O VENTO DO NORTE ERA O MAIS FORTE E SELVAGEM DE TODOS OS VENTOS. ELE VINHA DAS MONTANHAS GELADAS, ATRAVESSAVA OS CAMPOS, OS VALES E AS FLORESTAS, ESPALHANDO FOLHAS, ARRANCANDO TELHADOS, ASSOBIANDO PELAS JANELAS E ASSUSTANDO TODOS OS ANIMAIS QUE OUSAVAM SAIR DE SUAS TOCAS. QUANDO ELE SOPRAVA, ATÉ OS GALHOS DAS ÁRVORES PARECIAM QUERER SE ESCONDER DE TANTO MEDO. ERA UM VENTO BARULHENTO, IMPACIENTE, CHEIO DE ORGULHO E QUE NUNCA PARAVA. ELE GOSTAVA DE SER TEMIDO, E QUANTO MAIS OS ANIMAIS CORRIAM AO OUVIR SEU UIVO, MAIS ELE SOPRAVA, FELIZ POR SER O MAIS PODEROSO.

NO CORAÇÃO DA FLORESTA VELHA, VIVIA UMA RAPOSA CHAMADA LUMA. LUMA ERA CONHECIDA POR SUA ESPERTEZA E SAGACIDADE. ENQUANTO OS OUTROS ANIMAIS TREMIAM SÓ DE OUVIR O VENTO DO NORTE, LUMA OBSERVAVA. ELA NÃO TINHA MEDO, MAS TAMBÉM NÃO ERA TOLA. SABIA QUE ENFRENTAR O VENTO DE FRENTE ERA INÚTIL. MAS ALGO PRECISAVA SER FEITO. OS DIAS DE OUTONO ESTAVAM FICANDO DIFÍCEIS, E A COMIDA ESCASSA. O VENTO DO NORTE CHEGAVA ANTES DO INVERNO, E COM ELE OS ANIMAIS MAL PODIAM SAIR PARA CAÇAR OU COLHER. AS AVES NÃO CONSEGUIAM VOAR, OS COELHOS SE PERDIAM EM SUAS TOCAS, E ATÉ OS ESQUILOS, QUE NORMALMENTE ERAM TÃO ANIMADOS, FICAVAM IMÓVEIS, ESPERANDO QUE O VENTO PASSASSE.

CERTA MANHÃ, DEPOIS DE UMA NOITE EM QUE O VENTO DO NORTE UIVARA TANTO QUE ARRANCARA O TELHADO DA TOCA DE UMA FAMÍLIA DE TEXUGOS, LUMA TEVE UMA IDEIA. NÃO ERA UMA IDEIA COMUM — ERA UM PLANO ARRISCADO, MAS ELA SABIA QUE PRECISAVA USAR SUA ASTÚCIA.

NAQUELA TARDE, COM O CÉU NUBLADO E AS FOLHAS DANÇANDO NO AR, LUMA SUBIU AO TOPO DA COLINA DO SUSSURRO, ONDE OS VENTOS PASSAVAM COM MAIS FORÇA. DEITOU-SE CALMAMENTE SOBRE UMA PEDRA, FINGINDO ESTAR TRANQUILA, MESMO COM SEU RABO SENDO SACUDIDO PELO VENTO. ENTÃO, QUANDO O AR FICOU MAIS FRIO E PESADO, ELA SOUBE QUE O VENTO DO NORTE ESTAVA CHEGANDO.

— ORA, ORA — SUSSURROU LUMA PARA SI MESMA —, LÁ VEM O SENHOR BARULHENTO.

E VEIO MESMO. PRIMEIRO, UM SUSSURRO GELADO, DEPOIS UM ASSOBIO CRESCENTE, E ENTÃO O VENTO DO NORTE APARECEU COM TODA SUA FORÇA, ESPALHANDO POEIRA, FAZENDO AS ÁRVORES RANGEREM E AS NUVENS SE ESCONDEREM.

— O QUE FAZ UMA RAPOSA TOLA AQUI FORA, EM MINHA PRESENÇA? — BRADOU O VENTO, SUA VOZ TÃO FORTE QUE FAZIA O CHÃO VIBRAR.

— VIM TE VER DANÇAR — RESPONDEU LUMA, COM UM SORRISO.

O VENTO, SURPRESO, PAROU POR UM INSTANTE.

— DANÇAR? EU? EU SOU O VENTO DO NORTE! EU NÃO DANÇO. EU COMANDO, EU UIVO, EU DERRUBO ÁRVORES!

— EXATO, VOCÊ SOPRA TANTO QUE TODOS CORREM DE MEDO. MAS SABIA QUE, SE DANÇASSE, TALVEZ OS ANIMAIS VIESSEM TE VER? — DISSE LUMA, ANDANDO EM CÍRCULOS, COM A CAUDA ERGUIDA — ELES ATÉ PODERIAM TE APLAUDIR.

O VENTO SE AGITOU, CONFUSO. NUNCA NINGUÉM O ELOGIARA DE FORMA TÃO ESTRANHA.

— VOCÊ ESTÁ ME DIZENDO QUE EU... PODERIA SER ADORADO?

— NÃO SÓ ADORADO. PODERIA SER ADMIRADO. SE APRENDER A DANÇAR, PODERIA ATÉ SE APRESENTAR PARA OS PÁSSAROS, PARA OS URSOS, ATÉ PARA OS HUMANOS.

O VENTO DEU UMA RISADA QUE FEZ OS GALHOS SE SACUDIREM.

— ISSO É ABSURDO! EU NÃO SEI DANÇAR!

— MAS EU POSSO TE ENSINAR — DISSE LUMA, SENTANDO-SE CALMAMENTE. — SÓ PRECISA PARAR DE SOPRAR POR UM MOMENTO E OUVIR A MÚSICA DO MUNDO.

CURIOSO, O VENTO SE ACALMOU. PELA PRIMEIRA VEZ EM MUITOS ANOS, UM SILÊNCIO PAIROU SOBRE A COLINA. A FLORESTA PAROU. OS ANIMAIS SAÍRAM TIMIDAMENTE DE SUAS TOCAS, E OS GALHOS BALANÇARAM SUAVEMENTE. LUMA SORRIU.

— AGORA, OUÇA — DISSE ELA.

E O VENTO OUVIU. OUVIU O BATER DAS ASAS DE UM CORVO DISTANTE, O SOM DA ÁGUA ESCORRENDO NUM RIACHO ESCONDIDO, O BATER DO CORAÇÃO DE UM ESQUILO NERVOSO.

— ISSO É MÚSICA? — PERGUNTOU ELE.

— TUDO PODE SER MÚSICA, SE VOCÊ APRENDER A ESCUTAR. AGORA, TENTE SE MOVER COM LEVEZA, COMO SE ESTIVESSE SEGUINDO ESSE RITMO.

O VENTO COMEÇOU A GIRAR DEVAGAR, QUASE TÍMIDO. AS FOLHAS DANÇARAM AO SEU REDOR, E POR UM INSTANTE, ALGO BELO ACONTECEU. AS CORES DO OUTONO GIRARAM EM ESPIRAIS DE VERMELHO, AMARELO E LARANJA. ATÉ OS PASSARINHOS SE EMPOLEIRARAM NOS GALHOS PARA VER.

MAS O VENTO ERA IMPACIENTE. EM POUCOS SEGUNDOS, COMEÇOU A RODOPIAR MAIS RÁPIDO, MAIS FORTE, ATÉ QUE TUDO VIROU UMA CONFUSÃO.

— MAIS DEVAGAR! — GRITOU LUMA, MAS ERA TARDE.

O VENTO PERDEU O EQUILÍBRIO — SIM, MESMO SENDO VENTO — E RODOPIOU DESAJEITADO, ATÉ CAIR NUM BURACO PROFUNDO ATRÁS DA COLINA, UMA FENDA ESQUECIDA NA FLORESTA QUE NINGUÉM MAIS USAVA.

LÁ DENTRO, O VENTO FICOU PRESO. POR TRÊS DIAS E TRÊS NOITES, TENTOU SAIR. ASSOBIOU, GRITOU, SOPROU, MAS O BURACO ERA ESTREITO NO TOPO, E TODA VEZ QUE TENTAVA SUBIR, ESCORREGAVA DE VOLTA.

ENQUANTO ISSO, A FLORESTA VIVEU SEUS DIAS MAIS TRANQUILOS EM MUITO TEMPO. O SOL BRILHAVA, OS ANIMAIS COLHIAM SEMENTES E FRUTAS, OS PÁSSAROS VOAVAM SEM MEDO, E ATÉ AS FLORES, QUE NORMALMENTE JÁ ESTARIAM ESCONDIDAS, SE ABRIRAM UMA ÚLTIMA VEZ ANTES DO INVERNO.

NO QUARTO DIA, LUMA FOI ATÉ A BEIRA DO BURACO.

— OLÁ, DANÇARINO — DISSE ELA, OLHANDO PARA BAIXO.

— VOCÊ ME ENGANOU! — BRADOU O VENTO, SUA VOZ ECOANDO FRACA NO FUNDO DA FENDA.

— EU ENSINEI VOCÊ A DANÇAR. VOCÊ É QUE SE EMPOLGOU DEMAIS.

— ME TIRE DAQUI!

LUMA FINGIU PENSAR.

— POSSO FAZER ISSO. MAS SÓ SE PROMETER QUE NÃO VAI MAIS SOPRAR COM TANTA FÚRIA. A FLORESTA PRECISA DE VOCÊ, SIM, MAS COM CALMA. UM VENTO SUAVE AJUDA OS PÁSSAROS, ESPALHA SEMENTES, TRAZ CHUVA. UM VENTO FURIOSO SÓ TRAZ MEDO.

O VENTO RESMUNGOU. ESTAVA CANSADO, HUMILHADO E CHEIO DE FOLHAS NAS DOBRAS INVISÍVEIS DE SEU CORPO.

— ESTÁ BEM — DISSE ELE POR FIM —, VOU TENTAR SER... MAIS SUAVE.

LUMA ENTÃO CHAMOU OS CASTORES, OS ESQUILOS E ATÉ ALGUNS CORVOS. TRABALHARAM JUNTOS PARA CAVAR UM CAMINHO DE SAÍDA, ESTREITO, MAS POSSÍVEL. O VENTO SUBIU DEVAGAR, ESPANTADO COM A AJUDA QUE RECEBIA. PELA PRIMEIRA VEZ, SENTIA ALGO ESTRANHO: GRATIDÃO.

QUANDO ENFIM SAIU DO BURACO, SOPROU UM VENTO LEVE E PERFUMADO. OS ANIMAIS APLAUDIRAM COM RISOS E ASSOBIOS. LUMA DEU UMA PIRUETA DE RAPOSA.

— VIU SÓ? AGORA SIM ESTÁ DANÇANDO — DISSE ELA.

DESDE ENTÃO, O VENTO DO NORTE NUNCA MAIS FOI O MESMO. AINDA CHEGAVA TODOS OS ANOS, MAS AGORA SOPRAVA COM SABEDORIA. HAVIA DIAS EM QUE AINDA RUGIA, ESPECIALMENTE QUANDO AS MONTANHAS ESTAVAM EM GUERRA COM AS NUVENS, MAS NA MAIOR PARTE DO TEMPO, SOPRAVA LEVE, BRINCANDO COM AS FOLHAS, CANTANDO ENTRE OS GALHOS.

E, CURIOSO, TODA VEZ QUE OUVIA MÚSICA — SEJA O TAMBOR DE UM TROVÃO DISTANTE, O CANTAR DE UM GRILO, OU ATÉ MESMO O TILINTAR DAS GOTAS DE CHUVA — ELE DANÇAVA.

LUMA VIVEU MUITOS ANOS, SEMPRE OBSERVANDO, SEMPRE COM UM SORRISO MAROTO. QUANDO FICOU VELHA, OS VENTOS VINHAM VISITÁ-LA, ESPECIALMENTE O DO NORTE. SENTAVAM-SE COM ELA AO ENTARDECER, SOPRANDO HISTÓRIAS EM SEUS OUVIDOS, COMO VELHOS AMIGOS.