LILA MORAVA NA BEIRA DE UMA VILA ESQUECIDA, ONDE AS CASAS ERAM FEITAS DE BARRO E OS DIAS PASSAVAM DEVAGAR, COMO SE O TEMPO ALI TIVESSE PREGUIÇA DE ANDAR. ELA VIVIA COM SUA AVÓ, UMA SENHORA DE OLHOS PEQUENOS E MÃOS CALEJADAS, QUE VENDIA ERVAS E CHÁS NA FEIRA DA VILA. NÃO TINHAM MUITO, MAS DIVIDIAM TUDO COM UM SORRISO: O PÃO DO CAFÉ DA MANHÃ, O COBERTOR NAS NOITES FRIAS E AS HISTÓRIAS ANTES DE DORMIR.

DESDE PEQUENA, LILA GOSTAVA DE CAMINHAR ATÉ O RIACHO DEPOIS DE AJUDAR A AVÓ. O RIACHO ERA COMO UM AMIGO SILENCIOSO. SUSSURRAVA SEGREDOS EM SUA CORRENTEZA E DEIXAVA QUE ELA MOLHASSE OS PÉS NAS PEDRAS LISAS. ELA SONHAVA ACORDADA ALI, SENTADA À SOMBRA DOS SALGUEIROS, IMAGINANDO MUNDOS ALÉM DAS COLINAS QUE CERCAVAM SUA VILA. MUNDOS ONDE AS PESSOAS VOAVAM EM BORBOLETAS GIGANTES E BEBÊS RIAM DENTRO DAS FLORES.

NUM DIA ESPECIALMENTE QUENTE, LILA SEGUIU A TRILHA DO RIACHO MAIS ADIANTE DO QUE COSTUMAVA. PASSOU POR TRECHOS QUE NUNCA TINHA VISTO. ÁRVORES ANTIGAS FAZIAM ARCOS SOBRE SUA CABEÇA, E O SOM DA ÁGUA PARECIA MAIS FORTE, QUASE COMO UMA MELODIA. FOI QUANDO AVISTOU ALGO ESTRANHO.

ENTRE DUAS PEDRAS GRANDES, UMA FLOR PARECIA SUFOCAR. ERA UM NENÚFAR, MAS DIFERENTE DE QUALQUER UM QUE JÁ TIVESSE VISTO. SUAS PÉTALAS BRILHAVAM COMO VIDRO MOLHADO AO SOL E MUDAVAM DE COR — DO AZUL AO ROSA, DO ROSA AO DOURADO. MAS ELA ESTAVA PRESA, ESMAGADA ENTRE AS PEDRAS, TENTANDO ABRIR-SE.

LILA SE APROXIMOU COM CUIDADO. SENTIU UM CALOR LEVE AO TOCAR NAS PÉTALAS. MESMO ASSIM, DECIDIU AJUDAR.

— CALMA, FLORZINHA… — SUSSURROU, E COMEÇOU A EMPURRAR UMA DAS PEDRAS COM TODA A FORÇA QUE SEUS BRAÇOS FINOS PERMITIAM.

FOI DIFÍCIL. AS PEDRAS ERAM PESADAS E PARECIAM COLADAS À TERRA. MAS LILA NÃO DESISTIU. SUOU, RALOU OS JOELHOS, FEZ CALOS NAS MÃOS. E, POR FIM, COM UM ESTALO, UMA DAS PEDRAS SE MOVEU. A FLOR SE LIBERTOU E SE ABRIU DE IMEDIATO, COMO SE ESTIVESSE ESPERANDO SÓ AQUELE GESTO.

UM FEIXE DE LUZ SAIU DE DENTRO DA FLOR, SUBINDO COMO NÉVOA AZUL. E ENTÃO, DE DENTRO DAS PÉTALAS DANÇANTES, SURGIU UMA PEQUENA FIGURA: UMA FADA.

ELA ERA FEITA DE ÁGUA. SEU CORPO RELUZIA COMO O RIACHO SOB A LUA, E SEU VESTIDO PARECIA TER SIDO TECIDO COM GOTAS DE ORVALHO. TINHA OLHOS GRANDES E LÍMPIDOS, E ASAS TÃO FINAS QUE MAL SE VIAM.

— OBRIGADA, MENINA DE CORAÇÃO PURO — DISSE A FADA, COM UMA VOZ QUE PARECIA MÚSICA.

LILA DEU UM PASSO PARA TRÁS, ASSUSTADA, MAS NÃO CORREU. A FADA SORRIU.

— NÃO TENHA MEDO. MEU NOME É NERÍE, SOU UMA FADA DA ÁGUA. ESTAVA PRESA NESTA FLOR MÁGICA HÁ MUITOS CICLOS DA LUA. VOCÊ ME LIBERTOU. E POR ISSO, QUERO TE LEVAR AO MEU REINO, MESMO QUE POR UM DIA. VOCÊ ACEITA?

LILA ARREGALOU OS OLHOS. AQUILO NÃO ERA SONHO? TINHA CERTEZA DE QUE ESTAVA ACORDADA. OLHOU PARA SUAS MÃOS SUJAS, PARA AS PEDRAS AO REDOR. E OLHOU PARA OS OLHOS DA FADA. ERAM TÃO SINCEROS.

— SIM… EU ACEITO — SUSSURROU, QUASE SEM FÔLEGO.

A FADA ESTENDEU A MÃO. QUANDO LILA A TOCOU, SENTIU UMA ONDA DE FRESCOR E FLUTUOU. LITERALMENTE FLUTUOU. A ÁGUA DO RIACHO SUBIU COMO UM REDEMOINHO, ENVOLVEU SEU CORPO E, NUM PISCAR DE OLHOS, ELA DESAPARECEU.

O REINO DAS ÁGUAS PROFUNDAS ERA UM LUGAR COMO NENHUM OUTRO. PEIXES VOAVAM NO CÉU, RIOS CORRIAM DE CABEÇA PARA BAIXO, E AS ESTRELAS NADAVAM ENTRE BOLHAS. LILA DESCEU NUM SALÃO DE CRISTAL, ONDE OUTRAS FADAS A ESPERAVAM COM COROAS FEITAS DE MUSGO E CANÇÕES EM LÍNGUAS QUE ELA NÃO CONHECIA, MAS ENTENDIA COM O CORAÇÃO.

ELA PASSOU O DIA MERGULHADA EM MARAVILHAS. MONTOU NUM CARAMUJO GIGANTE QUE ANDAVA DEVAGAR PELO FUNDO DE UM LAGO DE ARCO-ÍRIS. BRINCOU COM PEIXINHOS QUE PULAVAM COMO SAPOS. BANHOU-SE NUMA CACHOEIRA QUE CONTAVA HISTÓRIAS EM CADA GOTA.

AS FADAS SE ENCANTARAM COM LILA — SUA SIMPLICIDADE, SUA CORAGEM, SUA BONDADE. NERÍE A LEVOU A UM JARDIM ONDE AS FLORES SÓ DESABROCHAVAM COM RISOS. E LILA RIU TANTO, TÃO DE VERDADE, QUE TODO O JARDIM FLORESCEU DE UMA VEZ.

MAS COMO TODO SONHO, AQUELE DIA MÁGICO TEVE FIM.

— O TEMPO DOS HUMANOS CORRE RÁPIDO — DISSE NERÍE, ACARICIANDO OS CABELOS DE LILA. — JÁ ESTÁ NA HORA DE VOLTAR.

LILA SENTIU O CORAÇÃO APERTAR.

— EU QUERIA FICAR MAIS…

— E NÓS TAMBÉM. MAS SEU MUNDO PRECISA DE VOCÊ. AINDA ASSIM, QUERO QUE LEVE ALGO NOSSO. NÃO COMO PAGAMENTO, MAS COMO SÍMBOLO DE NOSSA AMIZADE.

NERÍE ENTREGOU-LHE UMA PEQUENA PULSEIRA DE PRATA. ERA FINA COMO UM FIO DE LUAR, COM UMA PEDRINHA AZUL QUE PARECIA CONTER UM PEDAÇO DO CÉU.

— ENQUANTO USÁ-LA, TERÁ SORTE E SAÚDE. MAS MAIS DO QUE ISSO: ELA GUARDARÁ SUA MEMÓRIA DESTE DIA. QUANDO ESTIVER TRISTE, TOQUE NELA E LEMBRARÁ QUE A MAGIA EXISTE, MESMO QUE ESCONDIDA.

LILA AGRADECEU COM OS OLHOS CHEIOS D’ÁGUA. E NUM REDEMOINHO DE LUZ, VOLTOU.

ACORDOU À BEIRA DO RIACHO, COMO SE TIVESSE DORMIDO ALI. AS PEDRAS AINDA ESTAVAM NO LUGAR, MAS A FLOR MÁGICA TINHA DESAPARECIDO. SENTIU-SE CONFUSA POR UM MOMENTO, MAS ENTÃO VIU: NO PULSO, A PULSEIRA PRATEADA BRILHAVA SOB O SOL.

ELA CORREU PARA CASA. SUA AVÓ FICOU ALIVIADA POR VÊ-LA BEM E NÃO ACREDITOU MUITO NA HISTÓRIA DE FADAS E REINOS AQUÁTICOS. MAS QUANDO LILA FICOU DOENTE ALGUMAS SEMANAS DEPOIS E SE RECUPEROU EM DOIS DIAS — ALGO QUE NUNCA TINHA ACONTECIDO —, A AVÓ PASSOU A OLHAR PARA A PULSEIRA COM OUTROS OLHOS.

OS MESES PASSARAM. LILA CRESCEU, MAS NUNCA DEIXOU DE VISITAR O RIACHO. SUA SORTE ERA EVIDENTE. SEMPRE ENCONTRAVA O QUE PRECISAVA, NUNCA SE FERIU COM GRAVIDADE, E MESMO NAS PIORES SECAS, SUAS PLANTAÇÕES CRESCIAM MAIS VERDES. AS PESSOAS DA VILA COMEÇARAM A DIZER QUE LILA TINHA ALGO ESPECIAL. MAS ELA NUNCA CONTOU TUDO. GUARDOU A HISTÓRIA PARA SI, COMO UM SEGREDO PRECIOSO.

DE VEZ EM QUANDO, TOCAVA NA PULSEIRA E SENTIA A BRISA FRESCA DO REINO DAS ÁGUAS PROFUNDAS. E SABIA QUE, EM ALGUM LUGAR, NERÍE E SUAS IRMÃS AINDA DANÇAVAM SOB AS CACHOEIRAS ENCANTADAS.

E TALVEZ — SÓ TALVEZ — AINDA ESTIVESSEM ESPERANDO QUE LILA VOLTASSE, UM DIA.