DURANTE MAIS DE CEM ANOS, UMA ÚNICA PESSOA FOI RESPONSÁVEL POR MANTER O TEMPO EM MOVIMENTO EM LONDRES. ESSE HOMEM ERA O GUARDIÃO DO BIG BEN. NINGUÉM SABIA SEU NOME VERDADEIRO. ALGUNS O CHAMAVAM DE MESTRE DAS HORAS, OUTROS DE SENHOR DOS SEGUNDOS. ELE VIVIA NA TORRE, ACIMA DE TUDO E DE TODOS, CUIDANDO DOS MECANISMOS COM PRECISÃO, ZELO E... SEGREDO.

CERTA MANHÃ, PORÉM, O INESPERADO ACONTECEU: O GRANDE RELÓGIO PAROU. O SOM DAS BADALADAS CALOU-SE E O SILÊNCIO ECOOU PELAS RUAS COMO UM AVISO. O GUARDIÃO HAVIA MORRIDO.

SEM ELE, O TEMPO PARECIA CONFUSO. OS TRENS ATRASAVAM, AS CRIANÇAS CHEGAVAM CEDO DEMAIS OU TARDE DEMAIS NA ESCOLA, E O SOL PARECIA SURGIR NO CÉU FORA DE HORA. A CIDADE PRECISAVA DE UM NOVO GUARDIÃO, MAS NÃO BASTAVA ESCOLHER QUALQUER UM. O NOVO PROTETOR DO TEMPO TERIA DE PROVAR QUE ERA DIGNO.

"ASSUMIRÁ O POSTO O PRIMEIRO QUE RESOLVER O PROBLEMA QUE VOU APRESENTAR", DISSE UMA VOZ ECOANDO DA TORRE. ERA COMO SE O PRÓPRIO BIG BEN ESTIVESSE FALANDO.

ENTÃO ELE ESPEROU PELA NOITE MAIS NEGRA, QUANDO GROSSAS NUVENS COBRIAM A LUA, E A CIDADE ADORMECEU SOB UMA INQUIETAÇÃO QUE NINGUÉM CONSEGUIA EXPLICAR.

MUITOS TENTARAM. ERAM INVENTORES, CIENTISTAS, MÁGICOS, VIAJANTES DO TEMPO E ATÉ POETAS. MAS O RELÓGIO CONTINUAVA IMÓVEL, COMO SE AGUARDASSE ALGUÉM ESPECIAL.

EM UMA CASA COMUM, EM UMA RUA COMUM, VIVIA UMA JOVEM CHAMADA EMILY. ELA ERA CURIOSA E OBSERVADORA, MAS NINGUÉM LHE DAVA MUITA ATENÇÃO. SENTAVA-SE POR HORAS À JANELA, OLHANDO A MONOTONIA DAS CASAS SEMPRE IGUAIS. CADA TELHADO, CADA CHAMINÉ, CADA GATO ATRAVESSANDO O MURO — TUDO FAZIA PARTE DE UMA COREOGRAFIA SILENCIOSA QUE SÓ ELA PARECIA NOTAR.

EMILY ADORAVA TRENS. SEMPRE QUE PODIA, PEGAVA A LINHA MARROM E VIAJAVA SEM DESTINO, APENAS OBSERVANDO O MUNDO PASSAR PELA JANELA. CERTA VEZ, AO CHEGAR A UMA ESTAÇÃO CINZENTA E ESQUECIDA PELO TEMPO, AS PORTAS DO VAGÃO SE ABRIRAM E, DE REPENTE, A QUIETUDE FOI ROMPIDA POR UM HOMEM QUE ENTROU CAMBALEANDO.

O HOMEM PARECIA PERDIDO NO TEMPO. SUAS ROUPAS LEMBRAVAM OUTRA ERA, E SEUS OLHOS ESTAVAM CHEIOS DE HISTÓRIAS NÃO CONTADAS. ELE SENTOU-SE DE FRENTE PARA EMILY E MURMUROU:

"O TEMPO NÃO ESPERA POR NINGUÉM, MAS ALGUÉM PRECISA ESPERAR POR ELE."

ANTES QUE EMILY PUDESSE RESPONDER, ELE TIROU DO BOLSO UM OBJETO ESTRANHO — UMA ENGRENAGEM BRILHANTE, COM SÍMBOLOS QUE ELA NÃO RECONHECIA — E DEIXOU-A CAIR AOS SEUS PÉS. ENTÃO, DESAPARECEU TÃO MISTERIOSAMENTE QUANTO HAVIA SURGIDO.

EMILY PEGOU A ENGRENAGEM E SENTIU UM CALOR PULSAR EM SUA MÃO. ERA COMO SE AQUELE PEDAÇO DE METAL ESTIVESSE VIVO.

NAQUELA NOITE, EMILY NÃO CONSEGUIU DORMIR. ALGO A CHAMAVA. ELA COLOCOU A ENGRENAGEM NO BOLSO DO CASACO, CALÇOU AS BOTAS E SAIU PELAS RUAS DESERTAS DE LONDRES. SEUS PASSOS A LEVARAM ATÉ A TORRE DO BIG BEN.

COMO SE ESPERASSE POR ELA, A PORTA ESTAVA ENTREABERTA. SUBIU OS DEGRAUS EM ESPIRAL, SENTINDO A TENSÃO EM CADA PASSO. QUANDO CHEGOU AO TOPO, VIU A MAQUINARIA PARADA, COBERTA POR SOMBRAS E POEIRA DO TEMPO.

ELA APROXIMOU-SE COM CUIDADO. EM MEIO À SUA INOCÊNCIA E ÀS SUAS BRINCADEIRAS, DE VEZ EM QUANDO DERRUBAVA TUDO O QUE VIA PELA FRENTE — E QUASE DERRUBOU UM PÊNDULO DOURADO — MAS CONSEGUIU SE RECOMPOR A TEMPO. ENTÃO, SEGURANDO A ENGRENAGEM COM FIRMEZA, PROCUROU ONDE ENCAIXÁ-LA.

DE PÉ NA EXTREMIDADE DA ÁREA DE COMBATE — QUE AGORA ERA SUA MENTE, SEU MEDO, SUAS DÚVIDAS — AS PERNAS TREMERAM, A RESPIRAÇÃO FICOU PRESA NA GARGANTA E OS DEDOS PERDERAM A FORÇA.

"E SE EU ESTIVER ERRADA? E SE FOR APENAS UMA CRIANÇA BRINCANDO DE CONSERTAR O TEMPO?"

MAS A ENGRENAGEM PULSAVA. ALGO DENTRO DELA DIZIA QUE ELA ERA A RESPOSTA. LUTANDO CONTRA SEUS PRÓPRIOS PENSAMENTOS, COLOCOU A PEÇA NO LUGAR. UM SOM SURDO PERCORREU A TORRE, COMO UM CORAÇÃO DESPERTANDO.

O RELÓGIO COMEÇOU A SE MOVER.

LUZES SE ACENDERAM PELA TORRE. AS ENGRENAGENS DANÇAVAM EM HARMONIA. AS BADALADAS VOLTARAM A SOAR. A CIDADE OUVIU E PAROU PARA ESCUTAR, COMO SE QUISESSE AGRADECER.

ENTÃO UMA VOZ SUAVE, MAS PODEROSA, FALOU:

"A PARTIR DE AGORA, O TEMPO ESTÁ EM SUAS MÃOS, EMILY."

ELA OLHOU AO REDOR, ASSUSTADA. MAS ESTAVA SOZINHA. OU QUASE.

UMA SOMBRA SURGIU AO SEU LADO. ERA O HOMEM DO TREM. MAS AGORA, PARECIA MAIS JOVEM, MAIS REAL.

"VOCÊ PROVOU SER DIGNA. SÓ OS QUE ACREDITAM NO IMPOSSÍVEL PODEM CUIDAR DO TEMPO."

EMILY SORRIU. ELA NÃO SABIA EXATAMENTE O QUE TINHA FEITO, MAS SABIA QUE ERA IMPORTANTE. O PANO VELHO QUE CARREGAVA NO BOLSO, ONDE DESENHAVA COM LÁPIS DE COR SEUS PLANOS PARA "PARAR O BIG BEN" COMO BRINCADEIRA, AGORA PARECIA UM MAPA SEM IMPORTÂNCIA. 

ELA DESCEU A ESCADA DA TORRE COM PASSOS DECIDIDOS, AINDA SENTINDO O PULSAR DO RELÓGIO VIBRANDO POR TODA A CIDADE. DO LADO DE FORA, AS PESSOAS OLHAVAM O CÉU COMO SE ALGO TIVESSE MUDADO, MESMO SEM SABER O QUÊ. EMILY SEGUIU EM DIREÇÃO À SUA CASA, COM A CERTEZA DE QUE O TEMPO HAVIA VOLTADO A CORRER — E, DESTA VEZ, TALVEZ, DE UM JEITO MAIS ACELERADO DO QUE O NORMAL.