HÁ MUITO, MUITO TEMPO, EM UM REINO ESCONDIDO ENTRE VALES PROFUNDOS E FLORESTAS MÁGICAS, VIVEU UMA RAINHA COMO NENHUMA OUTRA. SEU NOME ERA YARA, E ELA GOVERNAVA O REINO DE ELUNARA COM JUSTIÇA, SABEDORIA E UM CORAÇÃO TÃO GENEROSO QUANTO OS VENTOS QUE SOPRAVAM LIVRES PELAS MONTANHAS.

MAS O QUE TORNAVA YARA REALMENTE ESPECIAL ERA SEU DOM EXTRAORDINÁRIO: ELA PODIA CONVERSAR COM OS ANIMAIS E CONTROLAR O CLIMA COM O PODER DE SUA VOZ E DE SEU ESPÍRITO. QUANDO OS RIOS SECAVAM, BASTAVA UM SUSSURRO DELA PARA A CHUVA CAIR. QUANDO UMA CRIANÇA SE PERDIA NA MATA, YARA FALAVA COM OS PÁSSAROS, QUE VOAVAM EM BUSCA DO PEQUENO PERDIDO ATÉ TRAZÊ-LO DE VOLTA EM SEGURANÇA.

OS HABITANTES DE ELUNARA A CHAMAVAM DE RAINHA DA MONTANHA SAGRADA, POIS ERA LÁ, NO ALTO DA MONTANHA MAIS ANTIGA DO REINO, QUE ELA SE CONECTAVA COM OS ESPÍRITOS DA NATUREZA E COM OS SEGREDOS DO UNIVERSO.

MAS UM DIA, ALGO ESTRANHO ACONTECEU.

YARA SUBIU SOZINHA ATÉ O TOPO DA MONTANHA SAGRADA, LEVANDO APENAS SEU MANTO DE FOLHAS DOURADAS E O COLAR DE CRISTAIS QUE A LIGAVA AOS ELEMENTOS. UMA TEMPESTADE APARECEU DO NADA — RELÂMPAGOS RISCAVAM O CÉU, E OS VENTOS RUGIAM COMO LEÕES FURIOSOS. QUANDO OS RAIOS CESSARAM E O SOL VOLTOU A BRILHAR, A RAINHA HAVIA DESAPARECIDO.

NÃO RESTAVA NEM PEGADA, NEM MANTO, NEM JOIA. APENAS UMA ÁRVORE CRESCIA ALI, ONDE ANTES HAVIA PEDRA NUA — UMA ÁRVORE TÃO ALTA E MAJESTOSA QUE PARECIA TOCAR O CÉU. SEU TRONCO ERA PRATEADO COMO A LUZ DA LUA, E SUAS FOLHAS CANTAVAM COM O VENTO.

DESDE ENTÃO, NINGUÉM MAIS VIU A RAINHA YARA. MAS OS ANCIÃOS DIZIAM QUE ELA NÃO HAVIA MORRIDO. ELES CONTAVAM QUE ELA SE TORNARA O ESPÍRITO DA MONTANHA SAGRADA, VIGIANDO O REINO DE CIMA, PROTEGENDO OS VIAJANTES, GUIANDO OS PERDIDOS, E MANTENDO A HARMONIA ENTRE OS HUMANOS E A NATUREZA.

MUITAS CRIANÇAS CRESCERAM OUVINDO ESSA HISTÓRIA. UMA DELAS, CHAMADA KAEL, ERA ESPECIALMENTE CURIOSA. ELE SONHAVA EM CONHECER A RAINHA E OUVIR COM SEUS PRÓPRIOS OUVIDOS A MÚSICA DAS FOLHAS MÁGICAS.

— ELA ESTÁ DORMINDO OU ACORDADA? — PERGUNTAVA KAEL AO AVÔ.

— ELA ESTÁ ENTRE OS DOIS MUNDOS — RESPONDIA O VELHO COM UM SORRISO. — QUANDO O POVO PRECISA DELA, ELA DESPERTA.

UM DIA, UMA SECA TERRÍVEL ATINGIU ELUNARA. OS RIOS SECARAM, OS ANIMAIS FUGIRAM, E O CÉU PARECIA TER ESQUECIDO COMO CHORAR.

DESESPERADO, KAEL DECIDIU SUBIR A MONTANHA SAGRADA. ENFRENTOU TRILHAS ÍNGREMES, LOBOS FAMINTOS E NOITES GELADAS. MAS COM CORAGEM E GENTILEZA, ELE AJUDAVA OS ANIMAIS FERIDOS, PARTILHAVA SUA COMIDA E FALAVA COM AS ÁRVORES, COMO YARA UM DIA ENSINARA.

NO TOPO, KAEL ENCONTROU A GRANDE ÁRVORE PRATEADA. EM SILÊNCIO, AJOELHOU-SE E PEDIU AJUDA, NÃO PARA SI, MAS PARA TODO O REINO.

FOI ENTÃO QUE AS FOLHAS DA ÁRVORE COMEÇARAM A DANÇAR. O CÉU ESCURECEU, E UMA NÉVOA DOURADA DESCEU DA COPA. DELA SURGIU A IMAGEM LUMINOSA DE YARA, ENVOLTA EM VENTO E LUZ.

— VOCÊ TEM UM CORAÇÃO PURO, KAEL — DISSE A RAINHA. — E POR ISSO, TE CONCEDO O DOM DE GUARDAR A PAZ ENTRE O MUNDO DOS HOMENS E O DA NATUREZA.

E COM UM TOQUE NO OMBRO DO MENINO, YARA DESAPARECEU NOVAMENTE NA NÉVOA.

CHOVEU POR SETE DIAS E SETE NOITES. AS COLHEITAS FLORESCERAM. OS ANIMAIS VOLTARAM. E KAEL SE TORNOU O NOVO GUARDIÃO DA MONTANHA SAGRADA.

KAEL DESCEU A MONTANHA SOB UMA CHUVA MANSA E DOURADA. CADA GOTA PARECIA CANTAR AO CAIR, COMO SE O PRÓPRIO CÉU ESTIVESSE FELIZ COM O RETORNO DA HARMONIA. OS MORADORES DE ELUNARA CORRERAM PARA FORA DE SUAS CASAS, OLHOS ERGUIDOS, BRAÇOS ABERTOS, SORRISOS LARGOS. HAVIA VIDA NOS CAMPOS DE NOVO, E ESPERANÇA EM CADA OLHAR.

MAS ALGO EM KAEL HAVIA MUDADO.

SEUS OLHOS, ANTES CURIOSOS, AGORA CARREGAVAM A CALMA DE QUEM CONHECE O SILÊNCIO DAS ESTRELAS. ELE NÃO CONTOU A NINGUÉM SOBRE O ENCONTRO COM A RAINHA YARA. SABIA QUE CERTAS COISAS PERTENCEM AO CORAÇÃO, NÃO AOS OUVIDOS.

PORÉM, À MEDIDA QUE OS DIAS PASSAVAM, OS ANIMAIS COMEÇARAM A SE APROXIMAR DELE COM MAIS FREQUÊNCIA. RAPOSAS VINHAM DORMIR À PORTA DE SUA CASA. CORUJAS POUSAVAM EM SUA JANELA À NOITE, COMO SE LHE CONTASSEM SEGREDOS ANTIGOS. E AS CRIANÇAS DO VILAREJO COMEÇARAM A CHAMÁ-LO DE “O MENINO DA MONTANHA”.

CERTA MANHÃ, ENQUANTO KAEL AJUDAVA SUA AVÓ A COLHER ERVAS NA ENCOSTA DA COLINA, UM ESQUILO CINZENTO CORREU ATÉ ELE COM OS OLHOS ARREGALADOS.

— ALGO ESTÁ ERRADO NA FLORESTA — DISSE O PEQUENO ANIMAL, OFEGANTE. — O RIO ESTÁ CANTANDO ERRADO.

KAEL FRANZIU A TESTA. PEGOU SUA CAPA DE LÃ E PARTIU SEM DEMORA.

AO CHEGAR PERTO DO RIO ESTEL, NOTOU QUE AS ÁGUAS ESTAVAM TURVAS, E UM SOM ESTRANHO ECOAVA DAS MARGENS. ERA COMO SE ALGO ESTIVESSE SUSSURRANDO EM UMA LÍNGUA ESQUECIDA. ÁRVORES MURCHAVAM AO REDOR. OS PEIXES NADAVAM EM CÍRCULOS, DESORIENTADOS.

FOI ENTÃO QUE VIU: UMA ROCHA NEGRA, DO TAMANHO DE UM LOBO, ESTAVA CRAVADA NO LEITO DO RIO. DE DENTRO DELA SAIA UMA FUMAÇA ESCURA QUE SUBIA COMO TENTÁCULOS NO AR. KAEL SE APROXIMOU E OUVIU. A PEDRA CHORAVA.

— QUEM É VOCÊ? — PERGUNTOU O MENINO.

A ROCHA RESPONDEU NUMA VOZ GRAVE E ANTIGA:

— FUI LANÇADA AQUI PELO RANCOR DE CORAÇÕES HUMANOS. VENHO DE LONGE, DE TERRAS ONDE A NATUREZA FOI ESQUECIDA. ONDE OS HOMENS CORTAM AS ÁRVORES SEM PEDIR LICENÇA. ONDE OS ANIMAIS FOGEM SEM SABER PARA ONDE. SOU FEITA DE MÁGOA.

KAEL SE AJOELHOU, COLOCOU AS MÃOS SOBRE A PEDRA E FECHOU OS OLHOS. RESPIROU FUNDO. E COMEÇOU A CANTAR. UMA CANÇÃO QUE SUA AVÓ LHE ENSINARA, PASSADA DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO, UMA MELODIA SUAVE SOBRE RAÍZES, FOLHAS E VENTO.

A FUMAÇA DIMINUIU.

A ROCHA TRINCOU.

E ENTÃO... SE DESFEZ EM CINZAS.

O RIO CLAREOU. OS PEIXES SALTARAM. UM ARCO-ÍRIS SE FORMOU ENTRE AS ÁRVORES.

MAS KAEL SOUBE, NAQUELE INSTANTE, QUE AQUELA PEDRA ERA SÓ A PRIMEIRA.

NAQUELA NOITE, KAEL SONHOU COM A RAINHA YARA. ELA ESTAVA SENTADA SOB A GRANDE ÁRVORE PRATEADA, MAS SEU ROSTO ESTAVA SOMBREADO.

— ALGO ANTIGO DESPERTA — DISSE ELA. — ALGO QUE DORMIU POR SÉCULOS SOB AS TERRAS FRIAS DO NORTE.

— O QUE DEVO FAZER? — PERGUNTOU O MENINO.

— APRENDER. NÃO BASTA OUVIR A NATUREZA. AGORA, VOCÊ PRECISA COMPREENDER AS VOZES MAIS ANTIGAS.

QUANDO ACORDOU, KAEL DECIDIU PARTIR EM VIAGEM. PEGOU UM CAJADO QUE PERTENCIA AO SEU AVÔ, UMA FLAUTA DE MADEIRA, E PARTIU RUMO AO NORTE, ONDE MONTANHAS GELADAS E FLORESTAS ESQUECIDAS GUARDAVAM HISTÓRIAS QUE NEM OS LIVROS OUSAVAM CONTAR.

KAEL NÃO VIAJOU SOZINHO POR MUITO TEMPO. AO ATRAVESSAR O VALE DA NÉVOA AZUL, ENCONTROU UMA JOVEM CHAMADA LIRA, QUE TINHA CABELOS COR DE COBRE E OLHOS DE ÁGUIA. ELA ERA FILHA DE CURANDEIROS E SABIA FALAR COM AS PEDRAS.

— SENTI O CHAMADO DA MONTANHA — DISSE LIRA, AO ENCONTRAR KAEL. — ALGO QUER SER CURADO, MAS ESTÁ ESCONDIDO.

JUNTOS, SEGUIRAM PELAS FLORESTAS DO NORTE, ONDE ENCONTRARAM BRAN, UM URSO VELHO E SÁBIO, QUE FALAVA EM RIMAS E SABIA DE HISTÓRIAS QUE NENHUM HUMANO LEMBRAVA.

— HÁ UMA COISA ENTERRADA NO CORAÇÃO DO MUNDO — ROSNOU ELE. — UM ESPÍRITO DE DESTRUIÇÃO, QUE ACORDA TODA VEZ QUE OS HOMENS ESQUECEM DE ESCUTAR A TERRA.

— COMO PODEMOS IMPEDI-LO? — PERGUNTOU KAEL.

— COM CORAGEM, UNIÃO E LEMBRANÇA. VOCÊS PRECISARÃO ENTRAR NA CÂMARA DAS RAÍZES, ONDE MORA O ESPÍRITO DA PRIMEIRA SEMENTE. ELA GUARDA A MEMÓRIA DA FLORESTA.

MAS A ENTRADA PARA A CÂMARA ESTAVA SELADA. APENAS QUEM DOMINASSE OS QUATRO CANTOS DA NATUREZA — TERRA, ÁGUA, FOGO E AR — PODERIA ENTRAR.

KAEL E LIRA ENFRENTARAM DESAFIOS PARA DOMINAR OS ELEMENTOS.

TERRA: EM UMA CAVERNA VIVA, ENFRENTARAM FORMIGAS GIGANTES QUE PROTEGIAM O SEGREDO DO SOLO FÉRTIL. COM EMPATIA, LIRA ENSINOU ÀS FORMIGAS UMA NOVA FORMA DE PLANTAR SEM DESTRUIR SEUS NINHOS.

ÁGUA: NO LAGO DAS LEMBRANÇAS, KAEL TEVE DE ENFRENTAR SEUS MEDOS E MERGULHAR EM ÁGUAS PROFUNDAS ONDE VIVE UMA SERPENTE FEITA DE ESPELHOS. ELE MOSTROU SUA VERDADE INTERIOR — SUA DOR E ESPERANÇA — E A SERPENTE DESAPARECEU, DEIXANDO UMA LÁGRIMA DE CRISTAL.

FOGO: NA MONTANHA DAS CHAMAS SILENCIOSAS, APRENDERAM A CONTROLAR O FOGO COM DANÇA E RESPIRAÇÃO. O FOGO NÃO ERA INIMIGO, MAS SIM UMA FORÇA QUE PEDIA RESPEITO.

AR: POR FIM, ESCALARAM A TORRE DOS VENTOS E TOCARAM UMA MÚSICA COM A FLAUTA DE KAEL. O VENTO OS OUVIU E, POR UM INSTANTE, DANÇOU AO REDOR DELES, ABRINDO A PASSAGEM PARA A ÚLTIMA JORNADA.

NO CORAÇÃO DA FLORESTA MAIS ANTIGA, SOB A TERRA VIVA E PULSANTE, KAEL E LIRA ENCONTRARAM A CÂMARA DAS RAÍZES. ERA COMO ESTAR DENTRO DO TRONCO DE UMA ÁRVORE GIGANTE. NO CENTRO, UMA SEMENTE FLUTUAVA, ENVOLTA EM LUZ DOURADA.

MAS A SOMBRA OS ESPERAVA.

ERA UMA CRIATURA SEM FORMA, FEITA DE FUMAÇA E RUÍDO. TINHA MIL VOZES, TODAS DIZENDO “ESQUEÇAM”, “TOMEM”, “USEM”, “QUEBREM”. ERA O ESPÍRITO DA INDIFERENÇA, QUE CRESCE QUANDO O RESPEITO MORRE.

A CRIATURA AVANÇOU SOBRE ELES, TENTANDO APAGAR A LUZ DA SEMENTE.

KAEL ENTÃO TOCOU A FLAUTA.

LIRA COLOCOU SUAS MÃOS NO CHÃO.

E JUNTOS, LEMBRARAM: O NOME DA SEMENTE ERA ESPERANÇA.

A LUZ BRILHOU.

A SOMBRA GRITOU, TENTANDO RESISTIR.

MAS ONDE HÁ LEMBRANÇA, CUIDADO E AMOR, A ESCURIDÃO NÃO REINA POR MUITO TEMPO.

COM UM ÚLTIMO SOM, SUAVE COMO O VENTO NAS FOLHAS, A CRIATURA SE DISSOLVEU.

A FLORESTA SUSPIROU.

QUANDO VOLTARAM A ELUNARA, KAEL E LIRA FORAM RECEBIDOS COMO HERÓIS. MAS RECUSARAM COROAS OU TÍTULOS. EM VEZ DISSO, FUNDARAM A ORDEM DOS GUARDIÕES DA MONTANHA, UM GRUPO DE JOVENS E VELHOS QUE OUVIAM A TERRA, CUIDAVAM DOS RIOS E ENSINAVAM A PRÓXIMA GERAÇÃO A AMAR, NÃO TEMER, A NATUREZA.

BRAN VOLTOU PARA SEU SONO NAS CAVERNAS, MAS DIZIA QUE UM DIA ACORDARIA NOVAMENTE, QUANDO FOSSE CHAMADO.

QUANTO A KAEL... ELE VISITAVA A MONTANHA SAGRADA TODA LUA CHEIA, SENTAVA-SE SOB A ÁRVORE PRATEADA E CONVERSAVA COM YARA. ÀS VEZES, O VENTO TRAZIA SUAS PALAVRAS DE VOLTA. OUTRAS VEZES, BASTAVA O SILÊNCIO PARA SABER: ELA ESTAVA ALI.