ERA UMA VEZ, EM UM VALE ESCONDIDO ENTRE MONTANHAS COR DE LAVANDA E RIOS DE ÁGUAS CRISTALINAS, UMA ALDEIA CHAMADA LÚNIVERA. LÁ, TUDO PARECIA ENCANTADO: AS ÁRVORES FALAVAM EM SUSSURROS, OS VENTOS DANÇAVAM COM AS FOLHAS E ATÉ O TEMPO PARECIA PASSAR MAIS DEVAGAR.

NESSA ALDEIA VIVIA UMA MENINA DE NOME PECULIAR: ELOWEN. ELA TINHA OLHOS DA COR DO ÂMBAR AO ENTARDECER E CABELOS QUE LEMBRAVAM A PENUGEM DOURADA DOS FILHOTES DE CORUJA. DESDE MUITO PEQUENA, ELOWEN ERA CONHECIDA POR SUA CURIOSIDADE INCANSÁVEL E PELAS PERGUNTAS QUE FAZIA A TODOS: DESDE O PADEIRO EUSTÓR ATÉ A CURANDEIRA NYVALIS.

MAS HAVIA UM VELHO EM ESPECIAL QUE ELA VISITAVA COM MAIS FREQUÊNCIA: O ANCIÃO DA ALDEIA, CHAMADO THARION. ELE MORAVA NA ÚLTIMA CASA ANTES DA FLORESTA DE LIRIEN, UMA CASA FEITA DE PEDRA MUSGOSA E JANELAS DE VIDRO COLORIDO. THARION ERA UM HOMEM DE LONGAS BARBAS PRATEADAS, OLHAR PROFUNDO E VOZ QUE PARECIA CONTER O ECO DE SÉCULOS.

CERTA TARDE, APÓS UMA MANHÃ CHUVOSA E COM O PERFUME DA TERRA AINDA NO AR, ELOWEN SUBIU A COLINA PARA VISITAR THARION. LEVAVA CONSIGO UM CESTO COM FRUTINHAS DE MIRTILO E UMA PERGUNTA QUE MARTELAVA EM SUA MENTE HÁ DIAS.

— VOVÔ THARION — DISSE ELA, AO CHEGAR —, POSSO TE FAZER UMA PERGUNTA?

O VELHO SORRIU, AJEITOU-SE EM SUA CADEIRA DE BALANÇO E RESPONDEU:

— ELOWEN, MINHA QUERIDA, AS PERGUNTAS SÃO COMO SEMENTES. ALGUMAS NASCEM NO INSTANTE, OUTRAS SÓ GERMINAM ANOS DEPOIS. FAÇA A SUA E VEREMOS O QUE BROTA.

A MENINA SE SENTOU AOS PÉS DELE E, COM OLHOS ATENTOS, PERGUNTOU:

— O QUE É MAIS IMPORTANTE: AMAR OU SER AMADO?

THARION FECHOU OS OLHOS POR UM MOMENTO, COMO SE BUSCASSE A RESPOSTA EM ALGUM CANTO DO TEMPO. DEPOIS, ABRIU-OS COM TERNURA E DISSE:

— ME DIGA, MINHA PEQUENA: O QUE É MAIS IMPORTANTE PARA UM PÁSSARO, A ASA ESQUERDA OU A DIREITA?

ELOWEN FRANZIU A TESTA. PENSOU, PENSOU E RIU.

— AS DUAS! SE ELE TIVER SÓ UMA, NÃO CONSEGUE VOAR!

— EXATAMENTE — DISSE THARION. — AMAR E SER AMADO SÃO COMO AS DUAS ASAS DE UM PÁSSARO. UMA SOZINHA NÃO BASTA. O VOO DO CORAÇÃO SÓ ACONTECE QUANDO AMBAS ESTÃO PRESENTES.

ESSA RESPOSTA FICOU GRAVADA NO CORAÇÃO DE ELOWEN. MAS, COMO UMA VERDADEIRA SONHADORA, ELA NÃO QUERIA SÓ ENTENDER COM A CABEÇA — QUERIA VER COM OS OLHOS. DECIDIU ENTÃO PARTIR EM UMA JORNADA PELA ALDEIA E ALÉM DELA, PARA ENCONTRAR EXEMPLOS VIVOS DESSA IDEIA.

A PRIMEIRA PESSOA QUE VISITOU FOI NYVALIS, A CURANDEIRA. UMA MULHER ALTA, COM PELE COR DE COBRE E OLHOS PRATEADOS COMO O LUAR. ELOWEN LHE PERGUNTOU:

— NYVALIS, VOCÊ ACHA QUE É MAIS IMPORTANTE AMAR OU SER AMADO?

A CURANDEIRA A LEVOU ATÉ O JARDIM DE ERVAS E APONTOU PARA UMA PLANTA CHAMADA YLVRA.

— ESTA PLANTA SÓ FLORESCE SE FOR TOCADA PELO SOL E PELAS ABELHAS. SE TIVER SÓ UM OU O OUTRO, MURCHA. O SOL É COMO AMAR. AS ABELHAS, COMO SER AMADO. NÃO VIVE SÓ COM UM.

ELOWEN ANOTOU TUDO EM SEU CADERNINHO DE COURO.

SEGUIU ENTÃO PARA O ESTÁBULO, ONDE VIVIA O MENINO SARETH, QUE FALAVA COM OS CAVALOS COMO SE FOSSEM IRMÃOS. PERGUNTOU-LHE A MESMA COISA, E ELE RESPONDEU:

— AMAR É COMO SOLTAR O CAVALO NO CAMPO. SER AMADO É QUANDO ELE VOLTA PARA VOCÊ.

E ASSIM SEGUIU ELOWEN, PERGUNTANDO A TODOS — AO PADEIRO EUSTÓR, QUE DIZIA QUE O PÃO SÓ CRESCE SE FOR BEM SOVADO E ASSADO COM CUIDADO; À FIANDEIRA MAELIS, QUE AFIRMAVA QUE UM TECIDO SÓ SE FORMA COM TRAMA E URDIDURA.

MAS NENHUMA RESPOSTA LHE DEU A IMAGEM QUE BUSCAVA: O VOO.

ATÉ QUE, UM DIA, NA FLORESTA DE LIRIEN, ELA SE PERDEU.

ERA FIM DE TARDE, E AS SOMBRAS DAS ÁRVORES CRESCIAM COMO BRAÇOS TENTANDO SEGURÁ-LA. TENTOU LEMBRAR O CAMINHO DE VOLTA, MAS TUDO PARECIA DIFERENTE. ASSUSTADA, SENTOU-SE AO PÉ DE UM CARVALHO E COMEÇOU A CHORAR.

FOI QUANDO OUVIU UM PIADO FRACO.

ENTRE AS FOLHAS, ENCONTROU UM FILHOTE DE PÁSSARO COM UMA ASA FERIDA. ERA PEQUENO, CINZENTO, COM OLHOS REDONDOS DE DESAMPARO. ELOWEN O CHAMOU DE AUREN.

CUIDOU DELE POR DIAS, ALIMENTANDO-O COM FRUTAS E PROTEGENDO-O DO FRIO. COM O TEMPO, AUREN MELHOROU, MAS SUA ASA AINDA NÃO ERA FORTE. MESMO ASSIM, ELE TENTAVA VOAR, PULANDO E CAINDO.

ELOWEN O AMAVA PROFUNDAMENTE. E, DE ALGUMA FORMA, SENTIA QUE ELE TAMBÉM A AMAVA. QUANDO ELA SE APROXIMAVA, ELE CANTAVA. QUANDO ELA CHORAVA, ELE A OBSERVAVA EM SILÊNCIO.

ENTÃO, NUMA MANHÃ ENSOLARADA, AUREN BATEU AS ASAS — AMBAS — E VOOU. ELOWEN O VIU SUBIR AO CÉU COM LEVEZA, DANDO VOLTAS SOBRE A CLAREIRA.

E NAQUELE MOMENTO, ELA ENTENDEU.

AUREN VOAVA PORQUE TINHA SIDO AMADO. E PORQUE TAMBÉM AMAVA. ERA ISSO QUE LHE DAVA AS DUAS ASAS.

VOLTOU PARA CASA, AGORA COM O CORAÇÃO PLENO. CORREU ATÉ A CASA DE THARION, QUE A ESPERAVA COMO SE SOUBESSE DE TUDO.

— ENTÃO, PEQUENA ELOWEN, O QUE VOCÊ DESCOBRIU?

— QUE AMAR E SER AMADO SÃO DUAS ASAS. SÓ COM AS DUAS A GENTE PODE VOAR.

THARION SORRIU E, DO FUNDO DE UMA GAVETA, TIROU UM PEQUENO PINGENTE EM FORMA DE PÁSSARO.

— PARA VOCÊ. QUE NUNCA SE ESQUEÇA DISSO.

ELOWEN CRESCEU. TORNOU-SE UMA JOVEM SÁBIA, CONHECIDA EM MUITOS VALES. TORNOU-SE CONTADORA DE HISTÓRIAS, CUIDADORA DE FERIDOS, AMIGA DOS PÁSSAROS. E TODA VEZ QUE ALGUÉM LHE PERGUNTAVA O QUE ERA MAIS IMPORTANTE, ELA RESPONDIA COM UM SORRISO.

OS ANOS PASSARAM COMO FOLHAS LEVADAS PELO VENTO E ELOWEN TORNOU-SE NÃO SÓ UMA CONTADORA DE HISTÓRIAS, MAS TAMBÉM GUARDIÃ DA SABEDORIA DE LÚNIVERA. SUA CASA, NO TOPO DA COLINA, ERA CERCADA POR FLORES SELVAGENS E SEMPRE HAVIA PÁSSAROS ESVOAÇANDO POR ALI — MUITOS DOS QUAIS PARECIAM VIR SÓ PARA OUVIR SUA VOZ.

MAS UMA NOITE, ENQUANTO OBSERVAVA AS ESTRELAS AO LADO DE SEU VELHO AMIGO THARION — AGORA AINDA MAIS CURVADO E COM OS OLHOS ENEVOADOS PELO TEMPO —, ELOWEN SENTIU UM CHAMADO NO CORAÇÃO. UM CHAMADO PARA VOAR MAIS LONGE.

— VOVÔ THARION — DISSE ELA SUAVEMENTE —, ACHO QUE CHEGOU MINHA HORA DE PARTIR.

— O MUNDO LÁ FORA PRECISA DE HISTÓRIAS, ELOWEN. MAS NÃO ESQUEÇA: PARA VOAR, LEVE CONTIGO AMBAS AS ASAS.

E ASSIM, COM UMA MOCHILA DE COURO, O PINGENTE DE PÁSSARO NO PESCOÇO E UMA PENA DE AUREN PRESA NO CHAPÉU, ELOWEN PARTIU.

VISITOU VILAS ESQUECIDAS, CUROU CORAÇÕES PARTIDOS, ESCUTOU HISTÓRIAS DE REIS TRISTES E CRIANÇAS SOLITÁRIAS. EM CADA LUGAR QUE PASSAVA, DEIXAVA UMA SEMENTE DE ESPERANÇA. E, SEM PERCEBER, AJUDAVA OUTROS A REDESCOBRIR SUAS ASAS.

UM DIA, EM UMA CIDADE DE TORRES ALTAS E CORAÇÕES FRIOS, CONHECEU UM JOVEM CHAMADO CORVEN. ELE ERA INVENTOR E SONHAVA CONSTRUIR MÁQUINAS QUE VOASSEM COMO OS PÁSSAROS. MAS FALTAVA-LHE FÉ.

— NADA QUE EU CRIO VOA COMO DEVERIA — DISSE ELE. — SEMPRE FALTA ALGO...

ELOWEN SORRIU E LHE CONTOU SOBRE O PÁSSARO AUREN. DEPOIS, PEGOU UM PAPEL E DESENHOU DUAS ASAS: UMA COM ENGRENAGENS, OUTRA COM PENAS.

— TALVEZ O QUE FALTE NÃO SEJA METAL. TALVEZ SEJA AMOR.

INSPIRADO, CORVEN CRIOU A PRIMEIRA MÁQUINA VOADORA DE LÚNIVERA — COM AJUDA DO TOQUE POÉTICO DE ELOWEN. E QUANDO A MÁQUINA LEVANTOU VOO, TODOS APLAUDIRAM. MAS FOI CORVEN QUEM DISSE:

— VOCÊ ME DEU A ASA QUE FALTAVA.

NAQUELE MOMENTO, ALGO NOVO NASCEU NO CORAÇÃO DE ELOWEN. UM SENTIMENTO SUAVE, QUENTE E INESPERADO.

ELA SEMPRE VOARA COM SUAS PRÓPRIAS ASAS. MAS AGORA, TALVEZ, ENCONTRASSE ALGUÉM PARA VOAR AO SEU LADO.

E, PELA PRIMEIRA VEZ, PENSOU QUE AMAR E SER AMADO TAMBÉM PODERIA SER UM VOO COMPARTILHADO.