NUMA REGIÃO ESQUECIDA ENTRE VALES ENEVOADOS E FLORESTAS ANTIGAS, HAVIA UM PEQUENO VILAREJO CHAMADO PEDRA-FUNDA. OS CAMPONESES DALI VIVIAM EM HARMONIA COM A NATUREZA, CULTIVANDO A TERRA E CONTANDO HISTÓRIAS JUNTO ÀS LAREIRAS DURANTE AS LONGAS NOITES DE INVERNO. MAS ALGO ESTAVA MUDANDO.

NA PRIMEIRA NOITE DE LUA CHEIA APÓS O SOLSTÍCIO, UM ESTRANHO UIVO ECOOU PELOS CAMPOS. ERA UM SOM PROFUNDO, QUE PARECIA VIR DE TODAS AS DIREÇÕES. OS CÃES SE ESCONDERAM DEBAIXO DAS CARROÇAS, AS VACAS MUGIRAM INQUIETAS, E OS MAIS VELHOS SUSSURRAVAM TEMENDO A VOLTA DOS TEMPOS SOMBRIOS.

— É A ALCATEIA DOS MONTE MEDO... — MURMURAVA A ANCIÃ MARGA, ENQUANTO ACENDIA VELAS DIANTE DO ALTAR DE MADEIRA NA PRAÇA CENTRAL. — ELES GUARDAM OS CAMINHOS PROIBIDOS.

NÃO ERA SÓ O VILAREJO QUE PERCEBIA OS SINAIS. NA MANHÃ SEGUINTE, UM GRUPO DE QUATRO SACERDOTES CHEGOU AO VILAREJO, VESTIDOS COM TÚNICAS BORDADAS COM SÍMBOLOS ANTIGOS. LIDERADOS POR UM HOMEM ALTO E CALVO DE NOME PADRE HARUN, ELES AFIRMAVAM ESTAR EM BUSCA DE UM LIVRO SAGRADO DESAPARECIDO HÁ SÉCULOS — O CODEX ELEMENTAR, UMA OBRA QUE, SEGUNDO LENDAS, CONTINHA SEGREDOS CAPAZES DE ALTERAR O PRÓPRIO EQUILÍBRIO DO MUNDO.

OS CAMPONESES, ASSUSTADOS, INDICARAM QUE OS UIVOS E OS MOVIMENTOS ESTRANHOS NA FLORESTA COINCIDIAM COM A DESCOBERTA DE MARCAS ANTIGAS NAS PEDRAS E SONS VINDOS DOS PÂNTANOS A OESTE. OS SACERDOTES AGRADECERAM E SEGUIRAM NAQUELA DIREÇÃO, ACOMPANHADOS DE TRÊS JOVENS DO VILAREJO: LENA, UMA APRENDIZ DE CURANDEIRA CORAJOSA E ESPERTA; TOMÁS, UM RAPAZ ÁGIL E CURIOSO; E MAURO, UM APRENDIZ DE FERREIRO COM BRAÇOS FORTES E CORAÇÃO LEAL.

A JORNADA OS LEVOU POR TRILHAS APERTADAS, ENTRE ÁRVORES DE TRONCOS TORCIDOS E NEBLINA ESPESSA. NO TERCEIRO DIA, CHEGARAM A UM PÂNTANO ONDE O AR PARECIA PARADO NO TEMPO. O SILÊNCIO ERA TÃO PROFUNDO QUE ATÉ OS GRILOS PARECIAM TER ABANDONADO O LUGAR.

— ALI! — GRITOU TOMÁS, APONTANDO ENTRE OS JUNCOS.

SOB UM MANTO DE FOLHAS E TREPADEIRAS, JAZIA UMA CARRUAGEM DE MADEIRA ORNAMENTADA, AGORA COBERTA DE LIMO E QUASE ENGOLIDA PELA TERRA. COM ESFORÇO, MAURO REMOVEU AS PLANTAS ENQUANTO LENA ILUMINAVA O INTERIOR COM UMA LANTERNA MÁGICA DOS SACERDOTES.

DENTRO DA CARRUAGEM, ENCONTRARAM OSSOS, TECIDOS ANTIGOS E UMA PEQUENA ARCA DE FERRO, SELADA POR TRÊS FECHADURAS DOURADAS. PADRE HARUN RETIROU UM COLAR COM TRÊS CHAVES, CADA UMA REPRESENTANDO UM DOS ELEMENTOS — FOGO, ÁGUA E TERRA — E ABRIU A ARCA COM REVERÊNCIA. MAS, PARA SUA SURPRESA, O LIVRO NÃO ESTAVA ALI.

NO FUNDO FALSO DA ARCA, ENCONTRARAM APENAS UM PEDAÇO DE COURO COM INSCRIÇÕES RÚNICAS. LENA, QUE APRENDERA A DECIFRAR ANTIGAS LÍNGUAS COM SUA AVÓ, LEU EM VOZ ALTA:

— “O VERDADEIRO SABER FOI GUARDADO ONDE A GUERRA TERMINOU E O SILÊNCIO IMPERA. ENTRE COLUNAS CAÍDAS E BRASÕES PARTIDOS, OS OLHOS DA SERPENTE VERÃO O DESPERTAR.”

OS SACERDOTES SE ENTREOLHARAM.

— A CIDADE PERDIDA DE VARNOR... — SUSSURROU UM DELES. — FOI DESTRUÍDA NUMA GUERRA MÁGICA MIL ANOS ATRÁS. SE AINDA EXISTE ALGO DE PÉ, ESTÁ ESCONDIDO ENTRE AS ROCHAS DO VALE SOMBRIO.

GUIADOS PELAS PISTAS, O GRUPO PARTIU RUMO AO SUL. A PAISAGEM TORNOU-SE CADA VEZ MAIS MONTANHOSA, E OS TREMORES COMEÇARAM. NO HORIZONTE, O VULCÃO ADORMECIDO DE MONTE ULKAN SOLTAVA FUMAÇA NEGRA, E O CHÃO TREMIA COM MAIS FREQUÊNCIA A CADA DIA.

FINALMENTE, CHEGARAM ÀS RUÍNAS DE VARNOR. TORRES PARTIDAS E MURALHAS SEMI-ENTERRADAS COMPUNHAM O CENÁRIO SOMBRIO. BRASÕES QUEBRADOS MOSTRAVAM SERPENTES ENTRELAÇADAS, EXATAMENTE COMO O MAPA INDICAVA. MAS AO PISAREM NOS SALÕES CAÍDOS, O VULCÃO RUGIU COMO UM MONSTRO DESPERTO.

A TERRA TREMEU SOB SEUS PÉS. ROCHAS DESABARAM, RACHADURAS SE ABRIRAM, E UMA FENDA ENORME SURGIU NO CENTRO DAS RUÍNAS, REVELANDO UMA CÂMARA SUBTERRÂNEA ATÉ ENTÃO ESCONDIDA.

— VAMOS! — GRITOU PADRE HARUN, DESCENDO PELAS ESCADAS DE PEDRA COM OS JOVENS ATRÁS.

LÁ EMBAIXO, TÚNEIS SE ESTENDIAM EM TODAS AS DIREÇÕES. ELES SEGUIAM AS INSCRIÇÕES NAS PAREDES, AGORA MAIS FREQUENTES E LUMINOSAS, COMO SE ALGUM TIPO DE ENERGIA ANTIGA SE REATIVASSE COM A PRESENÇA DELES.

MAS NÃO ESTAVAM SOZINHOS.

ENQUANTO EXPLORAVAM OS TÚNEIS, OUVIRAM NOVAMENTE OS UIVOS — MAIS PRÓXIMOS, MAIS AMEAÇADORES. DAS SOMBRAS SURGIRAM CRIATURAS DE PELOS NEGROS E OLHOS PRATEADOS: LOBOS ENORMES, MAS COM FORMAS QUASE HUMANAS. ERAM OS GUARDIÕES DA MONTANHA, PROTETORES DO SEGREDO HÁ GERAÇÕES.

UM DELES AVANÇOU SOBRE TOMÁS, MAS MAURO O EMPURROU COM SEU ESCUDO IMPROVISADO. LENA LANÇOU UMA POÇÃO BRILHANTE QUE CEGOU AS CRIATURAS TEMPORARIAMENTE. OS SACERDOTES ENTOARAM CÂNTICOS DE PROTEÇÃO, E UMA LUZ AZULADA ENVOLVEU O GRUPO. AS CRIATURAS RECUARAM, UIVANDO EM LAMENTO, COMO SE RECONHECESSEM ALGO NOS SÍMBOLOS DAS TÚNICAS DOS SACERDOTES.

EM UMA SALA ESCONDIDA ALÉM DAS GALERIAS, ENCONTRARAM O QUE PARECIAM CATACUMBAS ANTIGAS. SARCÓFAGOS COBERTOS POR RUNAS, ESQUELETOS ADORNADOS POR ARMADURAS ANTIGAS E, NO CENTRO, UM PEDESTAL DE OBSIDIANA COM UM COMPARTIMENTO SELADO.

PADRE HARUN, COM MÃOS TRÊMULAS, APROXIMOU-SE. COLOCOU SOBRE O SELO AS TRÊS CHAVES E RECITOU UMA ANTIGA PRECE. O COMPARTIMENTO SE ABRIU, REVELANDO O CODEX ELEMENTAR — UM LIVRO GROSSO, COM CAPA FEITA DE PEDRA POLIDA E PÁGINAS DE METAL FINO GRAVADAS COM SÍMBOLOS EM CONSTANTE MOVIMENTO.

— ESTE É O TESOURO — DISSE HARUN. — MAS NÃO É OURO, NEM JOIAS. É CONHECIMENTO. E PODE TANTO SALVAR COMO DESTRUIR.

MAS A MONTANHA NÃO TINHA TERMINADO SUA MENSAGEM. COM UM NOVO TREMOR, UMA PAREDE CEDEU, REVELANDO OUTRA CÂMARA SECRETA — ESTA, COM INSCRIÇÕES QUE MOSTRAVAM O PASSADO DA CIDADE DESTRUÍDA. ERA UM AVISO: O USO INDEVIDO DAQUELE SABER HAVIA CAUSADO A RUÍNA DE VARNOR. OS MAGOS DE OUTRORA HAVIAM TRAVADO UMA GUERRA POR CONTROLE DOS ELEMENTOS, E O CODEX FORA SELADO POR SOBREVIVENTES ARREPENDIDOS.

— DEVEMOS LEVÁ-LO AO SANTUÁRIO CENTRAL — DECLAROU PADRE HARUN. — ONDE SERÁ PROTEGIDO DOS OLHOS GANANCIOSOS.

NO CAMINHO DE VOLTA, OS LOBOS OS ACOMPANHARAM, MAS SEM ATACAR. ERA COMO SE ESTIVESSEM GUIANDO O GRUPO PARA FORA. JÁ NÃO UIVAVAM DE FORMA AMEAÇADORA, MAS EM TOM TRISTE E CERIMONIAL. NA ÚLTIMA COLINA, ANTES DA FLORESTA, A ALCATEIA PAROU. UM DOS LOBOS, O MAIOR, OLHOU PARA LENA COM OLHOS QUASE HUMANOS, E ELA SENTIU COMO SE ELE DISSESSE: “AGORA VOCÊS SABEM.”

DE VOLTA AO VILAREJO, OS TREMORES CESSARAM. O VULCÃO ADORMECEU OUTRA VEZ, E AS NOITES DE LUA CHEIA TORNARAM-SE SILENCIOSAS. OS CAMPONESES AINDA CONTAVAM HISTÓRIAS DOS LOBOS, MAS AGORA COM RESPEITO.

LENA, TOMÁS E MAURO FORAM CONVIDADOS A TREINAR NO SANTUÁRIO COMO GUARDIÕES DO SABER. E, COM O TEMPO, TORNARAM-SE OS NOVOS PROTETORES DOS CAMINHOS SECRETOS, JURANDO NUNCA DEIXAR QUE A HISTÓRIA SE REPETISSE.