NUM REINO ESQUECIDO PELOS MAPAS E PELO TEMPO, ONDE OS CAMPOS VERDES SE DIVIDIAM EM PEQUENOS PEDAÇOS DE TERRA GOVERNADOS POR NOBRES VAIDOSOS, REINAVA UMA PAZ TENSA, FEITA DE OLHARES DESCONFIADOS E MURALHAS ALTAS. OS SENHORES DESSAS TERRAS, REIS, PRÍNCIPES E DUQUES ISOLADOS EM SEUS DOMÍNIOS, VIVIAM MAIS PREOCUPADOS EM SE DEFENDER DO QUE EM VIVER. SEUS CASTELOS, COM PEDRAS GROSSAS E TORRES PONTIAGUDAS, PARECIAM BROTAR DO CHÃO COMO GIGANTES IMÓVEIS, PRONTOS PARA RESISTIR A QUALQUER INVASÃO.

DENTRE TODOS OS CASTELOS, O MAIS IMPONENTE ERA O DE PEDRA NUVEM, ERGUIDO NO ALTO DE UMA COLINA CERCADA POR PENHASCOS. DIZIAM QUE SEUS MUROS PODIAM SUPORTAR O IMPACTO DE MIL FLECHAS E O PESO DE UM DRAGÃO. LÁ MORAVA O DUQUE ALDRIN, UM CAVALEIRO FAMOSO POR SUA HABILIDADE COM A LANÇA E A ESPADA. ALTO, DE BARBA ESPESSA E OLHOS CINZENTOS COMO A TEMPESTADE, ALDRIN ERA RESPEITADO TANTO POR SEUS SOLDADOS QUANTO POR SEUS INIMIGOS.

NUMA NOITE EM QUE OS VENTOS SOPRAVAM FORTES E AS ESTRELAS PARECIAM INQUIETAS, CHEGARAM OS PRIMEIROS BATEDORES COM A NOTÍCIA: UM EXÉRCITO MARCHAVA RUMO A PEDRA NUVEM. NÃO ERA UM PEQUENO GRUPO DE BANDIDOS OU UM SENHOR VIZINHO AMBICIOSO. ERA UM VERDADEIRO CERCO, LIDERADO POR NINGUÉM MENOS QUE A CONDESSA MALDIVA, UMA GUERREIRA CONHECIDA POR NUNCA RECUAR, MESMO DIANTE DA MORTE.

MALDIVA VINHA COM MILHARES DE HOMENS, ARQUEIROS, LANCEIROS, CAVALEIROS DE ARMADURAS NEGRAS, E O QUE MAIS ASSUSTAVA: UMA TORRE DE ASSALTO DE MADEIRA, ENVOLTA EM PLACAS DE FERRO, COM RODAS GIGANTESCAS QUE A FAZIAM PARECER UM MONSTRO AMBULANTE. SEU TOPO, PROTEGIDO POR ESCUDOS, ESCONDIA UM SEGREDO: UMA PORTA LEVADIÇA QUE, UMA VEZ ENCOSTADA À MURALHA, PERMITIRIA QUE SEUS SOLDADOS INVADISSEM O CASTELO COMO FORMIGAS FAMINTAS.

ALDRIN NÃO HESITOU. CHAMOU SEUS MELHORES CAVALEIROS, ENTRE ELES O JOVEM EDRIC, UM APRENDIZ DE APENAS QUINZE INVERNOS, MAS COM CORAGEM DE VETERANO. EDRIC, ÓRFÃO DE UM SENHOR MENOR, FORA ACOLHIDO NO CASTELO AINDA CRIANÇA. SEUS OLHOS BRILHAVAM SEMPRE QUE OUVIA HISTÓRIAS DE BATALHAS, MAS AGORA TERIA A CHANCE DE VIVER SUA PRÓPRIA LENDA.

OS PREPARATIVOS COMEÇARAM. O CASTELO SE ENCHEU DE FLECHAS, CALDEIRÕES DE ÓLEO FERVENTE E CATAPULTAS IMPROVISADAS. CAMPONESES SE REFUGIARAM NAS MURALHAS INTERNAS. AS NOITES ERAM PREENCHIDAS POR ORAÇÕES E BATIDAS DE MARTELO. O CERCO SE APROXIMAVA.

E ENTÃO, AO NASCER DO TERCEIRO DIA, MALDIVA CHEGOU. SEU EXÉRCITO ACAMPOU EM CÍRCULOS, COM BANDEIRAS NEGRAS TREMULANDO COMO CORVOS. A TORRE DE ASSALTO FOI COLOCADA A POUCOS METROS DA MURALHA LESTE. A CADA NOITE, ERA EMPURRADA UM POUCO MAIS PERTO, SOB O ABRIGO DE ESCUDOS E FLECHAS.

ALDRIN MANTINHA SEUS HOMENS FIRMES, MAS O CERCO OS CONSUMIA. A COMIDA COMEÇOU A RAREAR. A ÁGUA, ANTES ABUNDANTE, FOI RACIONADA. OS SOLDADOS VIGIAVAM EM TURNOS, DORMINDO COM UMA MÃO NA ESPADA.

EDRIC OBSERVAVA TUDO COM OLHOS ATENTOS. FOI ELE QUEM NOTOU, CERTA NOITE, QUE A TORRE DE ASSALTO TINHA UM PONTO FRACO: UMA PEQUENA ABERTURA NA BASE, USADA PARA VENTILAÇÃO. ERA PEQUENA DEMAIS PARA UM HOMEM ADULTO, MAS TALVEZ NÃO PARA ALGUÉM COMO ELE.

CORREU ATÉ ALDEN COM A IDEIA DE INFILTRAR-SE NA TORRE E DESTRUÍ-LA POR DENTRO. O DUQUE HESITOU. NÃO ERA TAREFA PARA UM GAROTO. MAS EDRIC INSISTIU, LEMBRANDO QUE A VITÓRIA MUITAS VEZES VEM DOS GESTOS MAIS IMPROVÁVEIS.

NAQUELA NOITE, SOB A LUA PÁLIDA, EDRIC RASTEJOU PELOS ARBUSTOS E LAMA ATÉ ALCANÇAR A TORRE. COM ESFORÇO, ENTROU PELA ABERTURA E SE ESCONDEU ENTRE AS VIGAS. LÁ DENTRO, SOLDADOS DORMIAM EMPILHADOS COMO SACOS DE TRIGO. EDRIC PRENDEU A RESPIRAÇÃO E AVANÇOU EM SILÊNCIO, COM UM FRASCO DE ÓLEO E UMA TOCHA QUE CONSEGUIRA ESCONDIDA SOB O MANTO.

ALCANÇOU O EIXO PRINCIPAL, ONDE AS CORDAS E AS ENGRENAGENS SUSTENTAVAM A PORTA LEVADIÇA. COM CUIDADO, DERRAMOU O ÓLEO E ACENDEU A TOCHA. AS CHAMAS SUBIRAM COMO SERPENTES FAMINTAS, E LOGO O CALOR E A FUMAÇA ACORDARAM OS SOLDADOS.

EDRIC CORREU, SALTANDO PELA ABERTURA E ROLANDO PELA GRAMA EM CHAMAS. A TORRE EXPLODIU EM ESTALOS E LABAREDAS, ILUMINANDO A NOITE COMO UM SEGUNDO SOL. OS SOLDADOS DE MALDIVA RECUARAM EM PÂNICO. ALDEN APROVEITOU A CONFUSÃO E LANÇOU UMA OFENSIVA PELA PORTA OCULTA NO MURO NORTE.

O COMBATE FOI FEROZ. ESPADAS SE CRUZARAM COMO TROVÕES, LANÇAS VOARAM, E OS GRITOS ENCHIAM O AR. NO MEIO DO CAOS, EDRIC LUTAVA COM UMA ADAGA, DESVIANDO DE GOLPES MAIORES QUE ELE. FOI ELE QUEM VIU MALDIVA EM COMBATE COM ALDEN, AMBOS GUERREIROS DE ELITE, TROCANDO GOLPES COM MAESTRIA.

MALDIVA, PERCEBENDO A DERROTA IMINENTE, ERGUEU A ESPADA EM SINAL DE RENDIÇÃO. ALDEN, EXAUSTO E COBERTO DE SANGUE E POEIRA, ACEITOU. MAS EXIGIU QUE O EXÉRCITO INVASOR DEIXASSE SUAS TERRAS IMEDIATAMENTE.

NA MANHÃ SEGUINTE, A PLANÍCIE DIANTE DE PEDRA NUVEM ESTAVA VAZIA, MARCADA APENAS PELAS CINZAS DA TORRE QUEIMADA. ALDRIN E SEUS HOMENS RETORNARAM AO CASTELO SEM CELEBRAÇÕES. O CORPO DE EDRIC NÃO FOI ENCONTRADO ENTRE OS MORTOS NEM ENTRE OS VIVOS. DIZEM QUE ELE PARTIU SOZINHO, SEM DEIXAR RASTROS, EM BUSCA DE NOVAS GUERRAS, NOVOS CERCOS, OU APENAS PARA DESAPARECER NAS HISTÓRIAS COMO TANTOS OUTROS NOMES ESQUECIDOS.

E PEDRA NUVEM CONTINUOU ALI, COM SUAS MURALHAS INTACTAS E SUAS CICATRIZES BEM GUARDADAS. NADA MAIS FOI DITO. NINGUÉM PERGUNTOU. E O SILÊNCIO VIROU PARTE DA PEDRA.