ERA UMA VEZ, NA PEQUENA VILA DE HIMMELSTEIN, ENTRE COLINAS VERDES E CAMPOS FLORIDOS, UMA GAROTINHA CHAMADA LINA. ELA TINHA DEZ ANOS, OLHOS COR DE MEL E UM CORAÇÃO TÃO CURIOSO QUANTO UM COELHO DIANTE DE UMA CENOURA BRILHANTE.

LINA MORAVA COM SUA AVÓ, A VOVÓ GRETA, EM UMA CASA FEITA DE PEDRAS CLARAS E TELHADO VERMELHO. VOVÓ GRETA ERA CONHECIDA POR CONTAR AS HISTÓRIAS MAIS INCRÍVEIS DA REGIÃO. E DE TODAS AS HISTÓRIAS QUE LINA JÁ OUVIRA, HAVIA UMA QUE SEMPRE FAZIA SEU CORAÇÃO BATER MAIS RÁPIDO: A LENDA DO WOLPERTINGER.

— UM QUÊ, VOVÓ? — LINA PERGUNTARA CERTA VEZ, AINDA PEQUENA.

— UM WOLPERTINGER, MINHA QUERIDA — RESPONDEU A AVÓ, COM UM SORRISO TRAVESSO. — UM ANIMAL MÁGICO QUE VIVE NAS FLORESTAS DA BAVIERA. PARECE UMA LEBRE, MAS TEM CHIFRES DE VEADO, E TALVEZ ASAS TAMBÉM. É MUITO TÍMIDO, MAS ESCONDE PODERES CURIOSOS...

LINA CRESCEU OUVINDO SOBRE ESSAS CRIATURAS. SABIA QUE SE ALIMENTAVAM DE ERVAS E RAÍZES, QUE NÃO FAZIAM MAL A HUMANOS, MAS QUE SUA SALIVA PODIA CAUSAR TUFOS DE CABELO EM LUGARES ESQUISITOS — COMO NO NARIZ OU NAS PALMAS DAS MÃOS!

— E O CHEIRO HORRÍVEL, VOVÓ? AQUILO É VERDADE?

— AH, SIM! SE SE SENTIREM AMEAÇADOS, OS WOLPERTINGERS SOLTAM UM FEDOR TÃO TERRÍVEL QUE VOCÊ VAI SE ARREPENDER DE CADA PASSO QUE DEU ATÉ CHEGAR PERTO DELES. DIZEM QUE O CHEIRO SÓ DESAPARECE DEPOIS DE SETE ANOS!

LINA NÃO SABIA SE ACREDITAVA OU NÃO. MAS ALGO DENTRO DELA — TALVEZ SUA CURIOSIDADE OU TALVEZ SUA ESPERANÇA — QUERIA MUITO ACREDITAR QUE OS WOLPERTINGERS EXISTIAM DE VERDADE.

 

NA VÉSPERA DO SEU DÉCIMO PRIMEIRO ANIVERSÁRIO, ALGO ESTRANHO ACONTECEU. A VOVÓ GRETA LHE DEU UM PRESENTE ADIANTADO: UM LIVRO ANTIGO, COM CAPA DE COURO E FOLHAS AMARELADAS. NELE, HAVIA DESENHOS DETALHADOS DE ANIMAIS FANTÁSTICOS — DRAGÕES, FADAS, TROLLS... E LÁ ESTAVA ELE: O WOLPERTINGER.

NA MARGEM DA PÁGINA, ALGUÉM HAVIA RABISCADO UMA ANOTAÇÃO:

"LUA CHEIA, FLORESTA DA BAVIERA, MULHER SOLTEIRA E BONITA. LEVE SAL."

LINA LEU AQUILO TRÊS VEZES.

— VOVÓ... ESSA ANOTAÇÃO...

— FOI SEU AVÔ QUEM ESCREVEU — DISSE A AVÓ, COM OS OLHOS MAREJADOS DE SAUDADE. — ELE TAMBÉM ACREDITAVA. UM DIA, QUANDO AINDA ÉRAMOS JOVENS, FOMOS ATÉ A FLORESTA... E QUASE CONSEGUIMOS VÊ-LO.

— VOCÊ TENTOU CAPTURAR UM WOLPERTINGER?!

— TENTAMOS, MAS ELE FOI MAIS ESPERTO. AINDA SINTO UM POUCO DO CHEIRO, ACHO — DISSE A AVÓ, RINDO E BELISCANDO O PRÓPRIO NARIZ.

LINA FICOU PENSATIVA. NAQUELA NOITE, AO OLHAR PARA O CÉU E VER A LUA CHEIA SE ERGUER REDONDA E BRILHANTE, UMA IDEIA CRESCEU EM SEU PEITO.

— E SE EU TENTASSE ENCONTRÁ-LO?

 

LINA VESTIU SUA CAPA AZUL, PEGOU UM POTINHO DE SAL E ESCONDEU UMA VELA E UM SACO DE PANO NA MOCHILA. PEDIU À VOVÓ PARA ACOMPANHÁ-LA ATÉ A ENTRADA DA FLORESTA.

— VOCÊ É SOLTEIRA E BONITA, VOVÓ. E EU SOU SUA NETA. TALVEZ O WOLPERTINGER APAREÇA!

— AH, SUA DANADA — DISSE A AVÓ, ORGULHOSA E SORRIDENTE. — ESTÁ BEM. VAMOS ATÉ A ENTRADA, MAS DEPOIS VOCÊ SEGUE SOZINHA. EU FICO NA TRILHA.

LINA CAMINHOU SOZINHA SOB A LUZ PRATEADA DA LUA, OS OLHOS ATENTOS AOS ARBUSTOS, OS OUVIDOS ATENTOS A QUALQUER ESTALO DE GALHO.

HORAS SE PASSARAM. NENHUM SINAL. NENHUM SOM.

ATÉ QUE...

— CRRRRIC...

UM RUÍDO. UM FARFALHAR LEVE, COMO O DE UM COELHO SALTANDO.

ELA SE ESCONDEU ATRÁS DE UMA ÁRVORE. E ENTÃO O VIU.

UMA CRIATURA PEQUENA, PELUDA, COM GRANDES ORELHAS E... CHIFRES. SIM, CHIFRES DE VEADO. SEUS OLHOS ERAM ESCUROS COMO NOZES E RELUZIAM SOB A LUA. ERA O WOLPERTINGER.

LINA SEGUROU A RESPIRAÇÃO.

"AGORA O SAL...", PENSOU.

COM DELICADEZA, ELA ABRIU O POTINHO. AVANÇOU PÉ ANTE PÉ.

QUANDO CHEGOU PERTO O BASTANTE, JOGOU O SAL...

MAS O WOLPERTINGER FOI MAIS RÁPIDO. PULOU PARA O LADO E OLHOU PARA ELA, CONFUSO E ASSUSTADO. EM UM SEGUNDO, BORRIFOU UM JATO DE LÍQUIDO ESPESSO QUE PARECIA VAPORIZAR NO AR. LINA TAMPOU O NARIZ E SAIU CORRENDO.

— AI! QUE FEEEEDOOOOO! — GRITOU, COM OS OLHOS LACRIMEJANDO.

MAS NÃO DESISTIU.

COM OS DEDOS TRÊMULOS, TIROU O SACO E A VELA DA MOCHILA. ACENDEU O PAVIO COM UMA PEDRINHA DE ISQUEIRO E DEIXOU A LUZ SUAVE BRILHAR LÁ DENTRO.

ESCONDEU-SE ATRÁS DE UM ARBUSTO E ESPEROU.

O WOLPERTINGER, CURIOSO, VOLTOU. APROXIMOU-SE DEVAGAR. CHEIROU O AR. ENCANTADO PELA LUZ, METEU O FOCINHO DENTRO DO SACO.

ZÁP! LINA FECHOU O SACO RAPIDAMENTE.

— PEGUEI VOCÊ!

LINA FICOU IMÓVEL POR ALGUNS SEGUNDOS, SEGURANDO O SACO APERTADO ENTRE AS MÃOS. O CORAÇÃO BATIA TÃO FORTE QUE PARECIA QUERER SAIR PULANDO ATRÁS DO WOLPERTINGER.

— EU CONSEGUI... EU CONSEGUI!

MAS ENTÃO O SACO COMEÇOU A SE MEXER. NÃO COM VIOLÊNCIA, MAS COM PEQUENOS MOVIMENTOS. ERA COMO SE A CRIATURA LÁ DENTRO ESTIVESSE TENTANDO ENTENDER O QUE HAVIA ACONTECIDO.

— CALMA... EU NÃO QUERO TE MACHUCAR — DISSE LINA, AINDA OFEGANTE. — SÓ QUERO... SÓ QUERO CONVERSAR.

ELA SE SENTOU EM UMA PEDRA LISA, SOB A LUZ DA LUA CHEIA, E AFROUXOU O NÓ DO SACO — SÓ O SUFICIENTE PARA DEIXAR O FOCINHO DO WOLPERTINGER APARECER. OS OLHOS ESCUROS ESPIARAM PARA FORA, E A CRIATURA CHEIROU O AR AO REDOR, DESCONFIADA.

— EU SOU LINA. MORO ALI NA VILA, COM A MINHA VOVÓ. VOCÊ... VOCÊ É MESMO REAL. SEMPRE ACHEI QUE FOSSE SÓ HISTÓRIA.

O WOLPERTINGER A OLHOU FIXAMENTE POR ALGUNS SEGUNDOS. DEPOIS... ESPIRROU.

— ATCHIM!

UM TUFO DE PELO NASCEU INSTANTANEAMENTE NO BRAÇO DE LINA.

— AI! BEM AQUI?! — ELA RIU, MESMO SURPRESA. — ESTÁ BOM, ESTÁ BOM... ISSO RESPONDE MINHA DÚVIDA.

A CRIATURA PARECEU ENCOLHER OS OMBROS E ENTÃO, DE FORMA INACREDITÁVEL, FALOU:

— EU ESPIRRO QUANDO FICO NERVOSO.

LINA DEU UM PULO E QUASE DERRUBOU O SACO.

— V-VOCÊ FALA?!

— CLARO QUE FALO. MAS SÓ QUANDO ACHO QUE A PESSOA MERECE OUVIR.

— E... EU MEREÇO?

O WOLPERTINGER A OBSERVOU COM SEUS OLHOS BRILHANTES. DEPOIS RESPONDEU:

— TALVEZ. VOCÊ TROUXE SAL, TENTOU JOGAR EM MIM. ISSO NÃO FOI MUITO GENTIL. MAS TAMBÉM TROUXE LUZ. E... VOCÊ NÃO CORREU QUANDO EU SOLTEI O CHEIRO.

LINA FEZ UMA CARETA.

— AINDA TÔ SENTINDO. PARECE QUEIJO ESTRAGADO COM GAMBÁ E CEBOLA VELHA!

O WOLPERTINGER RIU — OU FEZ UM BARULHO MUITO PARECIDO.

— É O QUE DÁ RESULTADO. ASSIM NINGUÉM TENTA ME CAÇAR MAIS DE UMA VEZ.

 

LINA SOLTOU O WOLPERTINGER, QUE PULOU PARA FORA DO SACO COM LEVEZA E SACUDIU O PELO.

— COMO VOCÊ SE CHAMA?

— MEU NOME VERDADEIRO VOCÊ NÃO CONSEGUIRIA PRONUNCIAR. MAS PODE ME CHAMAR DE TUMPF.

— TUMPF? É FOFO!

O WOLPERTINGER FRANZIU O FOCINHO.

— NÃO ESPALHA. OS OUTROS PENSAM QUE É NOME DE GUERREIRO.

SENTARAM-SE LADO A LADO, E LINA CONTOU A TUMPF TUDO SOBRE COMO CRESCERA OUVINDO HISTÓRIAS, COMO QUERIA VÊ-LO COM SEUS PRÓPRIOS OLHOS, E COMO AGORA... NEM SABIA MAIS O QUE QUERIA.

— ACHO QUE SÓ QUERIA ACREDITAR QUE O MUNDO AINDA TEM MÁGICA.

TUMPF FICOU EM SILÊNCIO. DEPOIS, OLHOU PARA O CÉU.

— A MÁGICA NUNCA FOI EMBORA. AS PESSOAS É QUE FECHARAM OS OLHOS.

LINA FICOU PENSATIVA. ENTÃO, TUMPF DEU UM PULO E DISSE:

— VENHA COMIGO. VOU TE MOSTRAR ALGO QUE NINGUÉM MAIS VÊ.

SEM PENSAR DUAS VEZES, LINA SEGUIU O WOLPERTINGER FLORESTA ADENTRO. PASSARAM POR ÁRVORES QUE PARECIAM COCHICHAR ENTRE SI, POR PEDRAS QUE BRILHAVAM SUAVEMENTE, E POR UM LAGO TÃO CALMO QUE REFLETIA AS ESTRELAS COMO UM ESPELHO.

ALI, AO LADO DO LAGO, TUMPF APONTOU COM A PATA.

— VEJA ALI.

LINA OLHOU E VIU... UMA FAMÍLIA INTEIRA DE WOLPERTINGERS. ERAM CINCO: DOIS GRANDES E TRÊS PEQUENOS. OS FILHOTES TINHAM ORELHAS GIGANTES E TROPEÇAVAM NELAS ENQUANTO BRINCAVAM.

— SÃO... SUA FAMÍLIA?

— SÃO. POR ISSO NÃO POSSO SER PEGO. NÃO É SÓ SOBRE MIM. É SOBRE PROTEGER OS OUTROS TAMBÉM.

LINA SENTIU O PEITO APERTAR.

— EU NÃO QUERO FAZER MAL A VOCÊ. NEM A ELES. SÓ QUERIA ENTENDER...

TUMPF OLHOU PARA ELA COM TERNURA.

— EU SEI. E POR ISSO TENHO UMA PROPOSTA.

LINA FRANZIU AS SOBRANCELHAS.

— PROPOSTA?

— VOCÊ VAI GUARDAR NOSSO SEGREDO. VAI ESCREVER SOBRE NÓS NO SEU CADERNO, NAS PAREDES DO SEU QUARTO, NA ALMA SE QUISERMOS. MAS NUNCA, NUNCA VAI CONTAR A UM ADULTO QUE NÃO ACREDITA. EM TROCA, UMA VEZ POR ANO, NA NOITE DE LUA CHEIA, VOCÊ PODERÁ VIR AQUI. SEREMOS AMIGOS. E TE MOSTRAREI MAIS DO QUE QUALQUER LIVRO PODE CONTER.

LINA SORRIU TÃO GRANDE QUE ACHOU QUE O ROSTO FOSSE RACHAR AO MEIO.

— É UM TRATO!

E ESTENDEU O DEDO MINDINHO.

TUMPF OLHOU PARA O DEDO, CURIOSO. ENTÃO ESTICOU SUA PATA MINÚSCULA E TOCOU NELA.

— TRATO SELADO.

Á ERA MADRUGADA QUANDO LINA VOLTOU PARA ONDE A VOVÓ A ESPERAVA, SENTADA EM UM TRONCO COM UM COBERTOR E UMA XÍCARA DE CHÁ.

— E ENTÃO? — PERGUNTOU VOVÓ GRETA, COM OS OLHOS SEMICERRADOS.

LINA SE JOGOU NOS BRAÇOS DA AVÓ.

— ELE EXISTE, VOVÓ. ELE É REAL! O WOLPERTINGER É REAL!

A VOVÓ SORRIU E FEZ UM CARINHO EM SEU CABELO (E NO NOVO TUFO QUE NASCERA NO BRAÇO DA NETA).

— EU SABIA. A MÁGICA SÓ PRECISA SER RESPEITADA PARA SE MOSTRAR.

NAQUELA NOITE, ENQUANTO DORMIA, LINA SONHOU COM FLORESTAS ENCANTADAS, CRIATURAS QUE FALAVAM E DANÇAVAM, E COM TUMPF, VOANDO AO REDOR DA LUA COM SUAS PEQUENAS ASAS PELUDAS.