEÃO DEIXOU DE CORRER TANTO E PASSOU A OUVIR OS SONS DA SAVANA.

A ÁGUIA, AO INVÉS DE VOAR SEMPRE TÃO ALTO, COMEÇOU A POUSAR NAS ÁRVORES E OUVIR O FARFALHAR DAS FOLHAS.

O COELHO, O TIGRE, AS FORMIGAS — TODOS COMEÇARAM A SER UM POUCO MAIS COMO O CAMALEÃO: PACIENTES, ATENTOS, CALMOS.

E, POUCO A POUCO, A TRISTEZA DA TERRA FOI SE TRANSFORMANDO EM ALEGRIA.

AS ÁRVORES FICARAM MAIS VERDES, OS RIOS MAIS CLAROS, E O CANTO DOS PÁSSAROS VOLTOU A ENCHER AS FLORESTAS.

O CAMALEÃO VOLTOU PARA SUA PEDRA FAVORITA, ONDE TUDO HAVIA COMEÇADO.

LÁ FICOU, OLHANDO O CÉU MUDAR DE COR AO ENTARDECER, SENTINDO O VENTO ACARICIAR AS FOLHAS, OUVINDO O CORAÇÃO DA TERRA PULSAR AO LONGE, COMO UM TAMBOR QUE NUNCA PARA.

ELE SABIA QUE SEU TRABALHO ESTAVA FEITO, MAS TAMBÉM QUE PRECISARIA SEMPRE LEMBRAR OS OUTROS DE QUE A TERRA É VIVA E PRECISA SER ESCUTADA COM PACIÊNCIA.