BOUGAINVILLE ERA UMA ILHA CERCADA POR ÁGUAS AZUIS E FLORESTAS TÃO DENSAS QUE PARECIA QUE CADA ÁRVORE GUARDAVA UM SEGREDO ANTIGO. ERA O LAR DE MUITOS — PEIXES COLORIDOS, PÁSSAROS DE MIL CANTOS E, CLARO, DAS HISTÓRIAS MAIS FANTÁSTICAS QUE SE PODIA IMAGINAR.

TAMA CRESCEU OUVINDO ESSAS HISTÓRIAS, PRINCIPALMENTE AS CONTADAS POR SUA AVÓ, VOVÓ NALU. SENTADAS À BEIRA DA FOGUEIRA, SOB O CÉU ESTRELADO, ELA E SEU MELHOR AMIGO KAI SE ENCOLHIAM DE EMOÇÃO AO OUVIR SOBRE ESPÍRITOS DAS ÁGUAS, FLORESTAS ENCANTADAS E, O MAIS INCRÍVEL DE TODOS: O MONSTRO DE OLHOS VERDES.

"HÁ MUITOS, MUITOS ANOS," COMEÇAVA VOVÓ NALU COM SUA VOZ GRAVE, "HAVIA UM POLVO TÃO GIGANTESCO QUE SUA CABEÇA ERA CONFUNDIDA COM UMA ILHA. DIZIA-SE QUE TINHA QUASE CEM TENTÁCULOS, ALGUNS TÃO DUROS E AFIADOS QUANTO LANÇAS. SEUS OLHOS ERAM VERDES COMO ESMERALDAS, BRILHANDO NO ESCURO DAS PROFUNDEZAS."

TAMA E KAI TROCAVAM OLHARES. MESMO JÁ TENDO OUVIDO A HISTÓRIA VÁRIAS VEZES, NUNCA DEIXAVA DE ARREPIAR.

"MAS NÃO ERA UM MONSTRO COMUM," CONTINUAVA A AVÓ. "ERA UM GUARDIÃO. PROTEGIA BOUGAINVILLE DOS PERIGOS VINDOS DO MAR. SÓ SURGIA QUANDO A ILHA ESTAVA EM GRANDE PERIGO."

KAI ENGOLIU EM SECO. "MAS... E SE ELE APARECER AGORA, VOVÓ?"

VOVÓ NALU SORRIU MISTERIOSAMENTE. "TALVEZ ELE JÁ ESTEJA ACORDANDO..."

NAQUELA NOITE, UMA TEMPESTADE SE FORMOU DE REPENTE. RAIOS CORTAVAM O CÉU, E AS ONDAS QUEBRAVAM VIOLENTAMENTE CONTRA AS ROCHAS. OS HABITANTES DE BOUGAINVILLE SE ABRIGARAM EM SUAS CASAS, ENQUANTO OS VENTOS UIVAVAM COMO LOBOS FAMINTOS.

TAMA OLHOU PELA JANELA, O CORAÇÃO DISPARADO. ALGO NAQUELA TEMPESTADE PARECIA DIFERENTE — MAIS SELVAGEM, MAIS VIVO.

DE MANHÃ, A ILHA ESTAVA COBERTA DE DESTROÇOS. CANOAS VIRADAS, ÁRVORES ARRANCADAS. E, MAIS ESTRANHO AINDA, ENORMES MARCAS NA AREIA, COMO SE ALGO GIGANTESCO TIVESSE RASTEJADO PELA PRAIA.

KAI VEIO CORRENDO ATÉ A CASA DE TAMA.

"VOCÊ VIU?!" ELE EXCLAMOU, QUASE SEM FÔLEGO. "AS MARCAS NA PRAIA? PARECEM... TENTÁCULOS!"

TAMA SENTIU UM ARREPIO NA ESPINHA. "VOCÊ ACHA QUE...?"

"É ELE!" DISSE KAI, OS OLHOS ARREGALADOS. "O MONSTRO DE OLHOS VERDES!"

SEM CONTAR PARA NINGUÉM, TAMA E KAI PEGARAM SEUS MOCHILÕES — CADA UM COM UMA GARRAFA DE ÁGUA, UMA LANTERNA E UM PEDAÇO DE PÃO DE COCO — E FORAM EM DIREÇÃO À PARTE NORTE DA ILHA, ONDE AS MARCAS PARECIAM DESAPARECER NO OCEANO.

ENQUANTO CAMINHAVAM PELA FLORESTA, O SOM DAS FOLHAS FARFALHANDO PARECIA SUSSURRAR SEGREDOS ANTIGOS. DE REPENTE, OUVIRAM UM BAQUE SURDO VINDO DA PRAIA.

CAUTELOSAMENTE, SE APROXIMARAM.

E LÁ ESTAVA — ALGO IMENSO SE MOVIA NO MAR. À DISTÂNCIA, PARECIA UMA PEQUENA ILHA..., MAS ENTÃO, OS OLHOS VERDES SE ABRIRAM.

ELES BRILHARAM COMO DUAS LANTERNAS GIGANTES NO CREPÚSCULO.

TAMA PUXOU KAI PARA TRÁS DE UMA ROCHA. SEUS CORAÇÕES BATIAM TÃO FORTE QUE MAL CONSEGUIAM OUVIR OUTRA COISA.

"É REAL," SUSSURROU KAI, A VOZ TREMENDO.

"É MAIS DO QUE REAL," MURMUROU TAMA. "ELE ESTÁ FERIDO."

ELES OBSERVARAM ENQUANTO O MONSTRO, COM ESFORÇO TREMENDO, TENTAVA SE MOVER. ALGUNS DOS TENTÁCULOS ESTAVAM ENROLADOS, E OUTROS TINHAM ESPINHOS QUEBRADOS. O MAR AO REDOR ESTAVA TINGIDO DE VERDE, COMO SE ELE ESTIVESSE SANGRANDO.

"PRECISAMOS AJUDAR," DISSE TAMA DE REPENTE.

KAI ARREGALOU OS OLHOS. "AJUDAR?! TAMA, É UM POLVO GIGANTE!"

"NÃO É SÓ UM POLVO. É O GUARDIÃO DA ILHA. SE ELE ESTÁ SOFRENDO, A ILHA TAMBÉM PODE ESTAR EM PERIGO."

DEPOIS DE UM LONGO MOMENTO DE HESITAÇÃO, KAI ASSENTIU.

ELES SE APROXIMARAM DEVAGAR. AO SE APROXIMAREM, SENTIRAM O CHEIRO FORTE DE SAL E ALGO MAIS... ALGO ANTIGO, COMO SE O MONSTRO CARREGASSE O PESO DE MIL ANOS.

COM MUITO CUIDADO, TAMA ACENOU.

O MONSTRO DE OLHOS VERDES VIROU SEU OLHAR COLOSSAL PARA ELES. POR UM MOMENTO, TUDO FICOU EM SILÊNCIO — ATÉ O VENTO PARECIA SEGURAR A RESPIRAÇÃO.

ENTÃO, UM DOS TENTÁCULOS — CUIDADOSAMENTE, COMO QUEM SEGURA UMA FOLHA FRÁGIL — ESTENDEU-SE EM DIREÇÃO A ELES.

TAMA E KAI VIRAM OS FERIMENTOS: GRANDES PEDAÇOS DE REDES DE PESCA CORTAVAM A PELE ESPESSA DO POLVO.

"É ISSO," DISSE TAMA. "ELE FICOU PRESO NAS REDES DOS PESCADORES."

DECIDIRAM QUE PRECISAVAM REMOVER AQUELAS REDES.

USANDO FACÕES PEQUENOS QUE CARREGAVAM (PRESENTES DE VOVÓ NALU PARA "AVENTUREIROS DE VERDADE"), COMEÇARAM A CORTAR AS FIBRAS GROSSAS.

CADA CORTE PARECIA UMA ETERNIDADE, POIS O MONSTRO, APESAR DE TENTAR NÃO SE MEXER, ÀS VEZES ESTREMECIA DE DOR.

HORAS SE PASSARAM. O SOL NASCEU NO HORIZONTE, TINGINDO O CÉU DE LARANJA E ROSA.

QUANDO CORTARAM A ÚLTIMA REDE, O MONSTRO EMITIU UM SOM PROFUNDO, UMA VIBRAÇÃO QUE FIZERAM AS PEDRAS AO REDOR TREMEREM — MAS ERA UM SOM DE ALÍVIO.

ELE MERGULHOU LENTAMENTE NO OCEANO, DEIXANDO APENAS REDEMOINHOS GIGANTES NA SUPERFÍCIE.

MAS, ANTES DE DESAPARECER, SEUS OLHOS VERDES SE VOLTARAM UMA ÚLTIMA VEZ PARA TAMA E KAI, BRILHANDO COM UMA EXPRESSÃO ESTRANHA QUE ELES NÃO SABIAM BEM DECIFRAR. GRATIDÃO? CURIOSIDADE? OU ALGO MUITO MAIS ANTIGO E INSONDÁVEL?

NA PRAIA, FICARAM APENAS AS PEGADAS DOS DOIS AMIGOS E O SILÊNCIO DO MAR.

NAQUELA NOITE, A TEMPESTADE VOLTOU.

SÓ QUE DESTA VEZ, NINGUÉM EM BOUGAINVILLE CONSEGUIU DORMIR.

NEM TAMA, NEM KAI, NEM MESMO VOVÓ NALU.

O CÉU SE ABRIU EM MIL RELÂMPAGOS, O OCEANO RUGIU COMO NUNCA, E NO MEIO DA ESCURIDÃO, AO LONGE, JURAVAM VER UMA ENORME SOMBRA SURGIR DO MAR, GRANDE COMO UMA MONTANHA VIVA.

QUANDO A MANHÃ CHEGOU, METADE DA ILHA HAVIA DESAPARECIDO.

E NINGUÉM JAMAIS FALOU SOBRE O MONSTRO DE OLHOS VERDES NOVAMENTE.