ERA UMA VEZ, NUM REINO CHAMADO ARGOR, ONDE O CÉU NUNCA CLAREAVA. NUVENS PESADAS COBRIAM O FIRMAMENTO, E UM MANTO ETERNO DE ESCURIDÃO REINAVA. NINGUÉM MAIS SABIA O QUE ERA O SOL — AS HISTÓRIAS SOBRE ELE HAVIAM SE TORNADO LENDAS SUSSURRADAS ANTES DE DORMIR, CONTOS QUE AS CRIANÇAS ESCUTAVAM COM OS OLHOS ARREGALADOS, SONHANDO COM CALOR E CLARIDADE.

NESTE MUNDO SOMBRIO, AS PESSOAS VIVIAM COM MEDO. NÃO ERA APENAS A ESCURIDÃO QUE GELAVA OS OSSOS, MAS O QUE ELA ESCONDIA: AS PATRULHAS DO REI, CRIATURAS DEFORMADAS PELA GUERRA, COBERTAS DE ARMADURAS NEGRAS COMO CARVÃO, OLHOS QUE BRILHAVAM COMO BRASAS E CORAÇÕES VAZIOS DE PIEDADE. ERAM CHAMADOS DE "SOMBRAS DA COROA".

NO VILAREJO DE TERVEN, ESCONDIDO ENTRE VALES ENEVOADOS, VIVIA UM GAROTO CHAMADO KAEL COM SUA FAMÍLIA. SEU PAI, DARIUS, FORA UM GRANDE CAVALEIRO NOS TEMPOS EM QUE AINDA SE ACREDITAVA SER POSSÍVEL VENCER A ESCURIDÃO. AGORA, ELE ERA APENAS UM FERREIRO — OU ASSIM PENSAVAM OS VIZINHOS. A MÃE DE KAEL, ELIRA, CUIDAVA DA HORTA ESCASSA, E SUA IRMÃZINHA, LIRA, COLECIONAVA PEDRAS QUE BRILHAVAM NO ESCURO.

NUMA NOITE MAIS FRIA DO QUE O COMUM, OS SINOS DA TORRE ABANDONADA BADALARAM SOZINHOS. ISSO SÓ SIGNIFICAVA UMA COISA: AS SOMBRAS ESTAVAM VINDO. AS LUZES DAS CASAS SE APAGARAM NUM PISCAR DE OLHOS. NINGUÉM OUSAVA ESPIAR PELAS JANELAS.

KAEL, ESCONDIDO ATRÁS DA CORTINA, VIU QUANDO SEU PAI ABRIU UM BAÚ DEBAIXO DO ASSOALHO. NELE, REPOUSAVA UMA ARMADURA DE PLACAS PRATEADA, COBERTA DE RUNAS ANTIGAS. DARIUS VESTIU-A COM MOVIMENTOS LENTOS, CERIMONIAIS. PEGOU SEU ESCUDO — REDONDO, COM O SÍMBOLO DO SOL — E, POR FIM, SUA ESPADA.

— FIQUE COM SUA MÃE. PROTEJA SUA IRMÃ. SE EU NÃO VOLTAR...

— NÃO DIGA ISSO! — GRITOU KAEL, AGARRANDO O BRAÇO DO PAI.

DARIUS APENAS SORRIU, COMO QUEM JÁ CONHECIA O FINAL DA HISTÓRIA. E ENTÃO SAIU PELA PORTA, DESAPARECENDO NA BRUMA.

KAEL NÃO CONSEGUIU FICAR PARADO. ESPEROU A MÃE COCHILAR COM LIRA E ESCAPOU PELA JANELA DOS FUNDOS, COM UMA ADAGA VELHA PRESA AO CINTO. O VILAREJO ESTAVA ENVOLTO NUM SILÊNCIO DE MORTE. AS CASAS ESTAVAM FECHADAS, MAS FAÍSCAS E GRITOS VINHAM DA PRAÇA CENTRAL.

ALI, ELE VIU: SOLDADOS DO REI MARCHAVAM ENTRE OS CORPOS. DARIUS, NO MEIO DELES, ERGUIA O ESCUDO COM FIRMEZA. A ESPADA GIRAVA EM SUA MÃO COMO SE TIVESSE VIDA PRÓPRIA. CADA GOLPE FAZIA UMA DAS SOMBRAS CAIR. MAS ERAM MUITAS. E ELES TRAZIAM UMA CRIATURA COM ELES — ALTA, ENCAPUZADA, COM UMA AURA QUE FAZIA O AR VIBRAR.

KAEL SENTIU O MEDO TOMAR CONTA DO CORPO. UMA VOZ ESTRANHA SUSSURROU EM SUA MENTE:

— VOLTE, PEQUENO. VOCÊ NÃO PODE SALVÁ-LO.

MAS ELE NÃO VOLTOU. ELE AVANÇOU.

KAEL FOI RÁPIDO COMO O VENTO. USOU AS SOMBRAS DAS CONSTRUÇÕES PARA SE APROXIMAR. QUANDO VIU SEU PAI SER DESARMADO, CORREU GRITANDO:

— PAI!

DARIUS SE VIROU, SURPRESO, E ISSO FOI SUA PERDIÇÃO. A CRIATURA ENCAPUZADA ERGUEU UM CAJADO E UMA LANÇA DE TREVAS ATRAVESSOU O PEITO DO CAVALEIRO.

O MUNDO DE KAEL PAROU. TUDO AO REDOR SILENCIOU. ELE CORREU ATÉ O CORPO CAÍDO, LÁGRIMAS QUEIMANDO SEUS OLHOS.

— NÃO CHORE — SUSSURROU DARIUS, CUSPINDO SANGUE. — PEGUE A ESPADA...

A ARMA BRILHOU QUANDO KAEL A SEGUROU. SENTIU UM CALOR PERCORRER O BRAÇO. A ESPADA O RECONHECEU.

AS SOMBRAS HESITARAM. A CRIATURA RECUOU.

— ELE CARREGA A LUZ — MURMURARAM OS SOLDADOS, COMO SE ISSO FOSSE MALDIÇÃO OU BÊNÇÃO.

KAEL NÃO SABIA LUTAR, MAS ALGO DENTRO DELE — OU TALVEZ DENTRO DA ESPADA — O GUIAVA. GOLPEAVA COMO SE TREINASSE HÁ ANOS. CORTOU, DESVIOU, PROTEGEU. A PRAÇA VIROU UM CAMPO DE BATALHA ENTRE UM MENINO E MONSTROS DA NOITE.

MAS ERAM MUITOS. ELIRA SURGIU, MONTADA NUM VELHO CAVALO, COM LIRA NAS COSTAS. GRITOU PARA KAEL SUBIR. ELES FUGIRAM PELA FLORESTA.

DIAS SE PASSARAM. DORMIAM EM CAVERNAS, COMIAM RAÍZES. A ESPADA DE DARIUS AGORA ERA COMPANHEIRA CONSTANTE. E CADA VEZ QUE KAEL SONHAVA, VIA UMA TORRE DOURADA EM MEIO À ESCURIDÃO — E UMA VOZ QUE DIZIA:

— TRAGA A LUZ DE VOLTA.

NUMA NOITE, ENCONTRARAM UM VELHO ACAMPAMENTO ABANDONADO. AO SE ABRIGAREM, OUVIRAM UM RUGIDO. UM SER ENORME, FEITO DE PEDRA E SOMBRA, SURGIU DA ESCURIDÃO. KAEL SE PÔS À FRENTE, ESPADA EM PUNHO.

MAS ANTES DO COMBATE, A CRIATURA PAROU. SEUS OLHOS BRILHARAM.

— ÉS FILHO DE DARIUS? — PERGUNTOU, COM UMA VOZ GRAVE.

— SOU KAEL.

— ENTÃO SIGA-ME. HÁ ALGO QUE PRECISA VER.

A CRIATURA — UM GUARDIÃO ANTIGO — OS LEVOU POR TÚNEIS SUBTERRÂNEOS ATÉ UMA SALA REPLETA DE CRISTAIS BRILHANTES. NO CENTRO, FLUTUAVA UMA ESFERA DOURADA.

— ESTA É A LUZ PRIMEVA — DISSE O GUARDIÃO. — FOI SELADA AQUI QUANDO O REI CAIU NA CORRUPÇÃO. SÓ ALGUÉM DIGNO PODERÁ LEVÁ-LA DE VOLTA À TORRE DE ONDE FOI ROUBADA.

KAEL SE APROXIMOU. QUANDO TOCOU A ESFERA, ELA PENETROU EM SEU PEITO, ILUMINANDO SEU CORPO. A ESPADA DE DARIUS BRILHOU AINDA MAIS.

— AGORA ÉS UM PORTADOR DA LUZ. E TEU CAMINHO SERÁ DE DOR, MAS TAMBÉM DE ESPERANÇA.

A JORNADA ATÉ A TORRE DUROU SEMANAS. ENFRENTARAM BESTAS DA NÉVOA, SOLDADOS CAÍDOS, FOME E FRIO. MAS TAMBÉM ENCONTRARAM OUTROS SOBREVIVENTES — PESSOAS QUE LEMBRAVAM DO SOL. FORMARAM UMA CARAVANA. UM EXÉRCITO.

A TORRE DOURADA SURGIA ENTRE AS MONTANHAS, BRILHANDO FRACAMENTE. NO TRONO DA SALA PRINCIPAL, O REI ESPERAVA. MAS ELE NÃO ERA MAIS HUMANO. ERA UMA SOMBRA COM COROA.

KAEL, AGORA COM OLHOS DE FOGO, AVANÇOU. A ESPADA SE TORNOU UMA CHAMA VIVA. A LUZ LUTAVA CONTRA A ESCURIDÃO. O DUELO DUROU HORAS.

ATÉ QUE, NUM ÚLTIMO GRITO, KAEL CRAVOU A ESPADA NO PEITO DO REI.

O CASTELO TREMEU. A ESCURIDÃO COMEÇOU A SE DISSIPAR. PELAS JANELAS, UM BRILHO INÉDITO SURGIA.

O CÉU — DEPOIS DE SÉCULOS — CLAREAVA.

AS NUVENS SE ABRIRAM, E UM TÍMIDO RAIO DE SOL CAIU SOBRE KAEL.

ELE TOMBOU DE JOELHOS, EXAUSTO, MAS SORRINDO. A LUZ ESTAVA VOLTANDO.

ANOS SE PASSARAM. ARGOR FLORESCEU. CIDADES RENASCERAM. OS FILHOS DE KAEL OUVIRAM AS HISTÓRIAS SOBRE A TERRA SEM SOL, MAS PARA ELES, ERAM APENAS CONTOS DE TERROR — COMO O MUNDO DEVERIA SER.

MAS KAEL, JÁ VELHO, SABIA. E SEMPRE QUE O SOL SE PUNHA, ELE OLHAVA PARA O CÉU COM UM SUSSURRO:

— OBRIGADO, PAI.

E A ESPADA, AGORA DESCANSANDO ACIMA DA LAREIRA, BRILHAVA LEVEMENTE. COMO SE A LUZ NUNCA FOSSE ESQUECIDA.