ERA UMA VEZ, NUM REINO ESCONDIDO ENTRE COLINAS VERDES E FLORESTAS ENCANTADAS, UM VELHO SAPATEIRO CHAMADO ELIÃO. ELIÃO ERA CONHECIDO POR TODO O REINO COMO O MELHOR ARTESÃO DE CALÇADOS QUE JÁ EXISTIRA. SEUS SAPATOS ERAM TÃO PERFEITOS QUE ATÉ REIS E RAINHAS CRUZAVAM O PAÍS PARA CALÇÁ-LOS. UM DIA, PORÉM, RECEBEU UM PEDIDO MISTERIOSO: UM PAR DE SAPATOS DEVERIA SER FEITO PARA UMA DONZELA NOBRE QUE NINGUÉM JAMAIS VIRA.

O PEDIDO VINHA DIRETAMENTE DO CASTELO DO DUQUE DE MAREVILHAS, UM HOMEM SEVERO, QUE RARAMENTE APARECIA EM PÚBLICO. MANDOU APENAS UM CRIADO COM INSTRUÇÕES E UMA SILHUETA MARCADA NO COURO DE CERVO. QUANDO ELIÃO OBSERVOU A FORMA DEIXADA NO COURO, FICOU INTRIGADO. OS PÉS ERAM DIFERENTES, COM CASCOS EM VEZ DE DEDOS. ERAM PÉS DE CABRA. MAS ELIÃO, MESTRE DO OFÍCIO, NÃO ZOMBOU NEM JULGOU. COM DESTREZA E CARINHO, FEZ OS MAIS BELOS SAPATOS QUE JÁ HAVIA PRODUZIDO: ERAM DE COURO BRANCO, ADORNADOS COM PEQUENAS PEDRAS MARINHAS E FITAS AZUL-CELESTE.

DIAS DEPOIS, O PRÓPRIO DUQUE FOI BUSCAR OS SAPATOS. PAGOU GENEROSAMENTE E LEVOU O PAR CONSIGO. QUANDO CHEGOU AO CASTELO, ENTREGOU OS SAPATOS À DONZELA, SUA FILHA, CHAMADA ISADORA. A JOVEM, AO VER OS SAPATOS, ENCANTOU-SE. PORÉM, SUA ALEGRIA SE TRANSFORMOU EM TRISTEZA AO PERCEBER QUE O SEGREDO DE SEUS PÉS NÃO ERA MAIS SEGREDO. ALGUÉM SABIA. E SE O SAPATEIRO SABIA, TODOS PODERIAM SABER.

A VERGONHA PESOU MAIS QUE O PRESENTE. ISADORA CORREU PARA SEU QUARTO E TRANCOU-SE. O DUQUE, FURIOSO COM A POSSIBILIDADE DE A PECULIARIDADE DA FILHA TORNAR-SE PÚBLICA, DECIDIU ESCONDÊ-LA PARA SEMPRE. MANDOU CONSTRUIR UMA TORRE ALTA, À BEIRA-MAR, INACESSÍVEL POR TERRA, ONDE NINGUÉM PUDESSE VÊ-LA OU FALAR COM ELA. SÓ UM HOMEM PODERIA APROXIMAR-SE: UM CAVALEIRO DE SUA CONFIANÇA, CHAMADO SIR ELIAN, QUE RECEBERA ORDENS CLARAS DE PROTEGÊ-LA, MAS NUNCA LA VER.

A TORRE TINHA UM SISTEMA CURIOSO: UM MECANISMO COM CORDAS E POLIAS PERMITIA QUE OBJETOS E MENSAGENS FOSSEM ENVIADOS DE BAIXO PARA CIMA E VICE-VERSA, MAS A PORTA PRINCIPAL PERMANECIA TRANCADA. ISADORA VIVIA ALI, RODEADA POR LIVROS, PINTURAS E O SOM DAS ONDAS. SIR ELIAN, JOVEM E HONESTO, FICAVA NO ACAMPAMENTO PRÓXIMO À TORRE, CUIDANDO DELA À DISTÂNCIA. AOS POUCOS, COMEÇARAM A TROCAR MENSAGENS.

ELIAN ESCREVIA SOBRE AS NUVENS, OS PEIXES DO MAR E HISTÓRIAS DE CAVALARIA. ISADORA RESPONDIA COM POESIAS, CURIOSIDADES SOBRE ESTRELAS E MEMÓRIAS DE SUA INFÂNCIA. PASSARAM-SE DIAS, MESES, ANOS. TORNARAM-SE GRANDES AMIGOS, MESMO SEM JAMAIS SE VEREM. A CURIOSIDADE, PORÉM, CRESCIA.

CERTO DIA, QUANDO O CÉU ESTAVA PINTADO DE DOURADO PELO ENTARDECER, ELIAN NÃO RESISTIU. SUBIU PELAS ESCADAS DA TORRE ATÉ ALCANÇAR A PESADA PORTA DE MADEIRA. BATEU DE LEVE. SILÊNCIO. BATEU NOVAMENTE E, PARA SUA SURPRESA, A PORTA RANGEU. ESTAVA DESTRANCADA. COM O CORAÇÃO DISPARADO, EMPURROU-A.

ISADORA ESTAVA SENTADA JUNTO À JANELA, OS CABELOS LONGOS COMO UM VÉU DOURADO, OS OLHOS BRILHANDO COM A LUZ DO MAR. QUANDO O VIU, FICOU IMÓVEL. NENHUM DOS DOIS FALOU POR UM MOMENTO. ENTÃO, SORRIRAM. ERA COMO SE SEMPRE SE CONHECESSEM.

ELIAN NÃO VIU OS PÉS. NÃO LHE IMPORTAVA. ELE VIA A ALMA DE ISADORA, SEUS OLHOS SINCEROS, SUA BONDADE. CONVERSARAM ATÉ O NASCER DO SOL. E FOI ALI, ENTRE PROMESSAS SUSSURRADAS E RISOS TÍMIDOS, QUE DECIDIRAM FUGIR. NÃO PODIAM VIVER ESCONDIDOS, SEPARADOS.

ROUBARAM UM CAVALO BRANCO DO DUQUE – UM ANIMAL MÁGICO, QUE PERTENCERA A UM FEITICEIRO AMIGO DO PAI DE ISADORA. MONTARAM JUNTOS E PARTIRAM PELA COSTA, ONDE OS PENHASCOS TOCAVAM O CÉU. MAS ESQUECERAM-SE DE UM DETALHE IMPORTANTE: O CAVALO ESTAVA ENFEITIÇADO. E O FEITICEIRO, EMBORA HÁ MUITO AFASTADO, AINDA PODIA VER ATRAVÉS DOS OLHOS DO ANIMAL.

A FUGA DUROU POUCO. QUANDO O CAVALO SENTIU O VENTO DA MADRUGADA, RELINCHOU ALTO E SEUS OLHOS BRILHARAM EM VERMELHO. O FEITICEIRO, ONDE QUER QUE ESTIVESSE, SOUBE DA TRAIÇÃO. COM UM GESTO, ATIVOU O ENCANTAMENTO. O CAVALO DISPAROU SEM CONTROLE, GALOPANDO EM DIREÇÃO AO PENHASCO. ELIAN SEGUROU ISADORA COM FORÇA, TENTANDO DOMINAR O ANIMAL, MAS ERA TARDE DEMAIS.

QUANDO TUDO PARECIA PERDIDO, ISADORA GRITOU UMA PALAVRA EM UMA LÍNGUA ANTIGA – UMA QUE APRENDERA EM SEUS LIVROS MÁGICOS. O CAVALO PAROU ABRUPTAMENTE, À BEIRA DO ABISMO. AMBOS CAÍRAM NA GRAMA, OFEGANTES, VIVOS.

NAQUELE MOMENTO, O CÉU SE ABRIU. UMA LUZ AZUL DESCEU SOBRE ELES E UMA FIGURA APARECEU. ERA O PRÓPRIO FEITICEIRO. MAS NÃO ERA CRUEL COMO IMAGINAVAM. SEUS OLHOS ERAM TRISTES.

"VOCÊS ME LEMBRAM DE MIM MESMO, QUANDO JOVEM", DISSE ELE. "O DUQUE ME PEDIU PARA PROTEGER ISADORA, NÃO PARA APRISIONÁ-LA. VEJO AGORA QUE ERREI."

COM UM TOQUE GENTIL, O FEITICEIRO QUEBROU O ENCANTO NOS PÉS DE ISADORA. LENTAMENTE, OS CASCOS DESAPARECERAM E SEUS PÉS TORNARAM-SE COMO OS DE QUALQUER OUTRA JOVEM. ISADORA CAIU DE JOELHOS, EMOCIONADA.

"VOCÊ SEMPRE FOI LINDA, COM OU SEM O ENCANTO", DISSE ELIAN.

O FEITICEIRO SORRIU. "SIGAM SEUS CAMINHOS, JOVENS. O AMOR VERDADEIRO TEM PODER QUE ATÉ A MAGIA RESPEITA."

E ASSIM, MONTADOS NO CAVALO AGORA LIVRE, ISADORA E ELIAN SEGUIRAM VIAGEM. VISITARAM VILAREJOS, AJUDARAM PESSOAS, CONTARAM SUAS HISTÓRIAS. TORNARAM-SE LENDAS VIVAS. ONDE PASSAVAM, ENSINAVAM QUE OS DEFEITOS QUE NOS ESCONDEM SÃO, ÀS VEZES, O CAMINHO PARA O AMOR QUE NOS LIBERTA.

E A TORRE? DIZEM QUE AINDA ESTÁ LÁ, SOLITÁRIA À BEIRA-MAR. MAS HOJE, É LUGAR DE SONHOS, NÃO DE PRISÕES. UM LUGAR ONDE O VENTO CANTA HISTÓRIAS E OS JOVENS APAIXONADOS FAZEM PROMESSAS SOB O PÔR DO SOL.