ERA UMA MANHÃ ENSOLARADA NA VILA DE MAR AZUL, UM LUGAR CALMO CERCADO POR MONTANHAS VERDES E UM MAR TÃO LÍMPIDO QUE OS PEIXES PARECIAM VOAR SOB A ÁGUA. LILI, UMA MENINA DE DEZ ANOS, ADORAVA EXPLORAR A NATUREZA AO REDOR DA VILA. DE PÉS DESCALÇOS E CABELOS ENCARACOLADOS SOLTOS AO VENTO, ELA PASSAVA HORAS CAMINHANDO PELAS TRILHAS, OBSERVANDO BORBOLETAS E OUVINDO O CANTO DOS PASSARINHOS. MAS O QUE ELA MAIS GOSTAVA MESMO ERA DO RIACHO QUE DESCIA DA MONTANHA ATÉ O MAR, CHEIO DE PEDRAS ESCORREGADIAS E ÁGUAS GELADAS QUE FAZIAM CÓCEGAS NOS TORNOZELOS.

NUMA DESSAS MANHÃS, LILI CAMINHAVA PELO RIACHO QUANDO OUVIU UM SOM DIFERENTE. ERA UM RUÍDO SUAVE, COMO SE ALGO PEQUENO ESTIVESSE LUTANDO PARA SE MOVER. CURIOSA, ELA SE ABAIXOU E COMEÇOU A VASCULHAR ENTRE AS PEDRAS, ATÉ ENCONTRAR UM PEQUENO PEIXE AZUL PRESO ENTRE DUAS ROCHAS. SUAS NADADEIRAS SE AGITAVAM COM ESFORÇO, E SEUS OLHOS PARECIAM PEDIR AJUDA.

— AH, VOCÊ ESTÁ PRESO! — EXCLAMOU LILI, JÁ AJOELHADA AO LADO DO PEIXINHO. — NÃO SE PREOCUPE, EU VOU TE TIRAR DAÍ.

COM MÃOS CUIDADOSAS, ELA AFASTOU LENTAMENTE AS PEDRAS. FOI UM TRABALHO DELICADO, MAS FINALMENTE O ESPAÇO FICOU GRANDE O SUFICIENTE PARA QUE O PEIXINHO CONSEGUISSE SE SOLTAR. ELE DEU UM SALTO PARA FORA DO APERTO E NADOU LIVRE, GIRANDO UMA VEZ NO AR COMO SE ESTIVESSE AGRADECENDO, ANTES DE DESAPARECER NA CORRENTEZA.

— DE NADA, PEIXINHO! — DISSE LILI COM UM SORRISO, AINDA SENTADA ENTRE AS PEDRAS. — ESPERO QUE ENCONTRE O CAMINHO DE VOLTA.

NAQUELA NOITE, JÁ EM SUA CAMA, LILI ADORMECEU COM UMA SENSAÇÃO BOA NO PEITO. SEU SONO FOI TRANQUILO, MAS LOGO SE VIU DENTRO DE UM JARDIM MÁGICO, CHEIO DE LUZES QUE DANÇAVAM COMO VAGA-LUMES. NO CENTRO DO JARDIM, HAVIA UMA MULHER COM ASAS TRANSPARENTES E UM VESTIDO FEITO DE NEBLINA E ESTRELAS. ELA BRILHAVA COMO A LUA, E SEUS OLHOS ERAM PROFUNDOS COMO O OCEANO.

— OLÁ, LILI — DISSE A MULHER COM VOZ SUAVE. — SOU A FADA NERINA, GUARDIÃ DAS ÁGUAS. VOCÊ SALVOU UMA CRIATURA DO MEU REINO. POR ISSO, VIM LHE AGRADECER.

LILI, ENCANTADA, ARREGALOU OS OLHOS.

— ERA SÓ UM PEIXINHO...

— PARA VOCÊ, TALVEZ. MAS CADA VIDA IMPORTA. E VOCÊ MOSTROU CORAGEM E BONDADE. POR ISSO, QUERO LHE DAR UM PRESENTE.

A FADA ESTENDEU A MÃO, E NELA SURGIU UM COLAR DOURADO COM UM PINGENTE EM FORMA DE GOTA D’ÁGUA. ELE BRILHAVA COM UMA LUZ AZUL SUAVE E PULSAVA COMO UM PEQUENO CORAÇÃO.

— ESTE É O COLAR DA VERDADE — EXPLICOU A FADA. — ELE BRILHARÁ SEMPRE QUE ALGUÉM ESTIVER DIZENDO A VERDADE. USE-O COM SABEDORIA.

ANTES QUE LILI PUDESSE RESPONDER, O JARDIM COMEÇOU A DESAPARECER EM NEBLINA, E ELA ACORDOU COM O CORAÇÃO ACELERADO. POR UM INSTANTE, ACHOU QUE HAVIA SIDO APENAS UM SONHO…, MAS QUANDO OLHOU PARA A PALMA DA MÃO, LÁ ESTAVA O COLAR.

ELA PULOU DA CAMA E CORREU ATÉ A COZINHA PARA MOSTRAR À AVÓ, QUE JÁ PREPARAVA O CAFÉ DA MANHÃ.

— VOVÓ, OLHA O QUE EU GANHEI!

— QUE COLAR LINDO! ONDE VOCÊ CONSEGUIU?

— A FADA ME DEU... NO SONHO. MAS ELE APARECEU QUANDO EU ACORDEI!

A AVÓ RIU SUAVEMENTE E BEIJOU A TESTA DA MENINA.

— SONHOS TÊM MAIS PODER DO QUE IMAGINAMOS, MINHA FLOR.

LILI COLOCOU O COLAR NO PESCOÇO, E ELE BRILHOU POR UM SEGUNDO. ELA ACHOU CURIOSO, MAS NÃO COMENTOU.

NA ESCOLA, DURANTE O RECREIO, LILI TEVE A IDEIA DE TESTAR SEU PRESENTE. CHEGOU PARA SUA AMIGA JÚLIA, QUE ONTEM HAVIA NEGADO TER COMIDO O ÚLTIMO PEDAÇO DO BOLO.

— VOCÊ COMEU O PEDAÇO DE BOLO DA LANCHEIRA DA CLARA?

— EU? NÃÃÃO! — DISSE JÚLIA, MAS O COLAR PERMANECEU APAGADO.

MAIS TARDE, A PRÓPRIA JÚLIA SE APROXIMOU, MEIO SEM JEITO.

— ESTÁ BOM... FUI EU QUE COMI. DESCULPA, LILI.

O COLAR BRILHOU DE REPENTE, RELUZENTE COMO UMA ESTRELA NO PESCOÇO DA MENINA.

FOI ENTÃO QUE LILI SOUBE: O COLAR FUNCIONAVA MESMO.

DESDE ESSE DIA, ELA COMEÇOU A AJUDAR ONDE PODIA. SEMPRE QUE SURGIA UMA DÚVIDA, UM MAL-ENTENDIDO OU UM PROBLEMA ENTRE AMIGOS, LÁ ESTAVA LILI COM SEU COLAR.

CERTA VEZ, A PROFESSORA MARIANA ENTROU AFLITA NA SALA. A PULSEIRA DE PRATA QUE GANHARA DA MÃE HAVIA SUMIDO DE SUA GAVETA. ERA MUITO ESPECIAL PARA ELA, E NINGUÉM ASSUMIA TÊ-LA pegado.

— POR FAVOR, CRIANÇAS, SE ALGUÉM VIU A PULSEIRA, FALE COMIGO — PEDIU A PROFESSORA, COM OS OLHOS MAREJADOS.

LILI PEDIU PERMISSÃO E COMEÇOU A CONVERSAR COM OS COLEGAS. PASSOU DE CARTEIRA EM CARTEIRA, PERGUNTANDO COM DELICADEZA.

PEDRO DISSE QUE NÃO SABIA DE NADA, E O COLAR FICOU APAGADO. ANA TAMBÉM NEGOU, E NOVAMENTE NADA ACONTECEU. MATEUS FALOU COM FIRMEZA QUE NÃO HAVIA PEGADO, E TUDO CONTINUAVA IGUAL.

MAS QUANDO CHEGOU A CAIO, ELE DISSE “CLARO QUE NÃO!” COM TANTA PRESSA QUE LILI DESCONFIOU. O COLAR, NO ENTANTO, TAMBÉM NÃO BRILHOU.

JÁ VOLTANDO AO SEU LUGAR, LILI PAROU DIANTE DE ANA NOVAMENTE. ALGO EM SEU OLHAR FEZ COM QUE VOLTASSE A PERGUNTAR:

— ANA, FOI VOCÊ?

A MENINA HESITOU. APÓS UM LONGO SILÊNCIO, DISSE BAIXINHO:

— EU SÓ QUERIA VER DE PERTO…, MAS A PULSEIRA CAIU E QUEBROU SEM QUERER...

O COLAR BRILHOU INTENSAMENTE. TODOS OLHARAM SURPRESOS.

A PROFESSORA SE AJOELHOU DIANTE DE ANA E A ABRAÇOU.

— OBRIGADA POR TER DITO A VERDADE, MINHA QUERIDA. VAMOS CONSERTÁ-LA JUNTAS, TUDO BEM?

ANA ASSENTIU, ALIVIADA.

LILI ENTENDEU ENTÃO QUE A VERDADE, MESMO DIFÍCIL, ERA MELHOR QUE QUALQUER MENTIRA.

COM O PASSAR DOS DIAS, A VILA INTEIRA SOUBE DO PODER DO COLAR DA VERDADE. PESSOAS VINHAM DE LONGE PARA PEDIR AJUDA. UM DIA, A SENHORA IVONE CHORAVA NA PRAÇA. SUA CAIXA DE MOEDAS HAVIA SUMIDO — ERA O DINHEIRO DAS VENDAS DA SEMANA.

LILI CONVERSOU COM TODOS OS FEIRANTES. NINGUÉM SABIA DE NADA, E O COLAR NÃO BRILHOU. MAS ATRÁS DE UMA BARRACA, ELA VIU RAFA, UM MENINO QUE SEMPRE APRONTAVA TRAVESSURAS.

— RAFA, VOCÊ VIU A CAIXA?

— EU? NUNCA! — RESPONDEU ELE RÁPIDO DEMAIS. MAS O COLAR BRILHOU... SUAVEMENTE.

— VOCÊ ESTÁ DIZENDO A VERDADE? — INSISTIU LILI.

— SIM. EU VI QUEM PEGOU, MAS PROMETI NÃO CONTAR. ENTÃO... NÃO FUI EU.

O COLAR BRILHOU MAIS FORTE. LILI COMPREENDEU QUE O COLAR TAMBÉM RECONHECIA INTENÇÕES SINCERAS, MESMO QUANDO A VERDADE VINHA INCOMPLETA.

— VOCÊ PODE ME MOSTRAR ONDE ELA ESTÁ?

NO DIA SEGUINTE, RAFA LEVOU LILI ATÉ UM GALPÃO VELHO. A CAIXA ESTAVA LÁ, INTACTA. O MENINO QUE A PEGARA JÁ HAVIA IDO EMBORA DA VILA.

DONA IVONE RECUPEROU SUAS MOEDAS E DEU A LILI UM PÃO DOCE QUENTINHO. MAS O MAIOR PRESENTE FOI VER RAFA GANHANDO A CONFIANÇA DAS PESSOAS POR TER ESCOLHIDO AJUDAR.

ALGUMAS SEMANAS DEPOIS, UM HOMEM ESTRANHO CHEGOU À VILA. VESTIA UM TERNO ESCURO E DIZIA TRABALHAR PARA UMA ORGANIZAÇÃO QUE RECOLHIA “OBJETOS MÁGICOS PERIGOSOS”.

— SABEMOS QUE VOCÊ TEM UM COLAR ESPECIAL. ELE PRECISA SER LEVADO PARA SEGURANÇA MÁXIMA — DISSE ELE, COM UM SORRISO FRIO.

— VOCÊ ESTÁ DIZENDO A VERDADE? — PERGUNTOU LILI.

— CLARO. SÓ QUEREMOS PROTEGÊ-LO.

MAS O COLAR NÃO BRILHOU.

ELA RECUOU, DESCONFIADA. QUANDO TENTOU CORRER, O HOMEM A SEGUIU. MAS A VILA INTEIRA SE LEVANTOU PARA DEFENDÊ-LA. A VOVÓ CLARA, COM SUA BENGALA NA MÃO, GRITOU:

— AQUI NINGUÉM MEXE COM A LILI!

O HOMEM DESAPARECEU, FRUSTRADO. E LILI APRENDEU QUE O PODER DA VERDADE ATRAI TAMBÉM OS QUE QUEREM USÁ-LA PARA O MAL.

COM O TEMPO, MAIS PESSOAS VINHAM OFERECER DINHEIRO PELO COLAR. UMA MULHER RICA CERTA VEZ APARECEU COM UMA MALA CHEIA DE MOEDAS DE OURO.

— COM ESSE COLAR, EU POSSO SABER O QUE TODOS PENSAM. VOCÊ NÃO PRECISA MAIS DELE. COM ESSE DINHEIRO, PODE FAZER O QUE QUISER.

LILI PENSOU POR UM MOMENTO. PODERIA AJUDAR A ESCOLA, AS CRIANÇAS, ATÉ CONSERTAR A BIBLIOTECA. MAS OLHOU PARA O COLAR E PERGUNTOU:

— EU DEVO VENDÊ-LO?

O COLAR NÃO BRILHOU.

ELA ENTÃO PENSOU NAS PESSOAS QUE AINDA PODIA AJUDAR, E DISSE:

— NÃO. AINDA NÃO TERMINEI MINHA MISSÃO.

O COLAR BRILHOU COMO NUNCA.

A MULHER COMPREENDEU E FOI EMBORA EM SILÊNCIO.

ANOS SE PASSARAM. LILI CRESCEU, E O COLAR PERMANECEU COM ELA. MAS UM DIA, ENQUANTO CAMINHAVA PELO MESMO RIACHO ONDE HAVIA SALVADO O PEIXINHO, VIU UMA MENINA PEQUENA TENTANDO SOLTAR UMA TARTARUGUINHA PRESA ENTRE RAÍZES.

A MENINA CONSEGUIU LIBERTAR O ANIMAL E SORRIU, ENCANTADA.

LILI SE APROXIMOU, EMOCIONADA COM A CENA.

— VOCÊ TEM UM CORAÇÃO MUITO BOM — DISSE.

— EU SÓ NÃO QUERIA QUE ELA SE MACHUCASSE — RESPONDEU A MENINA.

LILI TIROU O COLAR DO PESCOÇO.

— ESTE COLAR É MÁGICO. ELE FOI ME DADO POR UMA FADA. AGORA, ACHO QUE CHEGOU A SUA VEZ DE USÁ-LO.

A MENINA PEGOU O COLAR COM CUIDADO, ENQUANTO SEUS OLHOS BRILHAVAM DE ADMIRAÇÃO.

NAQUELA NOITE, LILI SONHOU NOVAMENTE COM A FADA NERINA.

— VOCÊ USOU BEM O PRESENTE QUE LHE DEI — DISSE A FADA. — AGORA, OUTRO CORAÇÃO GENEROSO CONTINUARÁ ESSA MISSÃO.