ERA UMA VEZ, EM TEMPOS ANTIGOS E DISTANTES, UM REINO RODEADO POR FLORESTAS DENSAS, MONTANHAS NEVADAS E RIOS QUE PARECIAM SERPENTES PRATEADAS DESLIZANDO POR ENTRE OS CAMPOS. ESSE REINO CHAMAVA-SE ELDORA, E ERA CONHECIDO POR SEU POVO CORAJOSO, SEUS TEMPLOS DOURADOS E SEU REI, QUE NÃO ERA APENAS UM GOVERNANTE, MAS O CORAÇÃO PULSANTE DE TODA A NAÇÃO.

O REI DE ELDORA CHAMAVA-SE AEDRIC, UM HOMEM DE VOZ FIRME, CABELOS LONGOS COMO CRINAS DE LEÃO E OLHOS QUE BRILHAVAM COMO BRASAS QUANDO FALAVA ÀS SUAS TROPAS. AEDRIC NÃO ERA APENAS UM LÍDER NOS TEMPOS DE PAZ, MAS TAMBÉM UM GUERREIRO NAS BATALHAS. SEMPRE QUE UMA AMEAÇA SE APROXIMAVA, ELE CAVALGAVA À FRENTE DO EXÉRCITO, ESPADA ERGUIDA, LEVANTANDO O MORAL DE SEUS SOLDADOS COM DISCURSOS QUE FAZIAM ATÉ OS MAIS MEDROSOS LUTAREM COMO GIGANTES.

NOS TEMPOS DE AEDRIC, ELDORA VIVIA UM PERÍODO DELICADO. AS TERRAS AO NORTE ERAM HABITADAS PELOS TEMÍVEIS VIKINGS, GUERREIROS DAS TEMPESTADES, NAVEGADORES FURIOSOS QUE VINHAM COMO TROVÕES DO MAR, COM SUAS BARBAS EMARANHADAS, OLHOS FRIOS E MACHADOS PRONTOS PARA RASGAR TUDO EM SEU CAMINHO.

MAS ELDORA NÃO ESTAVA INDEFESA. ALÉM DO EXÉRCITO LIDERADO POR AEDRIC, O REINO ERA PROTEGIDO POR SEUS TEMPLOS SAGRADOS — CONSTRUÇÕES IMENSAS DE MÁRMORE BRANCO, COM CÚPULAS DOURADAS QUE BRILHAVAM SOB O SOL. OS TEMPLOS NÃO ERAM APENAS LUGARES DE ORAÇÃO, MAS FONTES DE ENERGIA MÁGICA. DIZIAM QUE OS DEUSES ANTIGOS MORAVAM ENTRE AS COLUNAS DOS TEMPLOS, E, ENQUANTO ELES ESTIVESSEM DE PÉ, ELDORA SERIA INVENCÍVEL.

OS INIMIGOS SABIAM DISSO. E POR ISSO MESMO, MUITOS TENTAVAM DESTRUIR OS TEMPLOS PARA QUEBRAR A FORÇA DO REINO.

MAS HAVIA UMA LENDA. UMA QUE TODOS OS REIS CONHECIAM E TEMIAM. DIZIAM QUE AQUELE QUE DESTRUÍSSE UM TEMPLO — QUALQUER TEMPLO, MESMO DE UM INIMIGO — SOFRERIA A FÚRIA DOS DEUSES. ERA A MALDIÇÃO DAS ESTRELAS, UMA PRAGA ANTIGA QUE FAZIA O DESTRUIDOR PERDER TUDO QUE MAIS AMAVA.

MESMO ASSIM, A TENTAÇÃO ERA GRANDE. CADA TEMPLO DERRUBADO TIRAVA FORÇA DO INIMIGO. ERA UMA ARMA PODEROSA, MAS PERIGOSA.

NUMA MANHÃ NUBLADA, UM BATEDOR TROUXE MÁS NOTÍCIAS. OS VIKINGS ESTAVAM VINDO — E NÃO APENAS UMA FROTA COMUM, MAS A MAIOR JÁ VISTA. NAVIOS ATÉ ONDE A VISTA ALCANÇAVA, VELAS NEGRAS COMO O CÉU ANTES DA TEMPESTADE.

O REI AEDRIC REUNIU SEUS CONSELHEIROS.

— NÃO É UMA SIMPLES INVASÃO — DISSE O VELHO MAGO ALTHAR. — ELES NÃO QUEREM OURO. QUEREM NOSSOS TEMPLOS. QUEREM ACABAR COM A ALMA DE ELDORA.

— ENTÃO NÃO PODEMOS RECUAR — DISSE AEDRIC, BATENDO O PUNHO NA MESA. — LEVAREMOS A LUTA ATÉ ELES.

— VOSSA MAJESTADE — DISSE O GENERAL MORN, COM O CENHO FRANZIDO — SE DESTRUIRMOS O TEMPLO DE SKARN, O MAIOR DELES, PODEMOS ENFRAQUECÊ-LOS E EXPULSÁ-LOS POR UMA GERAÇÃO INTEIRA.

— MAS A MALDIÇÃO... — MURMUROU ALTHAR.

AEDRIC FICOU EM SILÊNCIO. SABIA O PESO DAQUELA DECISÃO.

NA MESMA NOITE, CAMINHOU SOZINHO ATÉ O TEMPLO DA CHAMA ETERNA, O MAIS SAGRADO DE ELDORA. LÁ, ACENDEU UMA VELA E AJOELHOU-SE DIANTE DA ESTÁTUA DOS DEUSES.

— EU LUTAREI. EU DEFENDEREI MEU POVO. MAS, SE TIVER QUE DESTRUIR UM TEMPLO PARA SALVÁ-LOS... ACEITO O PREÇO. — E A VELA TREMELUZENTE PARECEU CURVAR-SE AO VENTO, COMO SE OS DEUSES TIVESSEM OUVIDO.

A BATALHA COMEÇOU AO AMANHECER. OS VIKINGS CHEGARAM COMO UMA TEMPESTADE DE FERRO E FÚRIA. SEUS TAMBORES RESSOAVAM NOS CORAÇÕES DOS SOLDADOS. MAS O REI AEDRIC, SOBRE SEU CAVALO BRANCO, ERGUIA SUA ESPADA AOS CÉUS.

— POR ELDORA! — GRITOU ELE, E SUA VOZ FEZ AS MONTANHAS ECOAREM.

POR DIAS E NOITES, A GUERRA RUGIU COMO UM DRAGÃO SOLTO. OS CAMPOS VERDES TORNARAM-SE CINZENTOS. AS ÁRVORES TOMBARAM COMO SOLDADOS. MAS ELDORA RESISTIA.

ENTÃO VEIO O MOMENTO DECISIVO. OS ESPIÕES DESCOBRIRAM ONDE FICAVA O TEMPLO SAGRADO DOS VIKINGS — O TEMPLO DE SKARN, FEITO DE OSSOS DE BALEIAS E RUNAS BRILHANTES. ERA DE LÁ QUE OS VIKINGS TIRAVAM SUA FÚRIA DIVINA.

— SE O DESTRUIRMOS, ELES RECUARÃO — DISSE MORN.

AEDRIC HESITOU. MAS PENSOU NAS CRIANÇAS DO REINO, NAS FAMÍLIAS ESCONDIDAS ATRÁS DAS MURALHAS, NOS OLHOS ESPERANÇOSOS DE SEU POVO.

— QUE ASSIM SEJA — DISSE ELE. — DESTRUIREMOS SKARN.

UMA TROPA DE ELITE FOI ENVIADA. COM MAGIA E FOGO, O TEMPLO FOI DERRUBADO PEDRA POR PEDRA. AS RUNAS GRITARAM. O CÉU ESCURECEU. E OS VIKINGS, VENDO SUA FORÇA DESAPARECER, FUGIRAM COMO SOMBRAS AO AMANHECER.

A VITÓRIA FOI DE ELDORA.

MAS A ALEGRIA DUROU POUCO.

NAQUELA MESMA NOITE, TROVÕES RUGIRAM SOBRE O CASTELO. CHAMAS AZUIS DANÇAVAM NAS JANELAS. O REI CAIU DE JOELHOS, SEGURANDO O PEITO.

. ALGO DENTRO DELE HAVIA SIDO ARRANCADO. NÃO ERA DOR FÍSICA — ERA COMO SE UMA PARTE DA SUA ALMA ESTIVESSE SENDO QUEIMADA POR DENTRO. ALTHAR, O VELHO MAGO, CORREU ATÉ ELE, OS OLHOS ARREGALADOS AO VER MARCAS BRILHANTES, COMO CICATRIZES DE LUZ, SURGINDO NA PELE DO REI.

— A MALDIÇÃO COMEÇOU — DISSE ELE, NUM SUSSURRO QUE PARECIA CARREGAR O PESO DO MUNDO.

NA MESMA HORA, GRITOS ECOARAM PELOS CORREDORES DO CASTELO. AEDRIC, AINDA CAMBALEANDO, ERGUEU-SE COM ESFORÇO E CORREU EM DIREÇÃO AO BERÇO DE SUA FILHA, A PRINCESA LYSANDRA.

MAS QUANDO CHEGOU, O QUARTO ESTAVA VAZIO.

AS JANELAS ESTAVAM ABERTAS. AS CORTINAS TREMULAVAM COMO BANDEIRAS DERROTADAS. E NO CHÃO, HAVIA APENAS UMA PENA BRANCA — LUMINOSA, PULSANDO COMO O CORAÇÃO DE UMA ESTRELA.

— LYSANDRA... — MURMUROU O REI, CAINDO DE JOELHOS PELA SEGUNDA VEZ NAQUELA NOITE.

O CÉU SOBRE ELDORA CHORAVA. CHUVA PRATEADA CAÍA DO FIRMAMENTO, COMO LÁGRIMAS DOS PRÓPRIOS DEUSES. AEDRIC OLHOU PARA CIMA E, PELA PRIMEIRA VEZ, SUA FÚRIA RIVALIZAVA COM A DEUSES.

— VOCÊS ME PUNEM POR SALVAR MEU POVO? ENTÃO QUE ASSIM SEJA! — SUA VOZ RUGIU, CARREGADA DE DOR E DESAFIO.

 

NOS DIAS QUE SEGUIRAM, ELDORA COMEMORAVA A VITÓRIA, MAS O REI ESTAVA DIFERENTE. MAIS SILENCIOSO, MAIS SOMBRIO. OS CONSELHEIROS DIZIAM QUE ELE PASSAVA NOITES INTEIRAS NO TEMPLO DA CHAMA ETERNA, CONVERSANDO COM OS DEUSES — OU AMALDIÇOANDO-OS.

E ENTÃO, COMEÇOU A MUDANÇA.

PLANTAS COMEÇARAM A CRESCER ONDE AEDRIC PISAVA, MESMO EM PEDRA. SEUS OLHOS AGORA BRILHAVAM DE VERDADE, COMO SÓIS CONTIDOS. E SUA VOZ, QUANDO FALAVA, FAZIA A TERRA VIBRAR. A MALDIÇÃO DOS DEUSES NÃO O MATAVA... ESTAVA O TRANSFORMANDO.

— ELE ESTÁ SE TORNANDO ALGO MAIS — DISSE ALTHAR, OBSERVANDO DE LONGE. — NÃO UM HOMEM..., MAS UMA FORÇA.

O REI DA LUZ.

 

MAS AEDRIC NÃO DESCANSARIA. ELE TINHA UMA MISSÃO AGORA: ENCONTRAR LYSANDRA. NÃO IMPORTA ONDE OS DEUSES A TIVESSEM ESCONDIDO, ELE IRIA BUSCÁ-LA. NEM QUE TIVESSE QUE ATRAVESSAR O MUNDO DOS MORTOS, OU ESCALAR OS CÉUS.

E PARA ISSO, ELE PRECISAVA IR ALÉM DE ELDORA. ALÉM DO MUNDO DOS HOMENS.

ELE CONVOCOU OS MAGOS, OS ANTIGOS, OS QUE VIVIAM NAS SOMBRAS DAS MONTANHAS. PEDIU A ELES UM MAPA — O MAPA DAS ESTRELAS PERDIDAS, QUE MOSTRAVA OS CAMINHOS ENTRE OS MUNDOS, CAMINHOS QUE SÓ PODIAM SER TRILHADOS POR AQUELES QUE NÃO ERAM MAIS APENAS HUMANOS.

AEDRIC, AGORA, ERA UM DELES.

E ASSIM COMEÇOU UMA NOVA JORNADA.

O REI DEIXARIA SEU REINO POR UM TEMPO. MAS NÃO POR FRAQUEZA — E SIM POR AMOR.

POR ENTRE PORTAIS DE LUZ E SOMBRA, POR TERRAS ONDE OS PRÓPRIOS SONHOS GANHAVAM FORMA, AEDRIC CAMINHARIA.

O REI DA LUZ.

O PAI EM BUSCA DA FILHA.

O HOMEM QUE OUSOU DESAFIAR OS DEUSES — E VIVER PARA CONTAR A HISTÓRIA.

MAS A PERGUNTA PERMANECIA: O QUE EXATAMENTE OS DEUSES HAVIAM FEITO COM LYSANDRA? E POR QUÊ?

EDRIC PARTIU AO ENTARDECER. NÃO LEVOU EXÉRCITO, NEM CAVALO. APENAS SUA ESPADA — AGORA ENVOLTA EM UMA LUZ DOURADA CONSTANTE —, O MAPA DAS ESTRELAS PERDIDAS, E A CORAGEM DE UM PAI QUE NÃO TEME OS DEUSES.

OS PORTÕES DO MUNDO SE ABRIRAM NO ALTO DA MONTANHA VAZIA, UM LUGAR ONDE O VENTO NUNCA SOPRA E O TEMPO PARECE ESQUECER DE PASSAR. ALTHAR O ACOMPANHOU ATÉ LÁ, O VELHO MAGO COM OS OLHOS MAREJADOS.

— ALÉM DAQUI MAJESTADE, NÃO HÁ GARANTIAS. OS CAMINHOS SÃO INSTÁVEIS, GUIADOS NÃO PELA LÓGICA, MAS PELO DESEJO. VOCÊ PODERÁ VER COISAS QUE NÃO EXISTEM... OU PIOR, COISAS QUE EXISTEM DEMAIS.

— DESDE QUE EU VEJA MINHA FILHA, ALTHAR, QUE VENHA O IMPOSSÍVEL — RESPONDEU O REI, ANTES DE DAR O PRIMEIRO PASSO RUMO AO PORTAL.

**

A PRIMEIRA TERRA ALÉM DO VÉU CHAMAVA-SE NARETH, O REINO DAS MEMÓRIAS MORTAS.

ALI, O CÉU ERA ROXO E AS ÁRVORES CHORAVAM SEIVA DOURADA. AS PESSOAS QUE ALI VIVIAM — OU QUE RESTAVAM DELAS — ERAM ECOS DE VIDAS PASSADAS. CADA UM, UMA LEMBRANÇA VIVA, PRESA EM UM CICLO ETERNO.

AEDRIC ANDAVA POR ENTRE RUAS SILENCIOSAS, QUANDO OUVIU UMA RISADA. FAMILIAR.

— PAI?

VIROU-SE DE SÚBITO.

LYSANDRA ESTAVA ALI, SORRINDO COM OS OLHOS FAISCANTES. CORRIA EM SUA DIREÇÃO COM OS BRAÇOS ABERTOS. MAS ANTES QUE ELE A TOCASSE — ELA SE DESFEZ EM POEIRA LUMINOSA.

— NÃO É REAL — SUSSURROU UMA VOZ ATRÁS DELE. ERA UMA MULHER DE PELE AZULADA E OLHOS LÍQUIDOS. UMA GUARDIÃ DA MEMÓRIA.

— ERA MINHA FILHA — DISSE AEDRIC, A VOZ EMBARGADA.

— ERA A LEMBRANÇA DE SUA FILHA. OS DEUSES A ESCONDERAM NUM LUGAR QUE NEM OS MORTOS ALCANÇAM. VOCÊ NÃO A ENCONTRARÁ AQUI, MAS PODE APRENDER ONDE ELA ESTÁ... SE PAGAR O PREÇO.

— QUE PREÇO?

— UMA MEMÓRIA VERDADEIRA, EM TROCA DE UMA PISTA. ALGO QUE VOCÊ JAMAIS PODERÁ VIVER DE NOVO.

AEDRIC HESITOU. E ENTÃO, ASSENTIU.

A MULHER TOCOU SUA TESTA, E UMA LUZ FORTE BRILHOU. ELE CAIU DE JOELHOS — E ESQUECEU O DIA EM QUE SEGUROU LYSANDRA PELA PRIMEIRA VEZ NOS BRAÇOS.

MAS, EM TROCA, RECEBEU UMA VISÃO.

UM TRONO FEITO DE CRISTAL FLUTUANDO ENTRE AS ESTRELAS, GUARDADO POR OS QUATRO ARCANOS — SERES DIVINOS, ESQUECIDOS ATÉ PELOS DEUSES. E SOBRE O TRONO, UMA CRIANÇA... ENVOLTA EM LUZ, CANTANDO SEM SOM.

— É LÁ QUE ELA ESTÁ — DISSE A MULHER. — NA CITADELA DO FIM DO CÉU. MAS PARA CHEGAR ATÉ LÁ, VOCÊ TERÁ QUE CRUZAR O MAR DE ESPELHOS, E ENFRENTAR A SOMBRA DO QUE VOCÊ PODERIA TER SIDO.

**

AEDRIC PARTIU DE NARETH COM O CORAÇÃO MAIS LEVE E MAIS PESADO AO MESMO TEMPO.

AGORA, ELE SABIA PARA ONDE IR.

MAS OS DEUSES SABIAM TAMBÉM.

E NO PLANO SUPERIOR, NO SALÃO DAS CONSTELAÇÕES, UMA FIGURA DE OLHOS COMO BURACOS NEGROS OBSERVAVA O REI.

— ELE ESTÁ VINDO — DISSE A FIGURA, TOCANDO UM ESPELHO QUE REFLETIA AEDRIC.

— DEIXE-O VIR — RESPONDEU UMA VOZ FEMININA, FEITA DE TROVÕES. — QUANDO ELE CHEGAR... VERÁ O QUE REALMENTE SIGNIFICA DESAFIAR O DESTINO.

.

O CAMINHO ATÉ O MAR DE ESPELHOS NÃO ERA APENAS LONGO — ERA IRREAL. AEDRIC CAMINHAVA POR UMA TRILHA ONDE O CÉU SE MISTURAVA AO CHÃO, E O TEMPO PARECIA RESPIRAR. CADA PASSO ECOAVA COMO UM TROVÃO DISTANTE, COMO SE O UNIVERSO SUSSURRASSE SEGREDOS ESQUECIDOS.

E ENTÃO, ELE CHEGOU.

O MAR DE ESPELHOS NÃO ERA FEITO DE ÁGUA, MAS DE CRISTAL LÍQUIDO, PRATEADO, QUE REFLETIA TUDO — MAS NÃO EXATAMENTE COMO ERA. OS REFLEXOS ALI MOSTRAVAM POSSIBILIDADES, VIDAS QUE PODERIAM TER SIDO VIVIDAS. GLÓRIAS, QUEDAS, AMORES PERDIDOS, TRAIÇÕES NÃO COMETIDAS.

E NO CENTRO DO MAR, HAVIA UMA PONTE. ESTREITA. ANTIGA. E DIANTE DELA... UMA FIGURA IDÊNTICA A AEDRIC, MAS COM UMA ARMADURA NEGRA COMO OBSIDIANA E OLHOS VAZIOS COMO A NOITE SEM ESTRELAS.

— EU SOU O QUE VOCÊ TERIA SIDO SE ESCOLHESSE O PODER AO INVÉS DO AMOR — DISSE A SOMBRA.

AEDRIC APERTOU O PUNHO AO REDOR DA EMPUNHADURA DA ESPADA.
— VOCÊ NÃO PASSA DE UM FANTASMA.

— TALVEZ. MAS AQUI, FANTASMAS LUTAM.

A SOMBRA ATACOU PRIMEIRO. SUA LÂMINA ERA FEITA DE ARREPENDIMENTO SOLIDIFICADO, E CADA GOLPE TRAZIA MEMÓRIAS PERDIDAS À TONA: A MORTE DO PAI, O MEDO DA GUERRA, O DIA EM QUE QUASE DEIXOU O TRONO PARA FUGIR COM SEU AMOR DE JUVENTUDE.

AEDRIC CAIU DE JOELHOS, OFEGANTE.
— VOCÊ É FORTE... PORQUE SOU FRACO.

A SOMBRA SORRIU.
— NÃO. EU SOU FORTE PORQUE VOCÊ AINDA TEM MEDO.

MAS NAQUELE INSTANTE, A IMAGEM DE LYSANDRA SURGIU EM SUA MENTE. NÃO UMA VISÃO, NEM UMA LEMBRANÇA — MAS A SENSAÇÃO DE SEGURÁ-LA NO COLO, MESMO QUE ELE NÃO LEMBRASSE MAIS COMO FOI.

ELE SE ERGUEU.

E PELA PRIMEIRA VEZ, A LUZ AO REDOR DE SUA ESPADA QUEIMOU COM UM DOURADO PURO. NÃO FÚRIA. NÃO VINGANÇA.

AMOR.

O GOLPE SEGUINTE NÃO FOI DE FORÇA, MAS DE VERDADE. E A SOMBRA SE DESFEZ COMO VIDRO AO VENTO.

**

A PONTE ABRIU-SE DIANTE DELE. E AEDRIC ATRAVESSOU O MAR DE ESPELHOS, ABANDONANDO TODAS AS VIDAS QUE NUNCA VIVEU.

DO OUTRO LADO, UM NOVO CÉU SE ESTENDIA: REPLETO DE CONSTELAÇÕES DESCONHECIDAS, E ENTRE ELAS, UMA FORTALEZA FLUTUAVA.
A CITADELA DO FIM DO CÉU.

— ESTOU PERTO — MURMUROU ELE. — AGUENTE FIRME, MINHA FILHA.

MAS ACIMA, NAS TORRES DA CITADELA, OS QUATRO ARCANOS DESPERTAVAM. SERES ANTIGOS, CADA UM REPRESENTANDO UMA ESSÊNCIA DOS DEUSES: TEMPO, VERDADE, DOR E DESTINO.

E ELES SUSSURRARAM ENTRE SI:

— O REI DA LUZ VEM.
— E COM ELE, O FIM DE UM CICLO.
— OU O COMEÇO DE OUTRO.

AEDRIC ATRAVESSOU OS PORTÕES DA CITADELA DO FIM DO CÉU, CUJAS MURALHAS BRILHAVAM COM ESTRELAS QUE NUNCA HAVIAM NASCIDO. NÃO HAVIA VENTO, NEM SOM. ALI, O SILÊNCIO ERA SAGRADO.

NO CENTRO DA GRANDE SALA, QUATRO TRONOS CERCAVAM UM ALTAR FLUTUANTE. EM CADA TRONO, UM ARCANO:

• CHRONETH, O TEMPO, CUJOS OLHOS ERAM AMPULHETAS SEM AREIA.
• VERIDAH, A VERDADE, FEITA INTEIRAMENTE DE ESPELHOS QUEBRADOS.
• DOLMAR, A DOR, UM SER COBERTO POR CICATRIZES VIVAS QUE SE ABRIAM E FECHAVAM COMO BOCAS SILENCIOSAS.
• KAELION, O DESTINO, ENCAPUZADO, COM MIL FIOS SAINDO DE SEUS DEDOS, CONECTADOS ÀS ESTRELAS.

NO ALTAR, DORMIA LYSANDRA. FLUTUAVA COMO UMA CHAMA ADORMECIDA.

— ELA NÃO ESTÁ MORTA — DISSE VERIDAH. — APENAS ENTRE MUNDOS. AQUI, ELA É SEGURA. AQUI, ELA É... ETERNA.

AEDRIC AVANÇOU.
— DEVOLVAM MINHA FILHA.

DOLMAR INCLINOU-SE.
— E O QUE VOCÊ NOS DARÁ EM TROCA, REI AMALDIÇOADO?

— JÁ DEI TUDO. MINHA MEMÓRIA, MINHA GLÓRIA, MEU LUGAR NO MUNDO DOS HOMENS.

CHRONETH ERGUEU A MÃO.
— AINDA LHE RESTA ALGO: SEU TEMPO.

KAELION FALOU POR FIM, E SUA VOZ FEZ O CHÃO SE CURVAR:
— O CICLO DEVE SE FECHAR. SE ELA VOLTAR, ALGO DEVE TOMAR SEU LUGAR. NÃO HÁ LUZ SEM SOMBRA. NÃO HÁ VIDA SEM PERDA.

AEDRIC OLHOU PARA A FILHA. O CABELO DELA FLUTUAVA COMO ALGAS EM UM LAGO CELESTIAL. SEU ROSTO ESTAVA EM PAZ. E ELE SOUBE, NAQUELE INSTANTE, QUE O AMOR VERDADEIRO NÃO PEDE GARANTIAS. APENAS ENTREGA.

— LEVEM MEU TEMPO — DISSE ELE. — CADA SEGUNDO QUE EU VIVERIA, CADA AMANHECER, CADA SONHO. DÊEM TUDO A ELA. QUE ELA CRESÇA. QUE ELA AME. QUE ELA LUTE, SE PRECISO FOR. MAS VIVA.

OS ARCANOS NÃO SORRIRAM, POIS, DEUSES NÃO SORRIEM. MAS ABAIXARAM A CABEÇA EM ACEITAÇÃO.

A LUZ.FOI COMO O NASCER DE UM SOL DENTRO DE OUTRO SOL

.

AEDRIC SENTIU-SE SENDO RASGADO EM MIL FRAGMENTOS DE LUZ E ESPALHADO PELAS CONSTELAÇÕES. MAS ELE NÃO GRITOU. NÃO CHOROU. PORQUE NAQUELE ÚLTIMO INSTANTE, ELE VIU LYSANDRA ABRIR OS OLHOS.

E ELA O VIU TAMBÉM.

— PAI? — SUSSURROU.

E ELE RESPONDEU, JÁ FEITO ESTRELA:

— SEMPRE.

LYSANDRA FOI ENCONTRADA ÀS PORTAS DO TEMPLO DA CHAMA ETERNA, ENVOLTA POR UMA LUZ QUE NENHUM MAGO SOUBE EXPLICAR. CRESCEU FORTE, CORAJOSA, COM OS OLHOS DO PAI E A LUZ DO SOL NOS CABELOS.

DIZEM QUE ELA SE TORNOU RAINHA. QUE RECONSTRUIU OS TEMPLOS, NÃO COMO FORTALEZAS, MAS COMO PONTES ENTRE OS HOMENS E OS DEUSES. QUE ELA FALAVA COM AS ESTRELAS, E QUE, ÀS VEZES, NOS DIAS MAIS CLAROS, FICAVA PARADA OLHANDO O CÉU, COMO SE ESCUTASSE ALGUÉM.

E, À NOITE, UMA NOVA CONSTELAÇÃO BRILHAVA SOBRE ELDORA.

FORMAVA A IMAGEM DE UMA ESPADA ERGUIDA, CERCADA POR ASAS FLAMEJANTES.

QUANDO LYSANDRA DESPERTOU NA CITADELA DO FIM DO CÉU, AS ESTRELAS ESTREMECERAM. ELA CAIU DE JOELHOS SOBRE O ALTAR, OFEGANTE, OS OLHOS CHEIOS DE LUZ E LÁGRIMAS. AO REDOR, OS QUATRO ARCANOS HAVIAM DESAPARECIDO. A CITADELA COMEÇAVA A RUIR — SUA FUNÇÃO CUMPRIDA, SEU PACTO SELADO.

MAS ELA SENTIA.
ALGO FALTAVA.
ALGUÉM.

— PAI...? — A PALAVRA ECOOU, SUAVE, COMO UMA PRECE PERDIDA.

A RESPOSTA VEIO EM SILÊNCIO.

NÃO UMA VOZ, MAS UMA LEMBRANÇA VIVA, COMO O CALOR DE MÃOS QUE A SEGURARAM UM DIA, COMO A FORÇA QUE A EMBALOU NOS BRAÇOS MESMO QUANDO ELA ERA SÓ UMA LUZ NO VENTRE DA RAINHA.

QUANDO LYSANDRA RETORNOU A ELDORA, ENVOLTA POR UM CÍRCULO DE CHAMAS DOURADAS, FOI RECEBIDA COM REVERÊNCIA E ESPANTO. OS MAGOS DESMAIARAM. OS ANCIÃOS CHORARAM. E OS SINOS DO REINO TOCARAM POR TRÊS DIAS E TRÊS NOITES.

ELA CRESCEU SOB A PROTEÇÃO DOS TEMPLOS, MAS TAMBÉM SOB AS HISTÓRIAS DO POVO. CADA ALDEÃO, CADA GUERREIRO, CADA CRIANÇA SABIA O NOME DO HOMEM QUE ATRAVESSOU MUNDOS PARA SALVÁ-LA.

AEDRIC, O REI QUE DESAFIOU OS DEUSES — E OS FEZ OUVIR.

MAS COM O TEMPO, A MENINA TORNOU-SE MULHER. E A MULHER TORNOU-SE RAINHA.
E A RAINHA TORNOU-SE LENDA.

CERTA NOITE, MUITOS ANOS DEPOIS, LYSANDRA SUBIU SOZINHA A MONTANHA VAZIA, ONDE O VÉU ENTRE OS MUNDOS É MAIS TÊNUE. SENTOU-SE SOB O CÉU ABERTO E FALOU COM AS ESTRELAS:

— EU VIVI. EU AMEI. EU LUTEI, COMO VOCÊ QUERIA. MAS SINTO SUA AUSÊNCIA COMO UMA SEGUNDA PELE. ONDE VOCÊ ESTÁ?

NESSE INSTANTE, AS CONSTELAÇÕES DANÇARAM LEVEMENTE, COMO SE RESPIRASSEM. E UMA NOVA ESTRELA BRILHOU — NÃO NO CÉU, MAS EM SEU CORAÇÃO. UMA LUZ CÁLIDA, CONHECIDA, QUE SUSSURRAVA NÃO EM PALAVRAS, MAS EM SENTIMENTOS:

“SEMPRE ESTIVE AQUI.”

LÁGRIMAS DESCERAM PELO ROSTO DA RAINHA. MAS NÃO ERAM DE TRISTEZA.

E QUANDO ELA DESCEU DA MONTANHA, UMA NOVA AURORA COBRIU ELDORA: UMA LUZ DOURADA, PURA, QUE NUNCA SE VIRA — COMO SE O PRÓPRIO CÉU SORRISSE.