HELENA SEMPRE ACHOU QUE ERA UMA MENINA INVISÍVEL. NÃO DO TIPO QUE DESAPARECE COMO MÁGICA, MAS DO TIPO QUE QUASE NINGUÉM REPARA. ELA TINHA DOZE ANOS, CABELOS CASTANHOS PRESOS QUASE SEMPRE NUM RABO DE CAVALO MEIO TORTO, E USAVA TÊNIS GASTOS QUE JÁ TINHAM PERTENCIDO À SUA IRMÃ MAIS VELHA. NA ESCOLA, SENTAVA-SE PERTO DA JANELA E PASSAVA OS RECREIOS LENDO OU RABISCANDO NO SEU CADERNO DE DESENHOS.

ERA NESSE CADERNO QUE HELENA REGISTRAVA TUDO: PENSAMENTOS, DESABAFOS, PLANOS SECRETOS. ELA O CHAMAVA DE DIÁRIO DA CAPITÃ INVISÍVEL. PORQUE, EMBORA NÃO PARECESSE, HELENA ERA UMA CAPITÃ. CAPITÃ DE SI MESMA. TINHA UM MUNDO INTEIRO DENTRO DA CABEÇA — COM REINOS ESCONDIDOS, MONSTROS E MAPAS SECRETOS — MAS ACHAVA QUE NINGUÉM SE IMPORTARIA EM OUVIR SOBRE ISSO.

TUDO COMEÇOU A MUDAR NO INÍCIO DO SEXTO ANO, QUANDO UMA NOVA VIZINHA SE MUDOU PARA O PRÉDIO AO LADO. ELA SE CHAMAVA LUMA. HELENA A VIU PELA PRIMEIRA VEZ DA JANELA DA SALA, CARREGANDO UMA BICICLETA AZUL E USANDO UMA CAMISETA COM UM DESENHO DA MULHER-MARAVILHA. TINHA CABELOS CRESPOS, CHEIOS DE PRESILHAS COLORIDAS, E UMA MOCHILA COM PATCHES E BOTTONS DE BANDAS QUE HELENA NÃO CONHECIA.

NAQUELA TARDE, LUMA APARECEU NA PRACINHA DO CONDOMÍNIO COM UM SKATE, E LOGO ESTAVA CERCADA POR UM GRUPO DE CRIANÇAS. RIA ALTO, FAZIA PIADAS, TENTAVA ENSINAR TRUQUES. HELENA OBSERVAVA DE LONGE, SENTADA NO BALANÇO, COM UM LIVRO NO COLO QUE NEM ESTAVA LENDO DE VERDADE.

MAS FOI NO DIA SEGUINTE QUE AS DUAS REALMENTE SE CONHECERAM. HELENA ESTAVA DESENHANDO SOZINHA PERTO DA CAIXA DE AREIA QUANDO LUMA CHEGOU PERTO, APONTOU O DESENHO E DISSE:

— CARAMBA! VOCÊ DESENHOU ISSO? É TIPO… MUITO BOM. PARECE DE HQ!

HELENA COROU. — É SÓ UM RASCUNHO…

— VOCÊ CURTE QUADRINHOS? — LUMA PERGUNTOU, SENTANDO-SE AO LADO DELA COMO SE JÁ FOSSEM AMIGAS DE INFÂNCIA.

HELENA ASSENTIU.

— EU TAMBÉM! TÔ TENTANDO FAZER MINHA PRÓPRIA HISTÓRIA. MAS NÃO SOU BOA DESENHANDO. SÓ ESCREVENDO. VOCÊ PODIA ME AJUDAR.

E FOI ASSIM QUE TUDO COMEÇOU.

DEPOIS DESSE DIA, HELENA E LUMA SE TORNARAM INSEPARÁVEIS. PASSAVAM AS TARDES JUNTAS, PLANEJANDO HISTÓRIAS, DESENHANDO PERSONAGENS, CRIANDO AVENTURAS EM MUNDOS QUE SÓ ELAS ENTENDIAM. DECIDIRAM FORMAR UM CLUBE. NÃO QUALQUER CLUBE, MAS UM CLUBE SECRETO.

— VAI SE CHAMAR “CLUBE DAS MENINAS INVISÍVEIS”! — LUMA DECLAROU, FAZENDO UM CARTAZ COM GLITTER E TINTA NEON.

— MAS VOCÊ NÃO É INVISÍVEL — HELENA DISSE, RINDO.

— AH, TODO MUNDO É UM POUCO, ÀS VEZES — LUMA RESPONDEU. — MESMO QUANDO PARECEM BRILHAR POR FORA.

O CLUBE PASSOU A SE REUNIR DUAS VEZES POR SEMANA, NO ANTIGO PORÃO DO PRÉDIO DE LUMA, ONDE ELAS MONTARAM UM QUARTEL-GENERAL COM LANTERNAS, ALMOFADAS, PÔSTERES E UM BAÚ CHEIO DE REVISTAS EM QUADRINHOS. AS REGRAS ERAM SIMPLES: 1) ACEITAR QUEM VOCÊ É; 2) NUNCA RIR DE UM SONHO; 3) USAR A IMAGINAÇÃO COMO ESCUDO.

UM DIA, A PROFESSORA DE PORTUGUÊS ANUNCIOU UM CONCURSO DE HISTÓRIAS NA ESCOLA. OS ALUNOS DEVERIAM ESCREVER E ILUSTRAR UMA PEQUENA HQ SOBRE ALGUM TEMA DO COTIDIANO.

— É A NOSSA CHANCE! — LUMA DISSE, OS OLHOS BRILHANDO. — VAMOS ESCREVER SOBRE O CLUBE!

HELENA HESITOU. — MAS E SE NÃO GOSTAREM? E SE RIREM?

— LEMBRA DA REGRA DOIS? — LUMA RESPONDEU, FIRME. — NUNCA RIR DE UM SONHO.

PASSARAM DUAS SEMANAS TRABALHANDO NO PROJETO. HELENA DESENHAVA CENAS CHEIAS DE EMOÇÃO: MENINAS ENFRENTANDO DIAS DIFÍCEIS, SE APOIANDO, SE DESCOBRINDO. LUMA ESCREVIA OS BALÕES DE FALA, OS PENSAMENTOS, OS DETALHES DE CADA PERSONAGEM.

O TÍTULO DA HQ? “MENINAS INVISÍVEIS EM MISSÃO: SALVAR A SI MESMAS”.

QUANDO CHEGOU O DIA DA APRESENTAÇÃO, HELENA QUASE DESISTIU. ESTAVA COM FRIO NA BARRIGA, O CORAÇÃO PULANDO. LUMA SEGUROU SUA MÃO.

— A GENTE NÃO ESTÁ SOZINHA, LEMBRA?

A APRESENTAÇÃO FOI NA FRENTE DA SALA TODA. HELENA MAL CONSEGUIU LEVANTAR OS OLHOS DO PAPEL, MAS LUMA FALAVA COM TANTA PAIXÃO QUE OS COLEGAS FICARAM EM SILÊNCIO, OUVINDO CADA PALAVRA.

NO FIM, HOUVE APLAUSOS. E ELOGIOS. ATÉ A PROFESSORA FICOU COM OS OLHOS MAREJADOS.

NA HORA DO RECREIO, ALGUMAS MENINAS VIERAM ATÉ ELAS.

— A GENTE TAMBÉM TEM UM CLUBE…, MAS NUNCA TEVE CORAGEM DE CONTAR. SERÁ QUE PODE FAZER PARTE DO DE VOCÊS?

HELENA OLHOU PARA LUMA, QUE SORRIU E RESPONDEU:

— CLARO QUE PODE. TODO MUNDO QUE JÁ SE SENTIU INVISÍVEL MERECE TER UM LUGAR PARA BRILHAR.

AOS POUCOS, O CLUBE CRESCEU. NÃO ERA MAIS TÃO SECRETO — MAS CONTINUAVA ESPECIAL. RECEBIA MENINAS QUE GOSTAVAM DE FUTEBOL E MENINAS QUE AMAVAM POESIA, MENINAS QUE SE SENTIAM DIFERENTES OU DESLOCADAS. CADA UMA COM SUA HISTÓRIA, SUA DOR, SUA FORÇA.

HELENA AINDA ESCREVIA NO SEU DIÁRIO, MAS AGORA COMEÇAVA ASSIM:

“HOJE, A CAPITÃ INVISÍVEL SALVOU MAIS UMA MENINA DO ESQUECIMENTO. E DESCOBRIU QUE, ÀS VEZES, SER VISTA É SÓ O COMEÇO.”

O CLUBE VIVIA UM DOS SEUS MELHORES MOMENTOS. AS REUNIÕES ESTAVAM CHEIAS, AS IDEIAS FLUÍAM E AS AMIZADES PARECIAM SÓLIDAS COMO PEDRA. MAS, COMO ACONTECE COM QUALQUER GRUPO, OS DIAS DE SOL TAMBÉM TRAZEM ALGUMAS NUVENS.

TUDO COMEÇOU QUANDO LUMA QUIS FAZER MUDANÇAS NO FORMATO DO CLUBE. ACHAVA QUE PODERIAM SE DIVIDIR EM GRUPOS MENORES, COM TEMAS ESPECÍFICOS: ARTES, ESCRITA, DEBATES. DISSE QUE ERA UMA FORMA DE CRESCER E APROVEITAR MELHOR OS TALENTOS DE CADA UMA.

— ASSIM NINGUÉM FICA NO BANCO DE RESERVA — DISSE, CHEIA DE ENERGIA.

MAS HELENA NÃO GOSTOU DA IDEIA. SENTIA QUE O CLUBE SÓ ERA FORTE PORQUE ERA UM SÓ. E, MAIS DO QUE ISSO, NÃO QUERIA PERDER A CONEXÃO DIRETA COM LUMA. NOS ÚLTIMOS ENCONTROS, ELA JÁ HAVIA NOTADO QUE LUMA PASSAVA MAIS TEMPO COM OUTRAS MENINAS — ORGANIZANDO OS NOVOS GRUPOS, DISCUTINDO IDEIAS, CRIANDO UM SITE. E MENOS TEMPO COM ELA.

NA REUNIÃO SEGUINTE, LUMA CHEGOU ANIMADA, DISTRIBUINDO FICHAS COM AS NOVAS DIVISÕES. HELENA RECUSOU A DELA. DISSE QUE PREFERIA CONTINUAR COMO ESTAVA.

— MAS A GENTE PRECISA EVOLUIR — LUMA RESPONDEU, UM POUCO IMPACIENTE. — FICAR NO MESMO LUGAR CANSA.

— OU CONFORTA — HELENA REBATEU, SURPRESA COM A PRÓPRIA FIRMEZA.

AS MENINAS FICARAM EM SILÊNCIO. NÃO ERA UMA BRIGA DE GRITOS, MAS ALGO MAIS DELICADO: UMA RACHADURA SILENCIOSA.

NOS DIAS QUE SEGUIRAM, HELENA SE AFASTOU UM POUCO. NÃO PAROU DE DESENHAR, MAS VOLTOU A FAZER ISSO SOZINHA. SENTIA-SE MEIO ABANDONADA, COMO SE O CLUBE TIVESSE SEGUIDO SEM ELA. E SENTIA VERGONHA DISSO. ACHAVA QUE ESTAVA SENDO EGOÍSTA.

QUEM NOTOU A MUDANÇA FOI ÍRIS. CHEGOU PERTO DELA, NO RECREIO, E PERGUNTOU:

— VOCÊ ESTÁ BEM?

HELENA HESITOU, MAS ACABOU DESABAFANDO. CONTOU SOBRE O INCÔMODO, A SAUDADE DAS PRIMEIRAS REUNIÕES, A SENSAÇÃO DE ESTAR PERDENDO SUA MELHOR AMIGA.

ÍRIS OUVIU SEM JULGAR.

— VOCÊ JÁ PENSOU QUE TALVEZ ELA TAMBÉM ESTEJA PERDIDA? — DISSE. — ÀS VEZES, QUANDO A GENTE TENTA SER FORTE PARA TODO MUNDO, ESQUECE DE MOSTRAR QUE TAMBÉM PRECISA SER CUIDADA.

NAQUELE MESMO DIA, HELENA DESENHOU UMA NOVA PÁGINA PARA A HQ DELAS. DUAS HEROÍNAS CAMINHAVAM EM DIREÇÕES OPOSTAS, SEGURANDO LANTERNAS. NO FIM DA PÁGINA, OS FEIXES DE LUZ SE ENCONTRAVAM DE NOVO, ILUMINANDO O MESMO PONTO: UM CORAÇÃO.

LEVOU O DESENHO ATÉ LUMA, QUE ESTAVA NUMA DAS MESAS DO CLUBE COM OUTRAS MENINAS.

— EU NÃO GOSTEI DAS DIVISÕES — HELENA DISSE, SEM RODEIOS. — MAS ENTENDO POR QUE VOCÊ QUIS FAZER. E... EU SINTO FALTA DA GENTE JUNTAS.

LUMA OLHOU O DESENHO, MORDEU O LÁBIO INFERIOR. SEU ROSTO PARECIA MAIS CANSADO DO QUE ANTES.

— EU TAMBÉM SINTO — ELA RESPONDEU. — SÓ FIQUEI COM MEDO DE PRENDER O CLUBE A UM JEITO SÓ. MAS TALVEZ EU TENHA ME ESQUECIDO DE OUVIR TODO MUNDO. ATÉ VOCÊ.

AS DUAS SE ABRAÇARAM. E ALI, ENTENDERAM QUE CRESCER TAMBÉM SIGNIFICAVA ACEITAR AS DIFERENÇAS. QUE MUDAR NÃO É O MESMO QUE PERDER. E QUE AMIZADE DE VERDADE PODE PASSAR POR TEMPESTADES — MAS VOLTA A BRILHAR, COMO SOL DEPOIS DA CHUVA.

NA PRÓXIMA REUNIÃO, O CLUBE VOLTOU A SER UM SÓ. COM GRUPOS DE INTERESSE, SIM, MAS TAMBÉM COM ESPAÇO PARA QUEM QUISESSE APENAS ESTAR JUNTO, OUVIR, DESENHAR, ESCREVER OU SIMPLESMENTE EXISTIR. CADA UMA DO SEU JEITO.

E HELENA, AGORA, ERA UMA DAS QUE ACOLHIAM AS NOVAS MENINAS NA PORTA.

COM O NOVO ANO LETIVO, O CLUBE RECOMEÇOU COM A MESMA ENERGIA DE SEMPRE, MAS ALGO PARECIA DIFERENTE NO AR. ERA DIFÍCIL DE EXPLICAR — COMO SE TUDO ESTIVESSE UM POUCO MAIS APERTADO, UM POUCO MAIS INCÔMODO, UM POUCO MAIS SILENCIOSO.

NÃO DEMOROU PARA HELENA PERCEBER: ALGUMAS MENINAS ESTAVAM MUDANDO. ELA TAMBÉM. E ISSO NÃO TINHA NADA A VER COM DESENHOS, OU PALAVRAS, OU IDEIAS. TINHA A VER COM O CORPO.

UM DIA, ENQUANTO ARRUMAVA OS LÁPIS DE COR NO CANTO DO PORÃO, OUVIU UMA CONVERSA ENTRE ÍRIS E UMA DAS MENINAS NOVAS, CHAMADA YASMIN. AS DUAS FALAVAM BAIXINHO, COMO SE AQUILO FOSSE SEGREDO.

— COMEÇOU SEMANA PASSADA — DIZIA YASMIN, COM OS OLHOS MEIO ASSUSTADOS. — MINHA MÃE ME DEU UM NEGÓCIO CHAMADO “ABSORVENTE”, MAS EU NÃO SEI  PARA  QUE SERVE ISSO  . FIQUEI COM MEDO DE CONTAR PARA ALGUÉM. ACHEI QUE TINHA ALGO ERRADO COMIGO.

ÍRIS SORRIU, GENTIL.

— NÃO TEM NADA DE ERRADO. É SÓ... O CORPO DIZENDO QUE ESTÁ CRESCENDO. É ESQUISITO NO COMEÇO MESMO. EU CHOREI NO PRIMEIRO DIA. ACHEI QUE IA MORRER.

AS DUAS RIRAM BAIXINHO. HELENA OUVIU AQUILO E, DE REPENTE, SENTIU O CORAÇÃO APERTADO. ELA TAMBÉM TINHA COMEÇADO A PASSAR POR MUDANÇAS. SEU SUTIÃ AGORA DEIXAVA MARCAS NO FIM DO DIA. ÀS VEZES SENTIA O ROSTO ESQUENTAR SEM MOTIVO. TINHA DIAS QUE CHORAVA DO NADA. E OUTROS EM QUE SÓ QUERIA FICAR SOZINHA.

NA REUNIÃO SEGUINTE DO CLUBE, LUMA PROPÔS ALGO DIFERENTE.

— A GENTE SEMPRE FALA DOS NOSSOS MEDOS E SONHOS — DISSE. — MAS E SE HOJE A GENTE FALASSE DO CORPO? TIPO... COMO A GENTE SE SENTE NELE. SEM VERGONHA, SEM RISADAS.

UM SILÊNCIO CAIU SOBRE O GRUPO. ALGUMAS MENINAS DESVIARAM O OLHAR. MAS ENTÃO, DEVAGAR, UMA MÃO SE LEVANTOU.

— EU NÃO GOSTO DOS MEUS BRAÇOS — DISSE UMA VOZ TÍMIDA. ERA CAROL, UMA MENINA QUE QUASE NUNCA FALAVA. — ELES SÃO GORDINHOS. E NA AULA DE EDUCAÇÃO FÍSICA, OS MENINOS ZOAM. EU QUERIA ESCONDER ELES O TEMPO TODO.

— EU TAMBÉM — DISSE YASMIN. — NÃO OS SEUS. OS MEUS. E MEU JOELHO QUE PARECE UMA BOLA. EU NUNCA USO SHORTS.

— E EU ODEIO MEUS SEIOS CRESCENDO — DISSE LUMA, SURPREENDENDO A TODAS. — EU QUERIA QUE DEMORASSE MAIS. MAS PARECE QUE TUDO ESTÁ CORRENDO E EU NÃO CONSIGO CONTROLAR.

HELENA, ENTÃO, RESPIROU FUNDO E FALOU:

— EU ÀS VEZES ME SINTO COMO SE TIVESSE VIRADO OUTRA PESSOA. COMO SE TIVESSE ACORDADO NUM CORPO QUE NÃO ENTENDO. E ACHO QUE, SE EU CONTAR ISSO PARA ALGUÉM FORA DAQUI, VÃO ACHAR QUE EU TÔ FICANDO LOUCA.

NINGUÉM RIU. NINGUÉM ACHOU ESTRANHO. E NAQUELE INSTANTE, O PORÃO VIROU UMA CÁPSULA DE EMPATIA. AS MENINAS SE OLHARAM COM OLHOS DE QUEM, ENFIM, SE VIA POR INTEIRO — COM BELEZA, COM ESTRANHEZA, COM CICATRIZES, COM NOVAS FORMAS.

LUMA TEVE UMA IDEIA.

— VAMOS CRIAR UM MURAL DOS NOSSOS CORPOS. NÃO DESENHADOS POR FORA, MAS POR DENTRO. O QUE A GENTE SENTE NELES. CADA UMA FAZ UM AUTORRETRATO SIMBÓLICO.

USARAM CARTOLINA, PAPEL COLORIDO, TECIDO, COLA COM GLITTER. ALGUMAS FIZERAM CORAÇÕES COM ASAS. OUTRAS DESENHARAM PERNAS FIRMES COMO ÁRVORES, OLHOS COMO JANELAS, BARRIGAS COM FLORZINHAS CRESCENDO. HELENA DESENHOU UMA MENINA FEITA DE PEÇAS DE QUEBRA-CABEÇA, CADA UMA EM FORMATO DIFERENTE, MAS TODAS SE ENCAIXANDO.

COLARAM TUDO NUMA PAREDE QUE ANTES ESTAVA VAZIA. E ESCREVERAM EM CIMA, COM TINTA ROXA: “AQUI, CADA CORPO É BEM-VINDO.”

DEPOIS DISSO, COMEÇARAM AS RODAS DO ESPELHO. A CADA QUINZE DIAS, UMA DELAS PODIA TRAZER UM OBJETO, UMA ROUPA, UMA LEMBRANÇA QUE FAZIA COM QUE SE SENTISSE BONITA OU FORTE. E CONTAVA A HISTÓRIA POR TRÁS.

NA PRIMEIRA VEZ, HELENA LEVOU UM BROCHE ANTIGO DE SUA AVÓ, EM FORMA DE ESTRELA. DISSE QUE, QUANDO O USAVA, SENTIA QUE SUA AVÓ ESTAVA COM ELA, DIZENDO BAIXINHO QUE ELA PODIA BRILHAR MESMO SEM GRITAR.

ÍRIS LEVOU UM COLAR COM UM CRISTAL AZUL. CAROL LEVOU SUA CAMISETA DE TIME DE FUTEBOL, DIZENDO QUE SE SENTIA RÁPIDA QUANDO JOGAVA. LUMA LEVOU UM PAR DE BOTAS DE CANO ALTO, DIZENDO QUE, COM ELAS, ANDAVA COMO SE PISASSE EM NUVENS.

A CADA RODADA, MAIS SORRISOS SURGIAM. E, AOS POUCOS, AS MENINAS IAM TROCANDO OS “EU ODEIO” POR “EU ESTRANHO”, E OS “EU ESTRANHO” POR “EU TÔ APRENDENDO A GOSTAR”.

PORQUE ERA ISSO, NO FIM: CRESCER NÃO ERA VIRAR ADULTA DE REPENTE. ERA APRENDER A SE OUVIR, A SE VER, A SE PERMITIR MUDAR — SEM PERDER QUEM SE É.

E O CLUBE, ANTES UM ABRIGO PARA O INVISÍVEL, AGORA ERA TAMBÉM UM ESPELHO. MAS UM ESPELHO GENTIL. QUE NÃO APONTAVA DEFEITOS, SÓ POSSIBILIDADES.

NA ÚLTIMA PÁGINA DA NOVA HQ, HELENA DESENHOU TODAS AS MENINAS JUNTAS, DE MÃOS DADAS, NUM CAMPO ABERTO. NO CÉU, HAVIA PALAVRAS FLUTUANDO COMO PIPAS: “FORÇA”, “MUDANÇA”, “ALEGRIA”, “CORPO”, “CONFIANÇA”.

E NO CENTRO DA PÁGINA, UMA DELAS DIZIA:

— TALVEZ EU AINDA ESTEJA APRENDENDO A SER EU. MAS AGORA, SEI QUE NÃO ESTOU SOZINHA.