NO CORAÇÃO DA FLORESTA DOS MURMÚRIOS, ONDE AS ÁRVORES SUSSURRAVAM SEGREDOS ANTIGOS E AS NUVENS PARECIAM FEITAS DE ALGODÃO DOCE, HAVIA UMA VILA PEQUENA E ESQUECIDA PELOS MAPAS. ALI, MORAVA AURORA, UMA MENINA DE OLHOS COR DE MEL E CABELOS QUE PARECIAM FIOS DE LUAR. TINHA DOZE ANOS E UM SORRISO FÁCIL, MAS NOS ÚLTIMOS TEMPOS ESSE SORRISO ANDAVA ESCONDIDO. DESDE QUE SUA MÃE ADORMECERA PARA SEMPRE NO CAMPO DE MARGARIDAS, AURORA GUARDAVA SUAS GARGALHADAS NO FUNDO DO PEITO, COMO QUEM GUARDA UM SEGREDO PRECIOSO QUE JÁ PERDEU O BRILHO.

SEU PAI, UM SAPATEIRO DE MÃOS GASTAS E OLHOS BONDOSOS, FAZIA O POSSÍVEL PARA ENCHER A CASA DE CORES E HISTÓRIAS, MESMO QUANDO O FRIO DAS MANHÃS ENTRAVA PELAS FRESTAS DAS JANELAS. NUM FIM DE TARDE TINGIDO DE DOURADO, ELE CHEGOU EM CASA COM UM EMBRULHO MODESTO ENVOLTO EM PANO DE LINHO. "FIZ PRA VOCÊ, MINHA FLOR", DISSE, ENTREGANDO-LHE O PRESENTE COM OLHOS MAREJADOS.

AO DESEMBRULHAR O TECIDO, AURORA ENCONTROU UM PAR DE TAMANCOS DE MADEIRA. NÃO ERAM TAMANCOS COMUNS. ERAM LEVES, COMO SE ESCULPIDOS DE VENTO, E TINHAM DESENHOS MINUCIOSOS DE FLORES E PÁSSAROS GRAVADOS COM TANTO CARINHO QUE PARECIAM VIVOS. ELA SORRIU, UM SORRISO TÍMIDO, COMO SE ESTIVESSE TESTANDO UM SAPATO NOVO NO CORAÇÃO. CALÇOU-OS E RODOPIOU UMA VEZ, COMO FAZIA QUANDO ERA PEQUENA, MAS LOGO PAROU. O SORRISO DESAPARECEU, E ELA VOLTOU PARA SEU QUARTO.

NAQUELA NOITE, AO OUVIR OS SUSPIROS DA MENINA ADORMECIDA, OS TAMANCOS COMEÇARAM A SE MOVER. PRIMEIRO UM PASSO. DEPOIS OUTRO. ATÉ QUE COMEÇARAM A DANÇAR. UMA DANÇA ENGRAÇADA, DESAJEITADA, CHEIA DE RODOPIOS E PULOS. AURORA ACORDOU ASSUSTADA, MAS AO VER OS TAMANCOS SE APRESENTANDO EM MEIO AO QUARTO, NÃO CONTEVE O RISO. UM RISO QUE COMEÇOU PEQUENO E LOGO VIROU UMA GARGALHADA CRISTALINA, DAQUELAS QUE FAZEM AS PAREDES TREMEREM DE ALEGRIA. A VILA, QUE DORMIA EM SILÊNCIO, OUVIU E SORRIU EM SONHOS.

NA MANHÃ SEGUINTE, AURORA CORREU PARA CONTAR AO PAI, MAS OS TAMANCOS ESTAVAM IMÓVEIS. ELE SORRIU COM TERNURA E DISSE QUE ÀS VEZES A ALEGRIA SE ESCONDE NOS LUGARES MAIS IMPROVÁVEIS. NOS DIAS QUE SEGUIRAM, SEMPRE QUE A TRISTEZA AMEAÇAVA SE ANINHAR EM SEU PEITO, OS TAMANCOS DANÇAVAM. FAZIAM PIRUETAS SOBRE A MESA, MARCHAVAM SOBRE OS LIVROS, PULAVAM NOS DEGRAUS DA ESCADA. VIRARAM SÍMBOLO DE ALEGRIA NA VILA. LOGO, CRIANÇAS DE TODOS OS CANTOS VINHAM ESPIAR OS TAMANCOS MÁGICOS.

MAS ALGO COMEÇOU A MUDAR.

UM DIA, OS TAMANCOS NÃO DANÇARAM. AURORA ESTAVA TRISTE, MAIS DO QUE O HABITUAL. TINHA DESCOBERTO QUE HOMENS ESTRANHOS ESTAVAM EXPLORANDO A FLORESTA PRÓXIMA, DERRUBANDO ÁRVORES ANTIGAS E ASSUSTANDO OS ANIMAIS. A VILA DOS MURMÚRIOS SEMPRE RESPEITARA A FLORESTA — ERA DELA QUE VINHAM AS HISTÓRIAS, OS FRUTOS E OS VENTOS BONS. MAS ESSES FORASTEIROS VINHAM DE UM LUGAR ONDE FLORESTA ERA SINÔNIMO DE RIQUEZA, E NÃO DE VIDA.

AURORA TENTOU PROTESTAR, FALAR COM OS ANCIÃOS, MAS DIZIAM QUE NADA PODIAM FAZER. QUE O MUNDO MUDAVA, E QUE TALVEZ FOSSE HORA DA VILA MUDAR TAMBÉM. INDIGNADA, ELA CORREU PARA O BOSQUE, OS TAMANCOS NOS PÉS, MESMO QUE JÁ NÃO DANÇASSEM.

NO CORAÇÃO DA FLORESTA, AURORA ENCONTROU UM VELHO CARVALHO, O MAIS ANTIGO DA REGIÃO, E SENTOU-SE À SUA SOMBRA. ALI CHOROU TUDO QUE ESTAVA GUARDADO. AS LÁGRIMAS TOCARAM A MADEIRA DOS TAMANCOS, E ALGO ACONTECEU. UM BRILHO SUAVE SURGIU SOB SEUS PÉS. OS TAMANCOS COMEÇARAM A VIBRAR, COMO SE SENTISSEM A TRISTEZA DA FLORESTA. DEPOIS, ERGUERAM-SE SOZINHOS E LEVARAM AURORA PARA O ALTO DA ÁRVORE.

DALI, ELA VIU O QUE NUNCA IMAGINARA: AS ÁRVORES, COM GALHOS COMO BRAÇOS, COMEÇAVAM A SE MOVER. ANIMAIS SAÍAM DE SUAS TOCAS, PÁSSAROS FORMAVAM DESENHOS NO CÉU. A FLORESTA RESPONDIA.

OS TAMANCOS LEVARAM AURORA A UMA DANÇA VELOZ ENTRE AS ÁRVORES. NÃO ERA UMA DANÇA DE ALEGRIA, MAS DE CONVOCAÇÃO. OS TAMANCOS, AGORA BRILHANDO EM AZUL PRATEADO, LEVAVAM AURORA ATÉ O CENTRO DA FLORESTA, ONDE UMA CLAREIRA ESCONDIA UM ANTIGO CÍRCULO DE PEDRAS. LÁ, UMA MULHER DE CABELOS LONGOS COMO CIPÓS E OLHOS VERDES COMO MUSGO ESPERAVA.

ELA ERA A GUARDIÃ DA FLORESTA, UMA SOMBRA ESQUECIDA PELOS HOMENS, MAS LEMBRADA PELA TERRA. DISSE A AURORA QUE OS TAMANCOS HAVIAM SIDO FEITOS COM MADEIRA DE UMA ÁRVORE ENCANTADA, UMA ÁRVORE QUE GUARDAVA A ESSÊNCIA DA FLORESTA. O SAPATEIRO, SEM SABER, HAVIA ESCULPIDO NÃO APENAS UM CALÇADO, MAS UM VÍNCULO COM A MAGIA DA TERRA.

AURORA, COM O CORAÇÃO EM BRASAS, ACEITOU O DESAFIO QUE A GUARDIÃ LHE PROPÔS: PROTEGER A FLORESTA.

A PARTIR DAQUELE DIA, AURORA SE TORNOU A MENINA DOS TAMANCOS DANÇANTES. À NOITE, QUANDO O VILAREJO DORMIA, ELA DESLIZAVA ENTRE SOMBRAS E FOLHAS, ESPIONANDO OS INVASORES, SABOTANDO SEUS EQUIPAMENTOS, CONFUNDINDO SEUS CAMINHOS. OS TAMANCOS A LEVAVAM EM VOOS RASANTES SOBRE OS RIACHOS, EM CORRIDAS POR TRILHAS ESCONDIDAS, EM SALTOS ENTRE AS COPAS DAS ÁRVORES.

DURANTE O DIA, FINGIA SER APENAS UMA MENINA CURIOSA. MAS À NOITE, ERA UMA GUERREIRA DA FLORESTA. SOZINHA, ELA ENFRENTOU ARMADILHAS, FOGUEIRAS E ATÉ CÃES DE CAÇA. OS TAMANCOS DANÇAVAM COMO NUNCA, ORA EM SILÊNCIO ABSOLUTO, ORA COM RITMO DE BATALHA.

CERTA NOITE, OS FORASTEIROS PREPARAVAM-SE PARA CORTAR A ÁRVORE CORAÇÃO, A MESMA DE ONDE OS TAMANCOS HAVIAM NASCIDO. AURORA, COM O PEITO APERTADO, SENTIU OS TAMANCOS ESTREMECEREM. ELES BRILHARAM INTENSAMENTE, E A DANÇA COMEÇOU. MAS DESSA VEZ, NÃO DANÇAVAM SOZINHOS. DE TODOS OS CANTOS DA FLORESTA, SURGIRAM CRIATURAS ANTIGAS: CORUJAS DE OLHOS DOURADOS, LOBOS DE PÊLO PRATEADO, CERVOS COM GALHOS NA CABEÇA. A FLORESTA, POR FIM, DESPERTARA.

A BATALHA FOI CURTA, MAS INTENSA. OS TAMANCOS GUIARAM AURORA COMO UMA FLECHA ENTRE OS INIMIGOS. AS ÁRVORES SE MOVERAM COMO GIGANTES, OS VENTOS UIVARAM COMO VOZES ANCESTRAIS. OS FORASTEIROS FUGIRAM APAVORADOS, PROMETENDO NUNCA MAIS RETORNAR.