HOUVE UM DIA EM QUE O CÉU PARECIA MAIS PESADO QUE O NORMAL, MESMO QUE O SOL BRILHASSE ENTRE AS NUVENS COMO SEMPRE FAZIA. NA PEQUENA VILA DA LUA VERMELHA, ONDE AS ÁRVORES FALAVAM COM O VENTO E AS MONTANHAS GUARDAVAM SEGREDOS HÁ MILÊNIOS, UM GAROTO CHAMADO LIAN DESPERTOU DE UM SONHO ESTRANHO, O CORAÇÃO BATENDO FORTE COMO TAMBOR DE FESTA.

NO SONHO, ELE VIA UM ANEL DOURADO ENTERRADO SOB UMA ROCHA COBERTA DE MUSGO, NO MEIO DA FLORESTA DOS SUSSURROS. O ANEL BRILHAVA TANTO QUE PARECIA CONTER O PRÓPRIO SOL, MAS SUA LUZ ERA FRIA COMO GELO. E AO TOCÁ-LO, LIAN OUVIA VOZES... VOZES QUE PROMETIAM PODER, RIQUEZA E RESPOSTAS PARA TODOS OS SEUS MEDOS.

LIAN NÃO ERA UM MENINO COMUM. TINHA CABELOS ESCUROS COMO O TRONCO DA FAIA MAIS ANTIGA E OLHOS DOURADOS, COMO MEL À LUZ DA TARDE. VIVIA COM SUA AVÓ, DONA MÁRIA, UMA SENHORA DE DEDOS FINOS E OLHOS QUE JÁ TINHAM VISTO MAIS DO QUE QUALQUER OUTRO NAQUELA VILA. ERA ELA QUEM CONTAVA HISTÓRIAS SOBRE OBJETOS QUE DEVIAM SER DEIXADOS ONDE ESTAVAM, SOBRE COISAS QUE PARECIAM BELAS, MAS QUE ESCONDIAM PERIGOS ANTIGOS.

NAQUELA MANHÃ, PORÉM, LIAN NÃO QUIS CONTAR SEU SONHO À AVÓ. ALGO DENTRO DELE DIZIA QUE PRECISAVA IR ATÉ A FLORESTA DOS SUSSURROS E PROCURAR PELO ANEL.

COLOCOU SEU CAPUZ, ENCHEU A BOLSA DE PÃO, QUEIJO E UMA GARRAFINHA DE CHÁ DE FLOR-DO-VENTO E SAIU ANTES QUE O GALO CANTASSE PELA SEGUNDA VEZ. CAMINHOU PELAS TRILHAS QUE CONHECIA DESDE PEQUENO, MAS AO ENTRAR NA FLORESTA, PERCEBEU QUE O LUGAR ESTAVA DIFERENTE. O VENTO SUSSURRAVA PALAVRAS QUE ELE NÃO ENTENDIA, E CADA PASSO FAZIA AS FOLHAS SE REMEXEREM COMO SE COMENTASSEM SUA PRESENÇA.

DEPOIS DE HORAS ANDANDO, GUIADO APENAS PELA LEMBRANÇA DO SONHO, LIAN ENCONTROU A ROCHA COBERTA DE MUSGO. SEU CORAÇÃO DISPAROU. COM MÃOS TRÊMULAS, AFASTOU O MUSGO ÚMIDO E SENTIU A SUPERFÍCIE FRIA DO OURO. O ANEL ESTAVA ALI, ENTERRADO ENTRE RAÍZES E TERRA ANTIGA. QUANDO O PUXOU, UMA CORRENTE DE CALOR SUBIU PELO SEU BRAÇO, E POR UM MOMENTO, O MUNDO FICOU EM SILÊNCIO.

— FINALMENTE... — DISSE UMA VOZ, BAIXA E AVELUDADA, QUE PARECIA VIR DE DENTRO DO PRÓPRIO ANEL.

LIAN RECUOU, ASSUSTADO. OLHOU EM VOLTA, MAS ESTAVA SOZINHO. O ANEL BRILHAVA EM SUA MÃO, SIMPLES, LISO, MAS COM UM SÍMBOLO GRAVADO POR DENTRO: UM OLHO COM TRÊS PUPILAS. ELE O GUARDOU NO BOLSO, SENTINDO UM PESO QUE NÃO ERA SÓ FÍSICO.

AO VOLTAR PARA CASA, PERCEBEU QUE ALGO HAVIA MUDADO. OS PÁSSAROS ESTAVAM QUIETOS, OS VIZINHOS OLHAVAM-NO COM ESTRANHEZA E ATÉ O CACHORRO DE DONA MÁRIA ROSNOU AO VÊ-LO. QUANDO ENTROU, A AVÓ O OLHOU COM PREOCUPAÇÃO.

— ONDE VOCÊ ESTEVE?

— SÓ FUI ANDAR — MENTIU ELE, MAS A VELHA SENHORA FRANZIU O CENHO.

— HÁ COISAS NA FLORESTA QUE NÃO QUEREM SER ENCONTRADAS. VOCÊ TOCOU ALGO QUE DEVIA TER FICADO ENTERRADO, NÃO É?

LIAN NÃO RESPONDEU, MAS NAQUELA NOITE, MAL CONSEGUIU DORMIR. O ANEL PARECIA CHAMÁ-LO, ATÉ MESMO DENTRO DOS SONHOS. COMEÇOU A USÁ-LO ESCONDIDO, E COM O TEMPO, PERCEBEU QUE QUANDO O TINHA NO DEDO, COISAS ESTRANHAS ACONTECIAM: CONSEGUIA OUVIR PENSAMENTOS, PREVER O QUE AS PESSOAS IRIAM DIZER E, CERTA VEZ, FEZ COM QUE UMA ÁRVORE INTEIRA SE INCLINASSE PARA ELE APENAS COM UM GESTO.

NO INÍCIO, ERA FASCINANTE. MAS LOGO, OS SONHOS SE TORNARAM PESADELOS. CRIATURAS FEITAS DE SOMBRAS VINHAM ATÉ ELE, PEDINDO O ANEL, DIZENDO QUE ERA DELES POR DIREITO. EM UMA DAS NOITES, ACORDOU COM A SENSAÇÃO DE MÃOS INVISÍVEIS APERTANDO SEU PESCOÇO.

— VOCÊ NÃO ENTENDE — SUSSURROU A MESMA VOZ DO PRIMEIRO DIA. — ESTE ANEL NÃO É UM PRESENTE, É UM LAÇO. E AGORA VOCÊ FAZ PARTE DELE.

DESESPERADO, LIAN CORREU ATÉ A AVÓ E MOSTROU O ANEL.

— ELE ME ESCOLHEU, VÓ! MAS AGORA... AGORA EU NÃO SEI SE QUERO ISSO.

DONA MÁRIA SEGUROU O OBJETO COM UMA EXPRESSÃO DE MEDO E TRISTEZA. — ESTE ANEL PERTENCE A UMA ANTIGA CASA DE REIS QUE CAÍRAM POR CAUSA DA PRÓPRIA GANÂNCIA. ELE TEM FOME DE ALMA, LIAN. ELE BRILHA, MAS É TREVA.

ELA CONTOU QUE, MUITO TEMPO ATRÁS, UM REI HAVIA MANDADO FORJAR AQUELE ANEL COM O OURO DA ESTRELA CAÍDA, UM MINÉRIO QUE NÃO PERTENCIA À TERRA. A JOIA DARIA PODER E VIDA LONGA A QUEM A USASSE, MAS HAVIA UM PREÇO: TUDO O QUE O ANEL TOCASSE TAMBÉM SERIA CONSUMIDO POR SUA SEDE.

— ESSE ANEL PASSOU DE MÃO EM MÃO, CAUSANDO GUERRAS, DESTRUIÇÃO E LOUCURA. POR FIM, ALGUÉM SÁBIO O ENTERROU ONDE NINGUÉM MAIS OUSARIA PROCURÁ-LO. ATÉ AGORA.

LIAN TENTOU TIRÁ-LO, MAS O ANEL NÃO SAÍA MAIS DO DEDO. ERA COMO SE TIVESSE SE FUNDIDO À SUA PELE. SENTIU MEDO, UM MEDO TÃO PROFUNDO QUE PARECIA VIR DE OUTRO TEMPO.

— E AGORA? O QUE FAÇO?

A AVÓ PEGOU UM ANTIGO MAPA E APONTOU PARA UM LUGAR ALÉM DAS MONTANHAS: O VALE DO ECO, ONDE, SEGUNDO VELHOS MURMÚRIOS, HAVIA UM ESPELHO FEITO DE PRATA LÍQUIDA, CRIADO PARA DESFAZER PACTOS E DEVOLVER AO MUNDO AQUILO QUE NÃO DEVERIA ESTAR ENTRE OS VIVOS.

— MAS VOCÊ TERÁ QUE ATRAVESSAR FLORESTAS, PÂNTANOS E ENFRENTAR OS GUARDIÕES DO ANEL. ELES SENTIRÃO QUE VOCÊ ESTÁ TENTANDO DESFAZER O VÍNCULO. ELES VIRÃO.

E VIERAM.

NAQUELA NOITE, FIGURAS ENCAPUZADAS, COM OLHOS COMO CARVÕES ACESOS, CERCARAM A CASA. LIAN E DONA MÁRIA FUGIRAM PELOS FUNDOS, CORRENDO COMO PODIAM. A CADA PASSO, O ANEL PARECIA MAIS PESADO, E AS VOZES MAIS ALTAS. A FLORESTA PARECIA VIVA, TENTANDO AGARRÁ-LOS COM GALHOS E RAÍZES.

CHEGARAM À PONTE DE PEDRA ANTES DO AMANHECER, E ALI, DONA MÁRIA ENTREGOU-LHE UM PINGENTE COM UMA PEQUENA PEDRA AZUL.

— ISSO VAI PROTEGÊ-LO POR UM TEMPO. AGORA SIGA. EU FICAREI PARA DESPISTAR OS CAÇADORES.

LIAN QUIS PROTESTAR, MAS ALGO DENTRO DELE DIZIA QUE PRECISAVA IR. DESPEDIU-SE COM LÁGRIMAS NOS OLHOS E CORREU, ATRAVESSANDO A PONTE E ENTRANDO EM UMA TERRA ONDE O CÉU PARECIA PRATEADO MESMO À NOITE.

DURANTE DIAS, SEGUIU PELOS CAMINHOS INDICADOS NO MAPA. FOI AJUDADO POR CRIATURAS QUE SÓ EXISTIAM NOS CONTOS QUE OUVIA QUANDO CRIANÇA: UMA RAPOSA QUE FALAVA EM ENIGMAS, UM CORVO COM PENAS DE VIDRO E UMA MENINA FEITA DE NÉVOA QUE DIZIA VIR DOS SONHOS.

A CADA PASSO, O ANEL SE TORNAVA MAIS CRUEL. SUGAVA SUA ENERGIA, FAZIA COM QUE SE ESQUECESSE DO PRÓPRIO NOME ÀS VEZES. EM UMA NOITE ESPECIALMENTE ESCURA, ELE QUASE DESISTIU. CAIU NO CHÃO E CHOROU, PEDINDO QUE TUDO ACABASSE.

FOI ENTÃO QUE A MENINA DE NÉVOA VOLTOU. TOCOU SUA TESTA E DISSE:

— O ANEL QUER TE QUEBRAR. MAS HÁ FORÇA EM VOCÊ. A FORÇA NÃO DE QUEM DESEJA, MAS DE QUEM ESCOLHE. ESCOLHA, LIAN.

ESSAS PALAVRAS O REACENDERAM.

POR FIM, CHEGOU AO VALE DO ECO. ERA UM LUGAR DE SILÊNCIO ABSOLUTO, ONDE O TEMPO PARECIA PARADO. NO CENTRO, O ESPELHO PRATEADO FLUTUAVA SOBRE UM LAGO SEM FUNDO. LIAN SE APROXIMOU E VIU SEU REFLEXO, MAS O QUE OLHOU DE VOLTA NÃO ERA MAIS UM MENINO: ERA UMA SOMBRA COM SEUS OLHOS, UMA VERSÃO CORROMPIDA POR PODER.

O ANEL PULSAVA EM SEU DEDO, GRITANDO PARA NÃO SER ENTREGUE. VOZES TENTARAM FAZÊ-LO VOLTAR, PROMETERAM MUNDOS INTEIROS, MAS LIAN SE LEMBROU DO QUE DONA MÁRIA DIZIA: “NEM TUDO QUE BRILHA É LUZ.”

COM ESFORÇO, ERGUEU A MÃO E TOCOU O ESPELHO. O ANEL QUEIMOU, GRITOU COMO UM BICHO FERIDO, E ENTÃO... RACHOU.

LIAN DESMAIOU.

ACORDOU HORAS DEPOIS, SEM O ANEL. SENTIA-SE MAIS LEVE. O ESPELHO HAVIA SUMIDO, O VALE AGORA ERA APENAS UM CAMPO FLORIDO. VOLTOU PARA A VILA DA LUA VERMELHA COMO ALGUÉM DIFERENTE. ENCONTROU A CASA INTACTA, MAS DONA MÁRIA NUNCA MAIS FOI VISTA. ALGUNS DIZEM QUE VIROU UMA CORUJA DE OLHOS DOURADOS, QUE ÀS VEZES VIGIA O CÉU SOBRE A VILA.

LIAN CRESCEU, E COM O TEMPO, TORNOU-SE GUARDIÃO DA FLORESTA DOS SUSSURROS. CONTAVA HISTÓRIAS ÀS CRIANÇAS SOBRE OBJETOS PERDIDOS E ESCOLHAS IMPORTANTES. NUNCA MAIS TOCOU EM NADA ENTERRADO. E QUANDO LHE PERGUNTAVAM POR QUE SEUS OLHOS BRILHAVAM COMO ÂMBAR, ELE APENAS SORRIA E DIZIA:

— PORQUE HÁ LUZ EM QUEM ESCOLHE O CAMINHO CERTO, MESMO QUANDO É O MAIS DIFÍCIL.

E ASSIM, O ANEL FOI ESQUECIDO.